Universidade Estadual
de Londrina - Departamento de filosofia
Texto para Seminário -
Ética e Política em Schopenhauer
Título: A afirmação da Vontade, o sofrimento e o
suicídio.
Professor: Dr. Aguinaldo Pavão
Aluno: Agustavo Caetano dos Reis
Data: 25 de março de 2021.
A
AFIRMAÇÃO DA VONTADE, O SOFRIMENTO E O SUICÍDIO
PREÂMBULO
Para que possamos iniciar de maneira um tanto quanto mais
abrangente, importa que conheçamos algumas particularidades do filósofo Arthur
Schopenhauer para entendermos as raízes do sofrimento, suas ideias sobre
suicídio, a consolidação de seu pensamento sobre ética, moral, política e sobre
a afirmação da Vontade no mundo diante do concurso das próprias experiências do
mesmo. A construção de sua obra é profunda, densa, um legítimo tratado que
mapeia o caminho que conduz à subjetividade de sua própria expressão que quer
tirar o leitor das ilusões conceituais construídas para tolher a liberdade de
conhecer e ser atuante no mundo.
Schopenhauer, nascido em Danzig (Polônia), aos 22 de
fevereiro de 1788 e falecido em Frankfurt (Alemanha), aos 21 de setembro de
1860, de certa forma foi um privilegiado desde a adolescência, tendo viajado o
mundo à custa de oferta de seu pai para aprendizado de negócios, coletou dados
sobre a dor que as pessoas sentem com a vida, o que pode tê-lo iniciado ao
sentido de pessimista. Aos 17 anos seu pai morreu talvez por suicídio (o que
nos importa no presente texto). E assim, pôde deixar de fazer uma atividade que
não gostava (negociante) e se dedicar aos estudos indo cursar medicina. Em
Berlim se doutora em filosofia, em cuja tese, entendia que para tudo no mundo
existe uma razão, todos os aspectos da realidade estão vinculados ao empírico,
ao abstrato, às verdades matemáticas e ao Eu, o que lhe proporcionou analisar
porque as coisas acontecem baseados nesses 4 princípios racionais. Ao não ter
boa avaliação pela crítica, apesar de boa nota, coleciona um rol de frustrações
acadêmicas seguidas por sua mãe que considerava sua tese um tratado
farmacológico. Teve a oportunidade de conhecer Johann Wolfgang von Goethe, uma
das mais importantes figuras da literatura alemã, bem como o orientalista
Friedrich Majer que o colocou por dentro do mundo da antiguidade indiana e o
pensamento oriental. E foi então que na casa dos 30 anos escreveu O mundo como vontade e como representação.
Depois conhece nova frustração dentro da Universidade de Berlim, junto a Hegel,
ao lecionar sobre o tema: O ensino do mundo
e o espírito humano onde obteve parcos alunos fazendo-o desistir do
intento. Então depois de mais dissabores, problemas de saúde, medo do cólera,
opta por ir para Frankfurt vivendo por 27 anos até o final da existência, ali
foi considerado o filósofo de Frankfurt, por ter se dedicado efetivamente a
escrever. Filosofava não apenas com a razão, mas também com o corpo chegando a
inspirar Nietzsche, Freud, Richard Wagner, Thomas Mann, dentre outros. Produziu
ali, outras obras, textos aforísticos que intitulou Parerga e Paralipomena com abordagem mais simples onde conseguiu
sucesso e também a obra Sobre o fundamento
da moral[1].
OBJETIVO
Assim sendo, esse breve e sucinto apanhado sobre a vida do filósofo
Arthur Schopenhauer nos coloca diante dos três livros acima referidos cujos
trechos sobre o tema Vontade, suicídio e o sofrimento serão aqui analisados.
Através do presente texto, busca-se apresentar uma parte dos
argumentos do filósofo sobre o suicídio, o sofrimento do ser humano, da atuação
da Vontade no mundo e usando o corpo como objetivação de seu agir,
reconstruindo e analisando suas argumentações nas seguintes passagens de suas
obras que se apresentam: Mundo como Vontade
e como representação-T-I; § 69; Sobre
o fundamento da moral; § 5º e 7º e
Parerga e paralipomena II; capítulo 13.
