- APRESENTAÇÃO -

O objetivo deste Blog é divulgar projetos, pesquisas, trabalhos, textos que abranjam o pensamento filosofal de diversas áreas e diversos pensadores, disponibilizando-os a quem assim quiser partilhar e precisar para suas próprias investigações e pesquisas. Grato a todos que me ajudaram: Professores, Tutores e Colegas.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

CARÁTERES SCHOPENHAURIANOS DE FELICIDADE COMO POSSIBILIDADES DE RENÚNCIA AO SUICÍDIO

 CARÁTERES SCHOPENHAURIANOS DE FELICIDADE COMO POSSIBILIDADES DE RENÚNCIA AO SUICÍDIO

Autor: Agustavo Caetano dos Reis[1]

 

Resumo: Junto à obra de Arthur Schopenhauer Parerga e paralipomena, em seu Tomo I, mais precisamente no capítulo Aforismos sobre a sabedoria de vida, há no Capítulo II, intitulado Daquilo que alguém é, uma parte que é dedicada a demonstrar caminhos para a felicidade através de condições ou perfis próprios ou ainda inerentes da natureza, que proporcionam à pessoa um rasgo psicológico específico e raro que a conduz a ser feliz através da própria personalidade e escolhas sábias, tais como a manutenção da saúde, isolamento, cultura e algumas renúncias. Tais especificidades parecem indicar uma fórmula a evitar que o indivíduo ainda venha a cometer suicídio. Portanto, com base nessas premissas schopenhaurianas, pretende-se aqui explorar com o critério de identificá-las em seus caráteres e pontuar as mesmas como sendo ou não orientações capazes de se constituírem em um norte junto ao mundo representativo.

 

Palavras-chave: Schopenhauer; filosofia; felicidade; vida; suicídio

 

 

INTRODUÇÃO

Quando nos debruçamos para a leitura do Capítulo II da obra Parerga e paralipomena I[2], deparamo-nos com uma espécie de guia filosófico para o bem-viver baseado no que a pessoa tem em si mesma. Esse apanhado de estudos busca trazer a quem o investiga minuciosamente, que o importante não é necessariamente o que venha a ocorrer com alguém na sua vida, mas sim a forma como esse alguém sente esses fatos, assim o grau de suscetibilidade individual seria o que o capítulo busca expor como premissa básica: o que alguém é em si mesmo, ou melhor dizendo, a própria personalidade e a forma como ela se desenvolve, a forma como ela atua junto ao universo particular de cada um e a forma como inteligentemente se lida com ela é que contribui de pronto para a felicidade. A maneira como se inicia a avaliação dos rumos para esse bem-estar pontua por uma via clara e objetiva as variações contínuas e duradouras de consciência e os efeitos passageiros e ocasionais que incidem sobre a mesma pessoa, atos tristes ou alegres que nos chegam de fora, do exterior, são tidos com uma força menor do que os que nos acometem pelo interior e o conhecer esses meandros é fundamental para a felicidade.

Schopenhauer indica com parcimônia e clareza essas manifestações influentes do mundo exterior e nelas a configuração de como a personalidade do indivíduo pode administrar os eventuais efeitos deletérios advindos de sua interpretação subjetivamente ou como resultados que não venham a causar dano ou desconforto psicológico algum na pessoa, o que, normalmente se atribui como efeito colateral a tristeza e em casos extremos conduz ao suicídio.

 

MENS SANA IN CORPORE SANO

Valendo-se da máxima de Juvenal em sua Sát. X, 356, (Cf. PP I, Cap. II, p. 342) onde informa que mente sadia em corpo sadio é o que há de primário e o que importa para a nossa felicidade, Schopenhauer começa a tecer o tapete que protegerá o caminhar de um espinhoso trajeto que é o viver um mundo com tantas adversidades, salientando que “deveríamos estar muito mais aplicados na sua promoção [mente sã e corpo são] e conservação do que na posse de bens e honra exteriores” (PP I, Cap. II, p. 342), por se tratarem de conquistas passageiras da vontade que assim que satisfeitas geram novas necessidades a serem saciadas e com isso, uma oscilação de humores podem vir a acometer aqueles menos prevenidos intelectualmente e menos preparados fisicamente.

