- APRESENTAÇÃO -

O objetivo deste Blog é divulgar projetos, pesquisas, trabalhos, textos que abranjam o pensamento filosofal de diversas áreas e diversos pensadores, disponibilizando-os a quem assim quiser partilhar e precisar para suas próprias investigações e pesquisas. Grato a todos que me ajudaram: Professores, Tutores e Colegas.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A CONCEPÇÃO DE DEUS SOB ÓTICA CARTESIANA: ANÁLISE HISTÓRICA E DA OBRA MEDITAÇÕES

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO





LICENCIATURA EM FILOSOFIA





LETÍCIA REGINA DOS SANTOS RODRIGUES


A CONCEPÇÃO DE DEUS SOB ÓTICA CARTESIANA:

ANÁLISE HISTÓRICA E DA OBRA MEDITAÇÕES


SÃO BERNARDO DO CAMPO

2011

LETÍCIA REGINA DOS SANTOS RODRIGUES - 161072


A CONCEPÇÃO DE DEUS SOB ÓTICA CARTESIANA:

ANÁLISE HISTÓRICA E DA OBRA MEDITAÇÕES



Artigo de Conclusão apresentado ao curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo – Pólo Londrina-PR.

Linha de pesquisa: História da Filosofia.

Orientação: Profa. Dra. Suze Piza



LONDRINA-PR. - 2011

LETÍCIA REGINA DOS SANTOS RODRIGUES



A CONCEPÇÃO DE DEUS SOB ÓTICA CARTESIANA:

ANÁLISE HISTÓRICA E DA OBRA MEDITAÇÕES



Artigo de Conclusão apresentado ao curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo – Pólo Londrina-PR.

Linha de pesquisa: História da Filosofia.

Orientação: Profa. Dra. Suze Piza.



Data de defesa: ____/____/________.

Resultado: _____________________.







BANCA EXAMINADORA





Prof. Dr. ___________________________________________________________

Universidade Metodista de São Paulo





Prof. Dr. ___________________________________________________________

Universidade Metodista de São Paulo





Prof. Dr. ___________________________________________________________

Universidade Metodista de São Paulo




Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois o meu desejo é que tudo o que eu faça, seja por Ele e para Ele;



Dedico também, este trabalho aos meus queridos alunos, filósofos em potencial; para que compreendam que até a filosofia, aponta para Deus;



Em especial, dedico este trabalho a minha mãe América, que tanto se orgulha dos meus estudos e de minha fé!



Agradeço a pessoa de Jesus Cristo, presença constante em cada momento, sempre me dando a força e a inspiração necessária para que eu nunca desista! E também por enviar as seguintes pessoas para que fosse possível a conclusão deste sonho:



Sou grata a minha querida mãe, América, que não somente pagou o curso, mas juntamente com meu pai Paulo (em memória), sempre me incentivou a estudar, pensar, ler, fazer palavras cruzadas e desenvolver o caráter e o conhecimento que possuo hoje, que tornou possível a conclusão do curso;



Agradeço a minha querida colega (veterana) e amiga Eleanor Teruya, que me emprestou livros, corrigiu e me mostrou que era possível escrever sobre o tema escolhido, e por cada conversa que sempre me leva a uma útil descoberta filosófico, teológica ou historiólogica;



Sou grata ao querido colega (veterano) José Matias, que compartilhou comigo seu vasto conhecimento tecnológico, peça fundamental na formatação deste trabalho;



Agradeço a orientadora Profa. Dra. Suze Piza, pela indicação de leitura, disposição e principalmente pelas respostas imediatas e pelos e-mails lembrando que o tempo de entrega estava chegando;



E agradeço a todos os meus colegas e professores, pois aprendi com cada um de vocês! Nossa turma possui grandes filósofos!


“Se um tal poder residisse em mim, decerto eu deveria ao menos pensá-lo e ter conhecimento dele: mas não sinto nenhum poder em mim e por isso reconheço evidentemente que dependo de algum ser diferente de mim.”



(René Descartes, Meditações. Meditação Terceira).





RESUMO


O presente artigo visa expor a visão de René Descartes sobre a ótica divina, partindo de uma análise histórica e de uma releitura sobre a obra cartesiana Meditações. O filósofo René Descartes é conhecido como racionalista que marcou a história da filosofia no século XVII, inaugurando a Filosofia Moderna. Apesar de muito estudado e conceituado na filosofia contemporânea, há quem duvide da interpretação de suas teorias e considerações acerca da existência de Deus, pois segundo o próprio filósofo era necessário duvidar de tudo. Posteriormente ele irá concluir que é impossível a razão sem uma substância imutável criadora. E o presente trabalho parte em busca da análise específica desta temática cartesiana, onde pela razão, Descartes busca comprovar a existência de Deus.

Palavras-chave: Deus, Cartesiana, Ótica Divina, Existência de Deus, René Descartes.


ABSTRACT



This article to expose the view of René Descartes on a divine perspective, from a historical analysis and a new reading of the cartesian Meditations work from the philosopher René Descartes, who is known as a rationalist who marked the history of philosophy in the seventeenth century, ushering in the Modern Philosophy, Descartes is studied and conceptualized in contemporary philosophy, there´s debate about the interpretation of his theories and thoughts about the existence of God, because according to the philosopher himself was necessary to doubt everything. Later he will conclude that it is impossible to reason without a creator unchanging substance. And this work góes in search the specific analysis of this issue cartesian, where by reason, Descartes tries to prove God´s existence.


Keywords: God, Cartesian, Optics Divine Presence of God, René Descartes.