Para isso, importa ainda antes, destacar que não se pretende
colocar uma ideologia sobre a opinião de Schopenhauer no que concerne particularmente
à sua abordagem em especial sobre o suicídio, ainda mais pelo fato de se ter em
análise apenas os escritos acima elencados, que podem parecer, em um
precipitado momento, que o filósofo defenda a subtração da existência por
considerar o mundo um ambiente de sofrer e que o melhor seria não ter nascido.
Precisa-se levar em conta que o livro O mundo como vontade e como representação é uma obra vasta,
possuindo dois Tomos, sendo que o Tomo 1, ele o divide em 4 Livros: Do mundo como representação; Do mundo como Vontade; Do mundo como representação e Do mundo como Vontade, (primeiras e
segundas considerações) e que o capítulo que abordamos desse livro pertence às
segundas considerações do Livro 4.
Sabemos que em outras passagens que não estas, ele demonstra
exatamente o oposto, rejeitando o suicídio por conta de sua conexão particular
com sua metafísica, onde considera ser o suicídio um erro, mas não um crime, o
que começa a preparar o leitor para entender a distância da averiguação que ele
faz do ato em si para as questões mundanas e espirituais associadas ao
problema, até mesmo como um viés psicológico.
Para ilustrar rapidamente o que dissemos, vejamos o que o
próprio autor apresenta quando ao se pretender negar a Vontade aniquila-se
exatamente a possibilidade de negar a Vontade sendo o suicídio “um ato inútil e
insensato.” (MVR, p. 358, T-I), pois “Se o querer viver existe, ele não pode,
em sua qualidade de coisa puramente metafísica [...] ser destruído por potência
alguma (Vontade); apenas o fenômeno pode ser aniquilado em tal ponto do espaço
e do tempo” (MVR, p. 502, T-I) (Parêntese nosso).
A necessidade de
explicar a sua tônica de expressão da vida ao negar a Vontade, através do
suicídio, seria então tal atitude – matar-se - um equívoco ao destruir o corpo
que apenas é um fenômeno da Vontade e não a Vontade em si. A Vontade segue
incólume, o corpo se vai.
Schopenhauer, como veremos, demonstra alguns pontos a favor
da liberdade de se colocar fim ao sofrimento do corpo no mundo, como expressão
da Vontade. Apresenta identificações de sofrimentos; mostra o suicídio comum
por motivos outros que não o conhecer libertador; e então oferece para esse
exercício amplo de sua filosofia, a possibilidade que busca demonstrar nesses
tópicos à parte, um suicídio como caminho natural dessa mesma expressão vital.
E não como um ato egóico ou inconsciente calcado numa ilusão ou em conceitos
dogmáticos. Demonstra em outros momentos sua visão do direito e da liberdade
ética e moral de dar fim ao sofrer, sofrimento este que ilustra através da
negação da Vontade ou, por fim, de sua afirmação como um ente maior atuante
sobre a objetivação no mundo através do veículo humano; problematizações essas
que queremos apresentar com este material fazendo-nos valer de trechos escritos
em suas obras.
As arguições de Schopenhauer nos tópicos que serão
abordados, podem nos levar a entender, ou conduzirem o leitor a perceber que ele
passa a investigar que o cessar do sofrimento do corpo que se expressa no mundo
como manifestação fenomênica da Vontade, pode ter seu fim na livre escolha de
interromper a existência mediante uma ascese superior advinda do conhecimento.
Portanto, adiante serão elencados os seus pontos de vista que defendem a livre
ideia do suicídio como termo do sofrer nestes excertos.
Buscaremos detalhar cada passo argumentativo dado por
Schopenhauer evitando-se acrescentar comentários pessoais durante os mesmos,
expondo-os como diamantes brutos ao olhar do leitor.
ANÁLISE
Assim sendo, iniciamos a análise na sequência indicada
acima, partindo do § 69, na p. 504 de O
mundo como vontade e como representação - Tomo-I, que transcreveremos como
– MVR por amor à celeridade do texto.