Em épocas onde a saúde tomou vultos diferenciados e se tornou um novo movimento mundial de prevenção e preservação da vida, do bem-estar pessoal e coletivo, Schopenhauer ilustrava já no Séc. XIX diretrizes sagazes e simples para uma mantença salutar do indivíduo. Uma doença singela que o seja, pode ser suplantada ou antes mesmo evitada, com bons cuidados básicos, mas impera a prevenção a fim de que o acometimento doentio não se aproxime de uma pessoa com hábitos saudáveis. Um reflexo do que hoje em dia se propaga como cuidados essenciais: higiene e distanciamento de locais aglomerados. Para essa predisposição é preciso saber e agir. Schopenhauer indica que a jovialidade do ânimo é uma qualidade muito boa que nos recompensa instantaneamente. A jovialidade é um atributo que nos torna imediatamente felizes – ou quando muito, alegres. E aqui as indicações necessárias para esse trilhar começa (Cf. PP-I, Cap. II, p. 342) na condução de uma mente sadia num corpo são. Uma mente em condições saudáveis não se entristece a ponto de cair em processos depressivos. Um corpo em bom funcionamento, evita mazelas externas que possam comprometer sua imunidade ou criar condições favoráveis às adversidades. O ânimo, segundo o filósofo, pressupõe-se como uma ferramenta inteligente para a condução da saúde como um todo. Afinal, como ele bem destaca,

 

Quem é alegre tem sempre razão de sê-lo, ou seja, justamente esta, a de ser alegre. Nada pode substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto essa qualidade, enquanto ela mesma não é substituível por nada. Se alguém é jovem, belo, rico e estimado, então perguntamos, caso queiramos julgar sua felicidade, se é também jovial. Se, ao contrário, ele for jovial, então é indiferente se é jovem ou velho, ereto ou corcunda, pobre ou rico: é feliz. (PP I, Cap. II, p. 342).

 

ATITUTES QUE CONDUZEM AO BEM PESSOAL

Seguindo as prerrogativas do filósofo, a pessoa que busca a felicidade, deve primeiramente saber que a busca, querer fazer bom uso do princípio de individuação – usando a seu favor tempo e espaço - e ir à cata dessa mesma felicidade. Portanto, simbolicamente abrir as portas e janelas para que a felicidade chegue é uma conduta sábia e prudente (Cf. PP I, Cap. II, p. 342). Os infortúnios existem e nos assolam a todo instante e Schopenhauer, apesar de ser visto como um filósofo pessimista, acaba nos alentando ao tocar em temas como a felicidade e indicar formas de a consegui-la. As desditas podem acarretar o insucesso e por reflexo, nossa infelicidade que por muitas vezes conduzem a pessoa a subtrair a própria existência para se livrar do estado desagradável do sofrer. Por tal, evitar-se todo o excesso e extravagância é um esforço espiritual consciente. Para tal, Schopenhauer receita: “é preciso ainda fazer, diariamente, duas horas de exercícios rápidos ao ar livre, tomar frequentemente banho frio e medidas dietéticas similares” (PP I, Cap. II, p. 343), pois “a vida consiste em movimento e nele tem sua essência”, (PP I, Cap. II, p. 343) tal como ele mesmo cita em Aristóteles (De anima, I, 2) (Cf. PP I, Cap. II, p. 343). A sedentariedade, ausência de movimento externo (físico, para fora do intelecto) é uma grande predisposição a um tumulto interno que nasce das exposições perniciosas do externo, exposições essas que são constantes, apesar de não serem permanentes. Perturbações que consoante a forma como inteligentemente ou parvamente lidamos, trazem ou subtraem a felicidade. “O que nos torna felizes ou infelizes não é o que as coisas são objetiva e realmente, mas o que são para nós” (PP I, Cap. II, p. 343 e 344) afirma Schopenhauer.