SUMÁRIO





INTRODUÇÃO 9



1 A ÓTICA DIVINA CARTESIANA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA 11

1.1 O FILÓSOFO RENÉ DESCARTES 11

1.2 A ÓTICA DIVINA NA MODERNIDADE SEGUNDO DESCARTES 14



2 DEUS NA OBRA DE RENÉ DESCARTES 18

2.1 DEUS NA OBRA CARTESIANA DISCURSO DO MÉTODO 18

2.2 DEUS NA OBRA CARTESIANA MEDITAÇÕES 21



3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 28

4 REFERÊNCIAS 30







INTRODUÇÃO



A existência de Deus é uma temática debatida há muitos séculos, sendo um assunto cada vez mais discutido e questionado. O filósofo francês René Descartes no início da Modernidade ocupou-se em escrever sobre o assunto. Mas há quem duvide dos motivos que o levaram a abordar a existência de Deus, deixando dúvidas como: O que René Descartes realmente pensava sobre Deus? É possível pensar que a história comprova o fato de que Descartes não tinha algum motivo político ou que ameaçasse sua vida a ponto de escrever uma obra assumindo uma fé que não tinha; também é possível pensar que as próprias obras cartesianas são capazes de esclarecer se sua crença em Deus é verdadeira. Assim, torna-se relevante elaborar uma pesquisa histórica e filosófica da transição da era medieval para a modernidade vivenciada por Descartes; e uma releitura das principais obras cartesianas; em especial, da obra Meditações; em busca da concepção de Deus na ótica cartesiana.



Primeiramente, para se compreender a ótica divina de Descartes; é fundamental observar o contexto ao qual o filósofo estava inserido, compreendendo a modernidade. Partiremos do conhecimento biográfico do autor, compreendendo sua história e influências. Posteriormente, serão analisados os escritos e a história do filósofo inserido na idade moderna, compreendendo a ótica medieval acerca de Deus, e sua transição para o pensamento moderno em contrapartida com o pensamento de Descartes sobre Deus.



No segundo capítulo, Deus será compreendido a partir da obra de René Descartes. Será realizada uma releitura das obras principais que abordam o tema. Primeiramente, a ótica que o filósofo possui da pessoa divina é analisada na obra Discurso do Método, onde ele discorre sobre o pensar e o existir, chegando a questão da existência de Deus. Posteriormente, a compreensão de quem é Deus, será analisada segundo a obra cartesiana Meditações, aonde chega a separar um capítulo para discorrer sobre o tema “a existência de Deus”, abordando também em toda a obra sobre a influência divina no que concerne ao homem.



Conforme o teólogo Juan Antônio Estrada, escreve em sua obra Deus nas tradições filosóficas:

Se podemos postular racionalmente a existência de Deus e relativizar nossos conceitos sobre ele, como esperamos demonstrar, só nos resta oferecer nossas interpretações como convicções bem argumentadas e razoáveis, quer dizer, consistentes e plausíveis, o que implica submetê-las a uma reflexão crítica e argumentativa e mantê-las como afirmação deficiente, fragmentária e provisória.” (ESTRADA, 2003, p. 20).



É esta proposta que o presente trabalho visa evidenciar no pensamento de Descartes, principalmente na obra Meditações, o fato da existência de Deus ser lida sob a ótica e análise profunda da razão, com o método cartesiano, elaborada por ele mesmo. Assim, o objetivo principal deste artigo, é evidenciar a fé em Deus como uma temática que pode ser pautada na razão.



1 A ÓTICA DIVINA CARTESIANA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA



Deus é um assunto debatido desde o início da história da Filosofia. Após a idade média, o assunto e a especulação sobre a existência de Deus não iria cessar. Surge o filósofo René Descartes inaugurando a modernidade com sua contribuição acerca de Deus.

1.1 O FILÓSOFO RENÉ DESCARTES

Primeiramente, é preciso definir quem é o filósofo em questão. René Descartes, também conhecido por seu nome latino Renato Cartesius, foi um francês nascido em La Haye em Toraine, no dia 31 de março de 1596 e morto com 53 anos em 11 de fevereiro de 1650, em Estocolmo, na Suécia. “Muitas vezes é chamado de “pai da filosofia moderna”, e é ainda hoje considerado o maior filósofo francês de todos os tempos e um dos mais importantes do pensamento e da cultura ocidental” (MARÇAL, 2009, p. 143). Seu pensamento é chamado de Cartesiano. Desde jovem, o filósofo interessou-se por matemática , geometria e álgebra; desenvolveu a geometria analítica e as chamadas coordenadas cartesianas. Conhecedor da ciência de seu tempo, criticou a educação que teve com os jesuítas. Viveu em um período conturbado e, por temor da Inquisição após a condenação de Galileu, aceitou o convite da rainha Cristina para morar na Suécia, onde veio a falecer de pneumonia, devido ao rigoroso inverno. Escreveu Discurso do Método, Meditações Metafísicas, Regras para a direção do Espírito, Tratado do Mundo, Princípios de Filosofia, Tratado das Paixões da alma, além de inúmeras cartas. (ARANHA & MARTINS, 2009, p. 169).



O mestre em filosofia Jairo Marçal, escritor de Antologia dos textos filosóficos, narra a história de René Descartes. Conta que em 1606 aproximadamente, até 1615, estudou em Royal de La Flètche, um colégio jesuíta, recebendo a educação escolástica combinada com um saber emergente. Ele apreciava seus professores e o ensino rigoroso, mas criticou a educação jesuíta em sua obra Discurso do Método. Em 1618 vai para Holanda, se alista como voluntário no exército do príncipe Maurício de Nassau. Conheceu Isaac Beeckman, que teve grande influência em sua carreira, discutiam questões científicas sobre física, matemática, medicina e música. E assim, passa a pensar na importância de um método que conectasse as ciências. Em novembro de 1619, terá sonhos que para ele significava que teria que executar tal projeto, e assim, cria um programa de pesquisa para a unificação do saber. Descartes abandona a carreira militar e viaja pela Europa. Em Paris, de 1625 a 1629, quando sua pesquisa avança rapidamente, se une ao Pe. Mersenne e o grupo de pensadores, passando a escrever Regras para a direção do espírito, que trata da unidade da ciência, uma reflexão de seu método e questões do conhecimento, mas não chega a publicar. A partir de 1628, volta para Holanda, passando a investigar a metafísica e a física, em 1629 começa a elaborar suas primeiras meditações, que englobam até física, mecânica, anatomia e medicina dando origem ao projeto do Mundo, que ele vai trabalhar até meados de 1633. Mas este trabalho não será publicado ao saber da condenação de Galileu. (MARÇAL, 2009, p. 143-144).