Ao que o filósofo entende dentro de seus limites e
considerações, que negar a Vontade da vida é um ato de liberdade, mais que
isso, uma mudança transcendental a partir do instante em que se efetiva o
suicídio, suprimindo a fenomenologia individual da Vontade. Em seguida, recoloca
o acontecimento do suicídio como algo que não
nega a Vontade, mas a afirma. (Linha 6/7, §69, p. 504, T-I).
Atesta que os prazeres são repugnantes. Há insatisfação com
a vida e assim renuncia não a Vontade de viver, mas à vida. Todavia, o corpo
oferece obstáculos como exemplo, sua defesa maior: o sofrer. (Linha 8/13, §69,
p. 504, T-I).
Schopenhauer diz que a vida não é livre e está travada no
próprio esforço de se viver com os obstáculos do corpo, além da razão e em
sendo a essência de vida de tudo, está intocada pela razão, nascer e perecer
eis que à Vontade não falta o fenômeno, também não faltaria o suicídio. (Linha
13/22, §69, p. 504, T-I).
Pela certeza de a Vontade permanecer viva na fenomênica da
própria vida, teria o suicídio motivo e suporte (Linha 19/20, §69, p. 504,
T-I).
Tendo em conta que pela visão schopenhauriana na Unidade
Trimurti – hindu -, de que a vida se manifesta tanto no suicídio, como no viver
e na procriação, não seria para ele incorreto pensá-lo como uma expressão
fenomênica de vida no próprio suicídio. (Linha 22/27, §69, p. 504, T-I).
Defende que o suicídio não interfere na espécie, apenas no
indivíduo. Mas há uma ressalva discreta no citado hinduísmo que é apenas a
Unidade do Trimurti que CADA homem É por inteiro. (Grifos nossos).
(Linha 24/25, §69, p. 504, T-I).
O filósofo busca destacar para respaldar suas palavras,
através de sua concepção, que a vida é algo permanente, mas associa à vida algo
de essencial e nisso seria o sofrer. (Linha 28/30, §69, p. 504, T-I). Portanto,
voluntariamente se matar não faz diferença para a vida, seria um fenômeno
individual que não interferiria no fluxo da própria vida no mundo.
Ressalta que Maia (ilusão no hinduísmo) teria no suicídio
sua obra-prima de contradição da Vontade de viver na luta constante das forças
naturais, uma revolta contra a travação da vida, ou seja, o sofrimento. (Linha
01/11, §69, p. 505, T-I).
Para Schopenhauer, o suicida não tem como deixar de querer,
mas parar de viver ele consegue. Insiste que a Vontade se afirma justamente
tendo o corpo morto. (Linha 14/15, §69, p. 505, T-I). Reforça que a Vontade
permanece inquebrantável a partir do instante que o sofrimento se aproxima do
corpo abrindo possibilidade para a própria negação da Vontade, ao rejeitá-la (a
Vontade) ele destrói apenas o fenômeno dela que é o corpo. (Linha 21/23, §69,
p. 505, T-I).
Argumenta de forma profunda, que se houvesse um motivo moral
puro, a pessoa poderia guardar-se do suicídio, não evitando o sofrer, eis que o
sofrimento o conduziria para a supressão da Vontade de vida. (Linha 26/31, §69,
p. 505, T-I).
Dá o exemplo do pai que mata seus filhos e em seguida a si,
pelo fato de que está enredado na ilusão de que o fenômeno seja a essência e
isso o abala a ponto de querer evitar o padecimento aos filhos no futuro e a si
no agora das penúrias. (Linha 07/13, §69, p. 506, T-I). Schopenhauer sugere a
castidade como saída para se evitar esse tipo de mortandade filial, eis que a Vontade
não pode quebrar por atos de violência, apenas se quebra sua expressão fenomênica
no mundo, neste tempo. (Linha 18/21, §69, p. 505, T-I).
Defende que o CONHECIMENTO seria a única forma de se
suprimir a Vontade, pois ao aparecer livremente (a Vontade) através do fenômeno
conhece a sua essência, eis que somente à luz do caminho ofertado pela natureza
se encontra a redenção da Vontade. (Linha 22/28, §69, p. 506, T-I).
Falando da ascese como uma forma elevada de suicídio isola-a
dos fanáticos que a obscurecem, no entendimento de Schopenhauer a completa
negação da Vontade através do ascetismo (um jejum por exemplo) cessa de viver
simplesmente por deixar inteiramente de o querer. (Linha 31/34, e 2/7 §69, p.
505-6, T-I).
Compara a morte do asceta por inanição com superstição e
conclui que os dogmas tomam sua razão fazendo crer que um SER superior o ordena
o jejum fatal, mera ilusão. (Linha 07/12, §69, p. 507, T-I).
Dá parecer que se entristece ao notar que todos os diversos
relatos elencados em seu texto da página 507 atestem ser a morte por ascese um
ato de loucura. Apresenta por fim neste parágrafo um último relato buscando
nele a inserção no contexto da morte voluntária. (§69, p. 507-8, T-I). Nesse
relato consta “ter sido (o pretenso asceta suicida) impelido ao ermo pelo
espírito de Deus”. E, apesar de todos os dados coletados, em particular a
não-causa da morte, o filósofo afirma ter essa sido uma “morte voluntária”.
(Linha 05/12, §69, p. 508, T-I).
Na busca por mais detalhamentos sobre o tema estudado por Schopenhauer,
debruçamo-nos na coleta de material junto à sua obra Sobre o fundamento da moral no § 5º. Outorgaremo-nos a liberdade de
tratar esse livro por SFM para facilitar a dinâmica. Assim seguimos.
Para levar ao tema do suicídio, o filósofo aborda o dever e
afirma que o dever em relação ao indivíduo não procede por ser equiparado ao dever
de direito, onde ninguém faz nada sem o querer (p. 31, SFM). Assim quanto ao
amor, isso seria fácil, pois o amor próprio já é algo – segundo Schopenhauer –
sem obrigação de direito, mas de dever, muito pouco. Aponta seu precursor
(Immanuel Kant) para ilustrar o dever de autopreservação ligado ao amor próprio
(p. 32, SFM). Levanta a memória do medo que tira a razão para não se cometer
suicídio e reforça que um ser humano esclarecido, não animalescamente limitado
ou preso à dor espiritual de uma futura punição ou castigo do passado, tem na
natureza a liberdade de se matar, se assim o quiser. (P. 32, SFM).
Parece brincar com Kant na convicção de que reflexões não
evitam tal morte (suicídio). Menos ainda a ética.
Schopenhauer nesse § 5º, coloca três exemplos de ética ou
condutas que poderiam ser amorais ou imorais, o onanismo, pederastia e
bestialidade enquadrando-as em nichos outros que não a moral. Tudo para
desconstruir o autodever como força maior a evitar o querer do suicida. (P. 33,
SFM).
Existem ainda considerações sobre ética, moral, justiça,
caridade, abordados no § 7º de O
Fundamento da moral (pp. 67-75), onde o filósofo avalia os conceitos
formulados por Imannuel Kant em particular a “uma máxima que possas ao mesmo
tempo querer que valha para todo ser racional” onde todos possam agir segundo
ela como um verdadeiro princípio moral.
Questiona o que se pode ou não querer (p. 68, SFM),
consoante um regulamento de moral sem que haja influência do egoísmo, o que
poderia viciar a moral pelo direito do ocupante no ato de decidir pela justiça
e pela caridade (p. 69, SFM).
Insiste que o egoísmo seria o “interprete oculto” da fundamentação
do princípio supremo da moral em Kant (p. 72, SFM).
Reforça, para chegar ao tema do suicídio, a questão onde
Kant argui sobre a repartição dos deveres e deveres de direito e de virtude (p.
73, SFM), levando em conta que os Deveres de direito não pudessem sequer serem
pensados sem contradição e a de Virtude, seria impossível o querer.