Contudo, deste projeto original, surgirá várias obras. O Mundo ou Tratado da Luz e o Homem correspondem a suas partes centrais. Suas obras até então, são publicadas postumamente. Em 1637, Descartes publica sua primeira obra: o Discurso do Método e os ensaios que o ilustram (Dióptrica, Meteoros, Geometria), que reúnem suas investigações feitas até então. No final da década, Descartes começa a trabalhar em Meditações, publicadas em 1641, com seis Objeções e respostas, a sétima sendo incluída na edição de 1642. Em 1644, publica os Princípios da Filosofia, que é a “expressão final de seu programa de filosofia natural”. Em 1643, passa a se corresponder com a Princesa Elisabeth de Boêmia, com a qual discute questões como a união entre corpo e alma e assim surge as Paixões da alma, publicado em 1649. Mas antes disso, são publicadas as Meditações e os Princípios, ambos em francês, 1647. No início de 1649, Descartes viaja para a Suécia a pedido da Rainha Christina, que culminará em sua morte. (MARÇAL, 2009, p. 145-146).



Conforme Jostein Gaarder, teólogo e filósofo norueguês, escritor de O Mundo de Sofia, Descartes durante sua vida viajou pela Europa em busca de conhecer a natureza do homem e do universo. Depois de estudar filosofia, conscientizou-se sobre sua própria ignorância, duvidou do que lia nos livros, no conhecimento herdado da idade média e até dos próprios sentidos. Era um racionalista, acreditava que a razão era a única fonte segura de conhecimento. Em sua obra Discurso do Método, explica que não devemos considerar nada verdadeiro enquanto não tivermos reconhecido por si só algo como verdadeiro e que é necessário decompor um problema em diversas partes, começando pelos pensamentos mais simples. Cada pensamento devia ser “pesado e medido” até chegar à conclusões filosóficas. Assim, aplicava o método matemático à reflexão filosófica, de forma que razão fosse o único capaz de levar a um conhecimento seguro. “Descartes achava importante descartar primeiro todo o conhecimento constituído antes dele, para só então começar a trabalhar em seu projeto filosófico”. E assim, se era possível obter a certeza de que nada sabia, o que era um bom sinal para Descartes; pois se pensava, existia, era um ser pensante, em suas palavras: “Cogito, ergo sum”; isto é; “Penso, logo existo”. Desta forma, é possível pensar na idéia de um Ser perfeito só pode surgir de outro ser perfeito: Deus. “Pois um ser perfeito não seria perfeito senão existisse (...) não teríamos a idéia do que seja um ser perfeito se tal ser não existisse. Isto porque somos imperfeitos e (...) pensar em Deus é uma idéia inata (...) como a marca que o artista coloca em sua obra” (GAARDER, 1995, p. 252 a 258).



Para o filósofo italiano Nicola Abbagnano, o Cartesianismo pode ser resumido em:



1Q caráter originário do cogito como auto-evidência do sujeito pensante e princípio de todas as outras evidências; 2-presença das idéias no pensamento, como únicos objetos passíveis de conhecimento imediato; 3a caráter universal e absoluto da razão que, partindo do cogito e valendo-se das idéias, pode chegar a descobrir todas as verdades possíveis; 4Q função subordinada, em relação à razão, da experiência (isto é, da observação e do experimento), que só é útil para decidir nos casos em que a razão apresenta alternativas equivalentes; 5e dualismo de substância pensante e substância extensa, pelo qual cada uma delas se comporta segundo lei própria: a liberdade é a lei da substância espiritual; o mecanismo é a lei da substância extensa. (ABBAGNANO, 2008, p. 127).





Existe, portanto, o dualismo de Descartes, onde existem duas substâncias ou formas de realidade: Um pensamento ou alma que não ocupa lugar no espaço e não pode ser decomposta; e a matéria que não possui consciência, mas pode ser decomposta em partes menores. E para Descartes, ambas provém de Deus, pois existem independentes de qualquer outra coisa. (GAARDER, 1995, p. 259). Assim o homem é concebido como ser dual, dotado de corpo e alma, o que engloba a razão.



Alguns dos jesuítas mais jovens na França, acolheram ao trabalho do antigo aluno. "Princípios de Filosofia" apareceu traduzido do latim para o francês em 1647, enquanto Descartes passava pela França, Ele esperava que um relato mais formalizado da totalidade do seu pensamento científico poderia receber o apoio dos círculos católicos especialmente entre os jesuítas, mas os jesuítas inicialmente rejeitaram o cartesianismo. Seu trabalho foi colocado no índex, uma lista católica dos livros proibidos. Mas ainda assim, recebeu do rei, por iniciativa do ministro Mazarino, regente na menoridade de Luís XIII, uma pensão vitalícia em honra de suas descobertas matemáticas, a qual ele não se empenhou em receber.



René Descartes foi um filósofo além de seu tempo, que se propôs a pensar em áreas nunca antes questionadas, criando o método cartesiano conhecido e aceito até os dias de hoje, inaugurando o pensamento racionalista na modernidade. Sobre sua obra Meditações, onde conclui a existência de um Deus, é possível afirmar que ela foi escrita quase uma década após a condenação de Galileu.



1.2 A ÓTICA DIVINA NA MODERNIDADE SEGUNDO DESCARTES



O período Moderno inicia com um novo pensamento, conforme o filósofo e escritor inglês Sthephen Law, depois do período Escolástico, de domínio cultural puramente religioso, surge o Renascimento das artes e ciência. No início do século XVII, a filosofia estava livre do dogma religioso para retornar ao espírito filosófico da Grécia antiga. Dentre estes filósofos, se destaca René Descartes (1596-1650). Ele foi inspirado pelas obras científicas de Galileu, estendendo o método matemático a todas as áreas de conhecimento, construindo um conhecimento sobre as verdades através da razão pura. Assim, Descartes inaugura um novo alicerce intelectual e social na Europa, que teve seu auge no século XVIII, com o iluminismo. (LAW, 2009, p. 36,37). Descartes inaugura a idade moderna, com uma linha de pensamento que iria marcar a história da Filosofia.