E aqui enlaça o tema do suicídio para pontuar sua opinião,
com os exemplos dados por Kant, onde em “primeiro lugar, os deveres de direito,
por meio do assim chamado dever para consigo mesmo, o de não se poder dar cabo
da própria vida livremente” (p. 74, SFM). Não sendo possível, para Schopenhauer
que essa máxima seja sequer possível de pensar como Lei Universal da Natureza.
Afirma que o homem “se agarra ao suicídio logo que (...)
subjugado pelo tamanho do sofrimento”, como experiência de todos os dias mostra
contrário a proposta de Kant. Essa força é tamanha que sequer o medo da morte a
segura.
Fecha a observação lembrando que os argumentos de Kant não
foram capazes de segurar até hoje ninguém cansado da vida e é categórico ao
dizer que, “Portanto, uma lei natural que incontestavelmente existe como fato e
é ativa no dia-a-dia é explicada (...) como impossível mesmo de ser pensada sem
contradição”. (P. 74, SFM).
Ato contínuo seguimos a investigação das considerações de
Schopenhauer sobre o suicídio em Parerga
e paralipomena II; capítulo 13, onde ele nos introduz a um pensar diante de
novo ambiente, onde justiça e dogma religioso são avaliados como entraves
sofísticos para anular quaisquer tentativas de romper o sofrimento valendo-se
da liberdade de pôr fim à existência.
Logo de início o filósofo questiona o judaísmo que teria
como filosofia própria a condenação do suicídio como ato covarde ou injusto
(L.1/14, cap. 13, p. 321). Nesse meio tempo destaca a dor dos que ficam sem
herança ou com a pecha de ter um parente criminoso ao se suicidar (L.18/25,
cap. 13, p. 321 e L. 1/14 p. 322).
Schopenhauer entende que não há que imputar penas contra o
suicídio, pois o cometedor do ato já se puniu com o ato em si. (L.12/16, cap.
13, p. 322).
Cita na nota-2 da página 322 dos Parerga, Plínio e sua “morte oportuna”, ou seja, que cada um possa
se dar a si mesmo uma morte adequada.
Menciona as defesas feitas ao suicídio como uma escolha
argumentativa, não injusta ao indivíduo; compara a desgraça com a fortuna
(L1/15, cap. 13, p. 323), ação nobre e heroica entre os estóicos; hindus como
hábito cultural (L.17, cap. 13, p. 323).
Schopenhauer ainda levanta uma dúvida em Hamlet, na
certeza de ser absolutamente aniquilado na morte a elegeria a vista de
índole no mundo. (Grifo nosso) (L.1/4, cap. 13, p. 324).
Acusa a Inglaterra de ter se unido ao clero e num ato de
vergonha refutarem a obra de Hume – Essay
on suicide (L.8/22, cap. 13, p. 324).
Diz Schopenhauer nesse capítulo que a única razão contrária
ao suicídio seria moral, pelo entendimento que não há prova de substituir um
mundo de miséria por outro diferente. Mas que não concorda que isso (o
suicídio) seja um crime visto pelos eclesiásticos (L.23/29, cap. 13, p. 324).
Argumenta que o único ponto de vista elevado, ético e
superior ao suicídio é o ascetismo que o honrava (L.30/36, cap. 13, p. 324).
Levanta a hipótese de as religiões temerem o suicídio como uma denúncia contra
elas (L.1/6, cap. 13, p. 325).
Parece espantar-se com o fenômeno do corpo como Vontade de
viver (L.13/15, cap. 13, p. 325). Quando o corpo sofre nada mais importa que
não seja o restabelecimento, assim como os espirituais acima dos corporais. A
facilidade do suicídio está na pausa dessas dores (grifo nosso), pois
não há autosuperação a quem está enfermo de melancolia. (L. 19/31, cap. 13, p.
325).
Poetiza comparando a vida a um sonho que se é obrigada a
interromper por força da angústia. (L.3/4, cap. 13, p. 326).
Filosoficamente traz a ideia que o suicídio seria aceito
ainda como experimento sobre qual mudança a existência experimentaria e que
conhecimento a humanidade teria com a morte. Mas o experimentador perde a identidade
da consciência com a capacidade de ouvir a resposta. (L.5/10, cap. 13, p. 326).