Os racionalistas sugerem que é possível saber verdades de forma inata, intuitiva, rejeitando a idéia empirista de saber pelas experiências sensoriais. René Descartes era claramente um racionalista, como demonstram suas provas da existência de Deus (LAW, 2009, p.68). Ele afirma que “As coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras.” (DESCARTES, op. Cit. LAW, 2009, p. 67). Para ele, aquilo que a razão conseguia conceber, só poderia ser real. Assim, ele nos fornece duas provas da existência de Deus, uma é um argumento ontológico, que tenta provar a existência de Deus a priori, isto é; do que vem antes. A segunda é a prova da marca impressa, que busca provar a existência de Deus pelo simples fato de ser possível obter uma idéia Dele. Chega a afirmar que “Não seria possível... eu ter em mim a idéia de um Deus, se Deus não existisse realmente” (DESCARTES, op. Cit. LAW, 2009, p. 69).



Sobre Descartes, Law argumenta que toda idéia deve ter uma causa,





(...) e se a experiência ou nossas próprias mentes não são esta causa, então ela deve ser “inata”. Idéias inatas não são idéias a que podemos necessariamente ter acesso desde o nascimento, mas já estão presentes em nós de algum modo. Ele afirma que a causa da idéia de Deus só pode ser Deus. (LAW, 2009, p. 69).





Para Descartes, a idéia da existência de Deus já nasce latente no homem, e ele não seria capaz de pensar em algo tão perfeito, se tal perfeição não se revelasse a pessoa, somente Deus poderia criar a idéia de sua existência. Conforme afirma o filósofo britânico Stephen Law sobre Descartes, “é como se, ao imprimir uma idéia de si em nossas mentes, Deus deixasse sua “marca”, um sinal revelador de que somos Sua criação.” (LAW, 2009, p. 69). Assim, para Descartes, podemos saber a priori, que Deus existe.



Abbagnano, observa que para Descartes, “se Deus parasse de criar o mundo, o mundo deixaria de existir” e que "a existência necessária está contida na natureza ou no conceito de D., de tal modo que é verdade dizer que a existência necessária está em D. ou que D. existe" (ABBAGNANO, 1998, p. 263. “D” refere-se à Deus). Conclui portanto que "Se algo existe, deve existir um ser necessário. Mas algo existe (p. ex., eu mesmo), logo existe o ser necessário". E assim, para Abbagnano, Descartes prova a existência de Deus pela razão. (ABBAGNANO, 1998, p. 272).



O filósofo catalão José Ferrater Mora, observa que Descartes retoma a tradição de Santo Agostinho, em que a alma apreende diretamente Deus e o mundo somente através do próprio Deus sob a fórmula “vemos todas as coisas em Deus”, e diz que é próprio da idade moderna o exame das relações entre alma e corpo. (MORA, 1978, p. 13).



O teólogo e filósofo brasileiro Urbano Zilles, observa que a filosofia moderna do ocidente foi marcada pelo cristianismo católico. No século XIV, a filosofia escolástica começou a decair, dando espaço para a nova racionalidade, já não era mais o velho mundo feudal, mas a razão como forma de investigação, conhecimento e ciência. O império e o catolicismo medieval (como instituição organizadora da vida social, política, ideológica) foram questionados.





Para a Igreja católica houve três grandes catástrofes no campo da fé: o cisma entre Oriente-Ocidente (1054); a Reforma (século XVI) e a condenação de Galileu. Desde então aprofundou-se o abismo entre a igreja e a cultura moderna. Quanto ao mau uso da Bíblia, Descartes escrevera de maneira magistral: “É usar a Bíblia para um fim para o qual Deus não a deu e, portan-to, abusar dela quando se quer extrair o conhecimento de verdades que só pertencem às ciências humanas e não servem para a nossa salvação” (carta de 1638). (sic) (ZILLES, apud. DESCARTES, 1991, p. 23).


E assim, Zilles observa ainda que “a filosofia moderna substitui o tema Deus, central na filosofia medieval, pelo tema homem.” (Ibid.). Mas aponta Descartes que retorna ao pensamento dos antigos filósofos gregos. Para Zilles, Descartes rompeu com as tradições, “procedeu como se a história do pensamento começasse com ele. Tentou uma fundamentação radicalmente nova da filosofia e do saber humano em geral” (ZILLES, 1991, p. 24), “mas tenta harmonizar fé e razão” (ZILLES, 1991, p. 31).



A jornalista, filósofa e doutora em sociologia Verônica Aravena Cortes, observa que o mundo em que Descartes vivia, passava por transformações, onde as verdades conhecidas até então, eram questionadas pelos pensadores que foram condenados. E estas incertezas fizeram com que o filósofo se preocupasse com os fundamentos destes novos pensamentos, ele desejava discernir entre o verdadeiro e o falso, alcançando um conhecimento seguro para conduzir a vida, a existência, em busca de “uma física que faz uma metafísica; e se volta para Deus” (CORTES, 2008, p. 71-72).



É possível perceber que Descartes não escreve para eternizar as doutrinas da igreja católica, pois não cita nenhum dogma. Muito menos, parece que escreveu por obrigação ou por temor a própria vida, visto que possuía diversos lugares para se refugiar. Contudo, ele descarta todo conhecimento velho para usar a razão, e acaba concluindo a existência de Deus como sendo o responsável pelo pensamento da humanidade e da própria idéia divina.


2 DEUS NA OBRA DE RENÉ DESCARTES



A melhor maneira de se conhecer o pensamento de Descartes acerca de Deus, é observando suas próprias obras. Iniciaremos com a análise da obra Discurso do Método, onde o filósofo inclui algumas referências sobre Deus. Mas a análise mais profunda é a da obra Meditações, onde Descartes aborda sobre o pensamento até concluir pela razão que Deus é o criador até da própria idéia divina.



2.1 DEUS NA OBRA CARTESIANA DISCURSO DO MÉTODO



A obra cartesiana Discurso do método, ou ainda Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência (do francês: Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences), é um tratado filosófico e matemático, publicado primeiramente em 1637, em língua vernácula e não em latin como era o costume. Foi escrito como prefácio de ensaios científicos, pois o autor buscava apresentar um método que seria exposto nos textos seguintes (CORTES, 2008, p.74). Neste discurso, Descartes escreveu uma das mais conhecidas frases Je pense, donc je suis (no latin cogito ergo sum; penso, logo existo), onde o pensar e o existir estavam inteiramente dependentes um do outro. E deste pensamento, ele prova a existência de Deus, partindo da razão).



O Método apresentado neste discurso, pode ser resumido em quatro regras. Primeiro ele busca uma clareza que descarta toda dúvida pré concebida anteriormente. Em segundo lugar, irá fazer uma análise, dividir os problemas em partes pequenas para poder resolvê-lo, partindo do simples para o complexo. Em terceiro lugar, irá ordenar os pensamentos, começando dos objetos mais simples e de fácil compreensão (que foram decompostos anteriormente). E finalmente, em quarto lugar ele passa a enumerar e revisar os dados, observando-os e revisando-os para que nada seja omitido. Utilizando este método, ele acredita ser possível alcançar um conhecimento verdadeiro e real.

Ele critica o conhecimento de seu tempo, no auge da ilusão com a perfeição das máquinas, para mostrar que o homem é como uma máquina que funciona perfeitamente, por ter sido criada por um Ser perfeito.


O que não parecerá de maneira alguma estranho a quem, sabendo quão diversos autômatos, ou máquinas móveis, a indústria dos homens pode produzir, sem aplicar nisso senão pouquíssimas peças, em comparação à grande quantidade de ossos, músculos, nervos, artérias, veias e todas as outras partes existentes no corpo de cada animal, considerará esse corpo uma máquina que, tendo sido feita pelas mãos de Deus, é incomparavelmente mais bem organizada e capaz de movimentos mais admiráveis do que qualquer uma das que possam ser criadas pelos homens. (DESCARTES, 2011, p.31).


 

Descartes discorre sobre uma dúvida Metafísica. Ele vai supor que Deus é enganador, como se fosse um gênio maligno, que compromete verdades. Tal suposição é somente um método, para seguir um percurso de pensamento que culminará em uma base segura científica, pois ele vai concluir que não há como duvidar do que se é, se existe um Deus que engana, pois assim nada seria (nem um ser pensante). Enquanto se pensa, se é, um ser imperfeito e finito que possui a idéia de um Ser perfeito e infinito, e assim se instaura a primeira prova da existência de Deus, um passo decisivo ao conferir verdade ao fato de pensar. “(...) é pelo menos tão certo que Deus, que é esse Ser perfeito, é ou existe quanto seria qualquer demonstração de geometria.” (DESCARTES, 2011, p. 21). Para Descartes, até sonhos ou idéias perfeitas são provenientes de Deus, pois uma idéia clara só pode ser concebida de forma divina, e assim ser tida por verdadeira e real.





Afinal, se ainda há homens que não estejam totalmente convencidos da existência de Deus e da alma, com as razões que apresentei, quero que saibam que todas as outras coisas, a respeito das quais se consideram talvez certificados, como a de possuírem um corpo, existirem astros e a Terra, e coisas parecidas, são ainda menos certas. Pois, apesar de se ter dessas coisas uma certeza moral, que é de tal ordem que, salvo sendo-se extravagante, parece impossível colocá-la em dúvida; contudo, ao que concerne à certeza metafísica, não se pode negar, a não ser que não tenhamos bom senso, que é motivo suficiente para não possuirmos total segurança a respeito, o fato de observarmos que podemos da mesma maneira imaginar, ao estarmos dormindo, que temos outro corpo, que vemos outros astros e outra Terra, sem que isso seja verdade. Pois, de onde sabemos que os pensamentos que nos surgem em sonhos são menos verdadeiros do que os outros, se muitos, com freqüência, não são menos vivos e nítidos? E, mesmo que os melhores espíritos estudem o caso tanto quanto lhes agradar, não acredito que possam oferecer alguma razão que seja suficiente para dirimir essa dúvida, se não presumirem a existência de Deus. Pois, em princípio, aquilo mesmo que há pouco tomei como regra, ou seja, que as coisas que concebemos bastante evidente e distintamente são todas verdadeiras, não é correto a não ser porque Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe em nós se origina dele. De onde se conclui que as nossas idéias ou noções, por serem coisas reais e oriundas de Deus em tudo em que são evidentes e distintas, só podem por isso ser verdadeiras. (DESCARTES, 2011, p. 22).





Como racionalista, Descartes estabelece a existência de Deus partindo da razão, pois só pela razão ele acredita ser possível concluir que Deus existe. (...) pois a razão não nos sugere que tudo quanto vemos ou imaginamos seja verdadeiro, mas nos sugere realmente que todas as nossas idéias ou noções devem conter algum fundamento de verdade; pois não seria possível que Deus, que é todo perfeito e verídico, as tivesse colocado em nós sem isso (DESCARTES, 2011, p. 23). Deus não criaria seres que não fossem dotados de uma razão que os fizesse crer em uma idéia perfeita como Ele. O filósofo sustenta que em si próprio não há uma idéia perfeita, ainda que seja um ser pensante. Mas que em Deus é possível se conceber uma idéia perfeita.





Pois, se eu fosse sozinho e independente de qualquer outro, de maneira que tivesse recebido, de mim próprio, todo esse pouco mediante o qual participava do Ser perfeito, poderia receber de mim, pelo mesmo motivo, todo o restante que sabia faltar-me, e ser assim eu próprio infinito, eterno, imutável, onisciente, todo-poderoso, e enfim ter todas as perfeições que podia perceber existirem em Deus. Pois, de acordo com os raciocínios que acabo de fazer, para conhecer a natureza de Deus, tanto quanto a minha o era capaz, era suficiente considerar, a respeito de todas as coisas de que encontrava em mim qualquer idéia, se era ou não perfeição possuí-las, e tinha certeza de que nenhuma das que eram marcadas por alguma imperfeição existia nele, mas que todas as outras existiam. Dessa forma, eu notava que a dúvida, a inconstância, a tristeza e coisas parecidas não podiam existir nele, porque eu mesmo apreciaria muito ser desprovido delas. (DESCARTES, 2011, p.21).

Para Descartes, negar a Deus é um erro, “Afinal de contas, eu me estendi um pouco aqui sobre o tema da alma por ele ser um dos mais importantes; pois, após o erro dos que negam Deus, que penso haver refutado suficientemente mais acima (...)” (DESCARTES, 2011, p.33).