OBSERVAÇÕES
É através de outros capítulos ainda em O mundo como vontade e como representação (p. 500 Tomo-I) que se
pode observar a forma como Schopenhauer tem a Vontade se afirmando no suicídio
“pela supressão mesma do fenômeno, pois ela já não pode se afirmar de outra
maneira”. Negar a Vontade que se expressa fenomenicamente no mundo tirando dela
a substância pela destruição do corpo, não a anula. O que se quer é anular o
sofrimento, eis que a Vontade seria a precursora do sofrer, por isso não há um
suicídio absoluto, ainda mais por se tratar de um ato individual e não global,
ou até mesmo universal.
Ainda temos em conta a proposta da via do ascetismo para
demonstrar que o filósofo não pretende com seus argumentos negar a Vontade, mas
afirmá-la, primeiro identificando que entende por ascetismo “propriamente
aquela aniquilação refletida do querer que se obtém pela renúncia aos prazeres
e pela busca do sofrimento”. (P. 491, MVR-T-II). Para chegarmos a “Longe de ser
uma negação da Vontade, o suicídio é uma marca de intensa afirmação da Vontade”.
(P. 499, MVR-T-II). Isso conduziria à libertação, sem injustiça religiosa ou
estatal, tampouco contrária à natureza, sem um ato de astúcia ou egoísmo
escondido no véu de uma ilusão; talvez um erro, mas não um crime.
A Vontade permaneceria inquebrantável ao instante que o
querer cesse com o suicídio cessando também o fenômeno, mas não sua afirmação
exata no ato da opção do asceta pela morte pelo corpo. Uma ação consciente
acima do querer.
ENCERRAMENTO
Percebemos da leitura “seca”, que propositadamente quisemos
trazer de trechos garimpados desses capítulos, que Schopenhauer parece querer
nos mostrar que para sermos totalmente livres precisamos entender
detalhadamente os conceitos formais de ideologias construídas por humanos com
interesses subjetivos e egoístas, criando ilusões que disseminam o medo de dano
(político, ético ou moral com sanções aos familiares) e o medo metafísico (com
os dogmas religiosos de pecado) ao não se poder ter direito sobre o próprio
querer, seja ele inclusive dar cabo da vida.
Também esclarece que matar-se por motivos outros que não
seja o conhecimento de si como expressão de uma Vontade livre, pode ser um
erro.
Dúvidas podem ser lançadas, como por exemplo estar puramente
desobstruído de uma ascese viciada por pensamentos egoístas ou ainda a
necessidade de redenção da Vontade, a partir do instante em que essa mesma
Vontade seria uma força acima do querer humano, portanto, deveria ser redimida
de quê?
Pontos que deixamos em aberto a serem melhor analisados futuramente
no oceano profundo e didático do trabalho de Arthur Schopenhauer.
Assim, encerra-se este micro apanhado sobre a visão desse filósofo
e sua contribuição para o crescimento do indivíduo, não dando por concluído o
assunto pela enorme gama de aprofundamentos que se pode continuar de seus
estudos.
Referências
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação.
Tomo I.
Tradução, apresentação, notas e
índices de Jair Barboza. 2ª ed. São Paulo. Editora
Unesp, 2015.
SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de
Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 2ª ed. São Paulo. Editora Martins Fontes.
2001.
SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga y paralipómena. Tomo II –
Traducción introducción y notas de Pilar López de Santa María. Volumen II.
Clássicos de la cultura. Madrid. Editorial Trotta S/A. 2009.
Bibliografias utilizadas
BÉZIAU, Jean-Yves. O suicídio segundo Arthur Schopenhauer.
Discurso (28), 1997: pp. 127-143.
SANTOS, Élcio José dos. Algumas considerações sobre a questão do
suicídio na filosofia de Arthur Schopenhauer. Revista Voluntas: 2º Semestre
2010. Vol. 1, Nº 2.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação.
Tomo II.
Tradução, apresentação, notas e
índices de Jair Barboza. 2ª ed. São Paulo. Editora
Unesp, 2015.