Descartes conclui o Discurso do Método apresentando Deus como autor de seu ser, da própria alma e que Ele não é enganador, pois tal idéia seria contrária a idéia de Deus como sendo perfeito, imutável e bom. Uma idéia perfeita, vinda de seres imperfeitos só é possível se ela existir. E somente por esta idéia que culmina em Deus, é possível se pensar e organizar as idéias. Assim, o pensar humano evidencia a existência humana, que não pode vir de si mesmo, mas de um Deus perfeito que revela Sua própria existência aos seres criados por Ele.



2.2 DEUS NA OBRA CARTESIANA MEDITAÇÕES



As Meditações são a principal obra filosófica de Descartes e uma das mais importantes na história da Filosofia sendo dividida em seis meditações. A obra faz parte do conjunto de textos centrais da filosofia cartesiana, redigida no final da década de 1630 até o início de 1640, são publicadas em francês e latim, juntamente com Discurso do Método, Princípios da filosofia, Objeções de respostas e Paixões da alma. Descartes define a obra Meditações como Concernentes à primeira filosofia nas quais a existência de Deus e a distinção do real entre a alma e o corpo do homem são demonstradas. O próprio título já indica uma tendência espiritual de meditação sobre Deus, ela apresenta a ontologia cartesiana (teoria sobre diferentes seres existentes: Infinitos como Deus; pensantes finitos como pessoas; e a matéria). Contudo ele não trata diretamente destas coisas, pois para ele, não se pode ter certeza do que não se pode conhecer. Ele inicia a obra com um ceticismo, no qual a dúvida de tudo é o pressuposto, contudo seu objetivo é conhecer o que se pode ter como real, através da lógica (MARÇAL, 2009, p. 146 a 153).



Na primeira meditação, Das coisas que se podem colocar em dúvida, Descartes percebe que “recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras” (DESCARTES, 1983, p. 93), que até os sentidos o enganam. Mas sustenta que “Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo pode e por quem fui produzido tal como sou” (DESCARTES, 1983, p.95). Ele inicia declarando um conhecimento pessoal antigo de que ele sabe da existência de um Deus.



Contudo, Descartes também vai questionar se este Deus não faria com que ele enxergasse de uma maneira diferente da realidade, será que Deus desejaria que ele se enganasse? Na busca pela resposta, questiona:



Mas pode ser que Deus não tenha querido que eu seja decepcionado desta maneira, pois ele é considerado soberanamente bom. (...) Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é soberano da verdade, mas um certo um gênio maligno (...) que empregou toda sua indústria em enganar-me (...) todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade (DESCARTES, 1983, p. 95,96).



Descartes parte de uma suposição de que Deus possa ser uma fábula, e que tudo que sustentava sua crença; agora vê com a dúvida. Pensa na possibilidade de que Deus seja um gênio maligno e enganador. Mas tais questionamentos, não passam de suposições que darão continuidade ao seu pensamento nas meditações seguintes.



Na segunda Meditação, trata-se da Natureza do Espírito Humano; de como ele é mais fácil de conhecer do que o Corpo. O filósofo se dá conta de que por mais que duvidamos de tudo, uma certeza é justamente a que duvidamos, e que isto é sinal de que pensamos e existimos. Questiona se “(...) Não haverá algum Deus, ou alguma outra potência, que me ponha no espírito tais pensamentos?”. Assim, o fato dele conseguir pensar até mesmo se existe um Deus, passa a ser uma referência de que o fato de que pensa, poderia levar a razão de que existe um Deus. Assim conclui que “Eu sou, eu existo” (DESCARTES, 1983, p. 99 a 100).



O filósofo passa a questionar sobre o que seria um homem. Seria um ser racional, que entende que nada é. Ele se define como “eu sou uma coisa verdadeira existente (...) eu não sou essa reunião de membros que se chama o corpo humano; não sou um ar tênue e penetrante, disseminado por todos esses membros (...) Não sou eu próprio esse mesmo que duvida de quase tudo? (...)” (DESCARTES, 1983, p. 103). Ele entende que é um ser que pensa sobre várias coisas. E do pensamento sobre ser um ser que pensa, ele passa a tirar conclusões sobre quem o faz existir.



Na Meditação Terceira, De Deus; que Ele existe, resolve o problema que surge da possibilidade de existir um Deus que engana. Descartes parte de duas provas: A de que deve haver um ser perfeito como a idéia de Deus, e logo, esta idéia foi dada por ele; e a prova de que reflete o fato de cada um possuir uma idéia de Deus. A partir da conclusão de que é uma coisa que “duvida, que afirma, que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e que sente (...) e todas as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras” (DESCARTES, 1983, p. 107 a 108).



Assim, a idéia tão clara de Deus; só pode existir. Ele percebe que algumas idéias parecem ter nascido com ele, outras vem de fora e outras são inventadas por ele, mas que na verdade, ele ainda não descobriu a verdadeira origem. Supõe que exista uma luz, algo que imprime sua semelhança nele, que se forma nele até enquanto dorme. Entende que há algo que existe fora dele, diferente de seu ser que lhe imprime as semelhanças e que acaba parecendo que estas idéias vem de si mesmo. Finalmente ele conclui que “(...) Aquela (idéia) pela qual eu concebo um Deus soberano, eterno, infinito, imutável, onisciente, onipotente e criador universal de todas as coisas que estão fora dele; aquela digo, tem certamente em si mais realidade objetiva do que aquelas pelas quais as substâncias finitas me são representadas.” (DESCARTES, 1983, p. 109 a 111). Para o filósofo, uma idéia objetiva, não pode ter sido tirada do nada:





(...) é preciso chegar ao fim a uma primeira idéia, cuja causa seja um como padrão ou original, na qual toda a realidade ou perfeição esteja contida formalmente e em efeito, a qual só se encontre objetivamente ou por representação nessas idéias. De sorte que a luz natural me faz conhecer evidentemente que as idéias são em mim como quadros, ou imagens, que podem na verdade facilmente não conservar a perfeição das coisas de onde foram tiradas, mas que jamais podem conter algo de maior ou de mais perfeito (DESCARTES, 1983, p. 112).





É possível compreender que para Descartes, pensar em Deus é como um conceito universal, que em qualquer cultura se chega a idéia de um Deus perfeito. E que isso não vem do nada, mas da própria idéia perfeita que se manifesta ao imperfeito de sua existência. A própria luz natural que se faz conhecida, ele conclui que “há ainda algo que existe e que é a causa desta idéia” (DESCARTES, 1983, p. 113). E assim, resta tão-somente a idéia de Deus.





(...) Pelo nome de Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas. Ora, essas vantagens são tão grandes e tão eminentes que, quanto mais atentamente as considero, menos me persuado de que essa idéia possa tirar sua origem de mim tão-somente. E por conseguinte, é preciso necessariamente concluir, de tudo o que foi dito antes, que Deus existe; pois, ainda que a idéia da substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma substância, eu não teria, todavia, a idéia de uma substância infinita, eu que sou um ser finito, se ela não tivesse sido colocada em mim por alguma substância que fosse verdadeiramente infinita. (DESCARTES, 1983, p.115).





Descartes define seu pensamento a respeito de Deus como sendo uma substância perfeita e o homem uma substância imperfeita criada pelo perfeito. E que só por Ele podemos ter a idéia perfeita Dele. E depois de descartar o pensamento antigo, a idéia de Deus é o que permanece, não se trata aqui dos dogmas escolásticos, mas da idéia da existência de Deus, que para ele; permanece mesmo após ser lida a luz da razão.



Para ele, não se pode fingir que a idéia de Deus não seja real. Pois “tudo o que meu espírito concebe clara e distintamente de real e de verdadeiro, e que contém em si alguma perfeição, está contido e encerrado inteiramente nesta idéia”, ainda que não se compreenda completamente o infinito. (DESCARTES, 1983, p. 116). Sua concepção de Deus parte da idéia de que existe um ser mais perfeito do que o pensamento de imperfeito que pensa:



Mas concebo Deus atualmente infinito em tão alto grau que nada se pode acrescentar à soberana perfeição que ele possui. E, enfim, compreendo muito bem que o ser objetivo de uma idéia não pode ser produzido por um ser que existe apenas em potência (...) mas somente por um ser formal ou atual. (...) a idéia que tenho de um ser mais perfeito que o meu deva ser necessariamente ter sido colocada em mim por um ser que seja de fato mais perfeito. (DESCARTES, 1983, p. 117).





O Ser da idéia Deus é algo tão objetivo, que não pode existir só em potência, mas de forma real. E como seres humanos, somos completamente dependentes deste ser perfeito, como o próprio filósofo afirma: “Ora, se eu fosse independente de outro ser, e fosse eu próprio o autor de meu ser (...), não me faltaria perfeição alguma; pois eu (...) seria Deus.” E para Descartes, para o imperfeito existir, é necessário um perfeito como autor, pois somos somente uma coisa pensante “(...) e não deixo de conhecer que é necessário que Deus seja o autor de minha existência (...) já que sou apenas uma coisa pensante (...) não sinto nenhum poder em mim e por isso reconheço evidentemente que dependo de algum ser diferente de mim.” (DESCARTES, 1983, p. 117 a 118). Descartes sabe que não possui vocação para Deus, assim como nenhum ser humano, e que Deus é um requisito e necessidade para se existir.



A clara idéia de Deus para Descartes não poderia ser conseguida pelos sentidos, nem por uma produção própria, mas por algo concebido na existência humana, ele afirma que “(...) um ser soberanamente perfeito, isto é, Deus, é em mim, a existência de Deus está mui evidentemente demonstrada”. Ele se pergunta como adquiriu esta idéia? “não a recebi dos sentidos” e “não é também uma pura produção ou ficção de meu espírito”; “ela nasceu e foi produzida comigo desde o momento em que fui criado”. “Deus, ao me criar, haja posto em mim esta idéia para ser como a marca do operário impressa em sua obra; e não é tampouco necessário que essa marca seja algo diferente da própria obra (...) produzido à sua imagem e semelhança e que eu conceba esta semelhança.” (DESCARTES, 1983, p. 120). Para ele, Deus é um artista que imprimiu sua marca no homem, para que assumamos a semelhança com o divino. A idéia de Deus só pode ter sido criada por Deus em nós, Ele existe, é bom e não é um enganador.



Na Meditação quarta, ele trata Do verdadeiro e do falso, onde reforça seu reconhecimento de que Deus não o engana jamais e que ele próprio experimenta a capacidade de julgar, recebida de Deus e que ainda que seja “sujeito a uma infinidade de erros”, deve a Deus tudo o que possui. (DESCARTES, 1983, p. 124). Aqui introduz o conceito do livre-arbítrio, onde a graça divina concede liberdade ainda que seja para o homem errar. (DESCARTES, 1983, p. 125 a 127).



Descartes não culpa a Deus pelos erros do homem, decorrentes ao livre-arbítrio, ele afirma “(...) não tenho certamente nenhum motivo de me lastimar pelo fato de que Deus não me deu uma inteligência mais capaz, ou uma luz natural maior do que aquela que dele recebi”. Para ele isso não acusa Deus de uma imperfeição que Ele não tem, simplesmente mostra a liberdade a qual Deus concede ao homem, afirma que “não é uma imperfeição de Deus o fato de ele me haver concedido a liberdade de dar meu juízo ou de não o dar certas coisas, a cujo respeito ele não pôs um claro e distinto saber em meu entendimento; mas, sem dúvida, é em mim uma imperfeição o fato de eu não a usar corretamente e de dar temerariamente meu juízo sobre coisas que eu concebo apenas com obscuridade e confusão.” (DESCARTES, 1983, p. 128 a 129).



Para ele, Deus é perfeito e nele não há erro algum (DESCARTES, 1983, p. 130), o homem que faz escolhas e mau uso da razão concedida por Deus. Descartes inocenta Deus da culpa de sermos limitados apontando para o fato de sermos perfeitos, por sermos capazes de efetuar o porquê fomos criados. O erro para ele acontece quando nossa vontade extrapola os limites de nosso entendimento e afirma algo que não é claro e distinto.



Na quinta Meditação, escreve Da essência das coisas materiais; e, novamente, de Deus, que Ele Existe. Descartes busca reforçar a temática Deus, “(...) a existência de Deus deve apresentar-se em meu espírito ao menos como tão certa quanto considerei até agora todas as verdades das matemáticas. (...) a existência não pode ser separada da essência de Deus, tanto quanto da essência de um triângulo retilíneo não pode ser separada a grandeza de seus três ângulos iguais a dois retos (...) (DESCARTES, 1983, p. 133).



Sobre a matéria, quando afirma que “se meu pensamento não se encontrasse distraído pela presença contínua das imagens das coisas sensíveis, não haveria coisa alguma que eu conhecesse melhor nem mais facilmente do que ele.” (DESCARTES, 1983, p. 135). Assim, é possível compreender que a matéria distrai o homem da razão que o capacita a pensar; que provém de Deus.



Aqui ele reconstrói o conhecimento, usando as verdades matemáticas mostrando que elas correspondem às essências das coisas materiais, pois os corpos só existem com propriedades geométricas. E assim, surge a prova ontológica, a priori, que consiste em afirmar que a existência é própria de Deus. Assim, Deus precisa existir, pois a existência é a perfeição.



Na sexta Meditação, fala Da Existência das coisas materiais e da distinção real entre a alma e o corpo do homem. Onde afirma que tudo, qualquer experiência e os sentidos provém de Deus: “Ora, a experiência nos leva a conhecer que todos os sentidos que a natureza nos deu são tais como acabo de dizer; e, portanto, nada se encontra neles que não torne patentes o poder e a bondade de Deus, que os produziu”. E que o conhecimento é seguro pelo fato de Deus não ser enganador, quando conclui “Pois, do fato de que Deus não é enganador segue-se necessariamente que nisso não sou enganado (...) a vida do homem está sujeita a falhar muito frequentemente nas coisas particulares; e, enfim, é preciso reconhecer a imperfeição e a fraqueza de nossa natureza.” (DESCARTES, 1983, p. 149 a 150). Para Descartes o limite da razão não é Deus, que a deu; mas o próprio homem. Neste capítulo ele apresenta diversas conclusões, enfocando a distinção real entre corpo e alma, assim, admite a possibilidade da existência das coisas materiais da meditação anterior afirmando que a imaginação oferece a probabilidade de nossas idéias sensíveis, sua certeza.



De toda a obra Meditações, se conclui que Descartes rejeita o conhecimento religioso medieval, descartando todo conhecimento adquirido até então, para organizar suas idéias pela razão que o leva a crer que ele existe, pensa justamente porque foi criado por um ser perfeito. E assim, retorna a crença antiga de que Deus existe e nos deu o livre arbítrio para fazer bom uso da própria razão. Assim, Deus é aquele do qual o homem é dependente, pois o homem não pode ser o próprio Deus, pois se pensa e existe é porque um Ser perfeito o criou e imprimiu no homem uma semelhança divina, pela qual o próprio Deus se revela, tornando possível o homem pensar em Deus.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS



Após uma análise histórica do contexto ao qual o filósofo René Descartes estava inserido e de uma releitura de suas obras principais que tratam de discorrer o assunto sobre a existência de Deus; é possível obter algumas conclusões na tentativa de responder o que o filósofo realmente pensava sobre a existência de Deus.



Ao analisar a biografia do autor e o fundo histórico, social, religioso e político em que estava inserido, é possível observar que a história comprova o fato de que Descartes não tinha algum motivo que ameaçasse sua vida a ponto de escrever uma obra assumindo uma fé que não tinha; ainda que outros tivessem sidos condenados, ele poderia simplesmente não ter dito nada sobre a existência de Deus, mas optou por abordar o assunto. René Descartes foi um filósofo além de seu tempo, que se propôs a pensar em áreas nunca antes questionadas, criando o método cartesiano conhecido e aceito até os dias de hoje, inaugurando o pensamento racionalista na modernidade. Sobre sua obra Meditações, onde conclui a existência de um Deus, é possível afirmar que ela foi escrita quase uma década após a condenação de Galileu. Descartes também não escreve para eternizar as doutrinas da igreja católica, pois não cita nenhum dogma. Muito menos, parece que escreveu obrigado ou por temor a própria vida, visto que possuía diversos lugares para se refugiar devido as suas viagens e contatos. Contudo, ele descarta todo conhecimento velho para usar a razão, inclusive a religião católica, mas acaba concluindo a existência de Deus como sendo o responsável pelo pensamento da humanidade e da própria idéia divina.



Outro fator que evidencia a crença na existência de Deus em Descartes são as próprias obras cartesianas. Descartes conclui o Discurso do Método apresentando Deus como autor de seu ser, da própria alma e que Ele não é enganador, pois tal idéia seria contrária a idéia de Deus como sendo perfeito, imutável e bom. E uma idéia perfeita, vinda de seres imperfeitos só é possível se ela existir. E somente por esta idéia que culmina em Deus, é possível se pensar e organizar as idéias. Assim, o pensar humano evidencia a existência humana, que não pode vir de si mesmo, mas de um Deus perfeito que revela Sua própria existência aos seres criados por Ele. De toda a obra Meditações, se conclui que Descartes rejeita o conhecimento religioso medieval, descartando todo conhecimento adquirido até então, para organizar suas idéias pela razão que o leva a crer que ele existe e pensa, justamente porque foi criado por um ser perfeito. E assim, retorna a crença antiga de que Deus existe e nos deu o livre arbítrio para fazer bom uso da própria razão. Assim, Deus é aquele do qual o homem é dependente, pois o homem não pode ser o próprio Deus, pois se pensa e existe é porque um Ser perfeito o criou e imprimiu no homem uma semelhança divina, pela qual o próprio Deus se revela, tornando possível o homem pensar em Deus.



É possível concluir portanto, que Descartes não pretende escrever um tratado religioso para propagar a fé católica, mas simplesmente usar a razão para desenvolver seu método. E pautado nesta razão, ele conclui que existe e que pensa porque Deus o criou e imprimiu nele esta razão que duvida e que crê em Deus na medida em que o próprio Deus se revela e o homem faz bom uso de sua razão. Assim, Descartes não aponta simplesmente para a existência de Deus, mas para o homem como criação divina, para o livre-arbítrio e para a total dependência que o homem possui de Deus, onde o homem só existe por e em Deus.



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