 

TEMPERAMENTOS E CARÁTERES

Como estamos conferindo, a mantença da saúde é um elemento primordial para a felicidade. Essa saúde começa na atitude mental correta e inteligente de se buscar a melhor forma pessoal de atividade e conduta própria para cada caráter e temperamento. De nada adianta um alguém buscar nadar se teme a água. Puxar pesos em academias se sua pressão arterial é baixa. Cavalgar se não tem recursos para tal. Ou seja, o que serve para um campeão não necessariamente serve para um amador. Essa observação pode ser redundante e até óbvia, mas muitas pessoas imbuídas de intenções boas, acabam se sabotando ao buscarem atividades não correlatas com seu próprio caráter ou temperamento. Schopenhauer, para evitar dissabores ou má interpretação apressada, coloca-nos sabiamente no melhor caminho da saúde adequado ao tipo individual – por isso a inteligência é importante. Dessa forma a frustração que se acomete a quem não consegue realizar as orientações de saúde acima, são evitadas. Para ilustrarmos pela mão de Schopenhauer alguns desses temperamentos e caráteres, ele pontua dois grandes tipos de humores que podem auxiliar ou atrapalhar essa jornada, pontos esses vindos de Platão, quais sejam: expressões de humor ruim e de humor bom (Cf. PP I, Cap. II, p. 345). Esses tipos de humores acometem as pessoas de suscetibilidades diferentes, que fazem com que uma se ria de um fato externo ao passo que outra chore diante do mesmo evento, tanto mais fracos ou mais desagradáveis os sejam esses fatos. Portanto, os caráteres “sombrios e angustiados, em geral terão de suportar acidentes e sofrimentos mais imaginários, mas, em contrapartida, menos reais do que aqueles suportados pelos caráteres joviais e despreocupados” (PP I, Cap. II, p. 345) ilustrando que a imaginação fértil de um caráter de humor ruim, fantasia um drama onde não o há. Eis aqui uma dica do autoassédio, uma psicosfera mental densa e pesada que acomete os débeis de opinião que por sua vez chegam a cometer o suicídio. A chave que livra dessa sina triste está em Schopenhauer: “(...) quanto maior for o bom humor e a saúde que a sustenta, tanto mais grave tem de ser o motivo que provoca o suicídio” (PP I, Cap. II, p. 346), ou seja, é preciso que muita coisa grave e terrível ocorra para arranhar o bom humor de quem se propõe ao bem viver.

 

SUICÍDIO E AS FORÇAS CONDUTORAS

Para Schopenhauer, ao que nos parece, a felicidade conduzida com humores sábios e inteligentes fazem com que o suicídio não deixe de ocorrer, mas sim seja pelo menos reduzido. No âmbito dos humores (bons e ruins) evidentemente os que são assolados por um estado de mau humor, tudo verão com grandes dificuldades e esse sofrer constante e diário ocasionados pelas pessoas más, revezes comercias, relacionamentos fracassados, incapacidades intelectuais, - ou seja, fatores externos – podem conduzir mais facilmente alguém a buscar alívio na morte. Mas o saber, ou seja, a instrução, o conhecimento, fazem com que a pessoa perceba que evitar essas suscetibilidades externas é um esforço do espírito consciente que gera uma ausência de sensações e de excitabilidades que minimizam as dores e aflições: “Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência de excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos suscetível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.” (PP I, Cap. II, p. 347), podemos entender isso como uma conduta atenta, de atenção focada que permite se desviar de comoções intensas que possam vir a desequilibrar o estado emocional de uma pessoa cujo caráter seja mais suscetível a pesares.

Ocorre um efeito colateral muito interessante dessa condição. A inteligência quanto mais intensificada é possui em si uma maior percepção sensível da própria vontade, o que resultaria numa afetação também sensível e mais elevada ainda das dores espirituais (ou mesmo físicas) (Cf. PP I, Cap. II, p. 348). Por tal, ele assevera que um dos cuidados ainda está alocado no se prevenir de “(...) todo excesso e toda extravagância, movimento de ânimo veemente e desagradável, além de todo esforço espiritual demasiado grande ou duradouro.” (PP I, Cap. II, p. 343 – grifo nosso), condutas que, como vimos acima, podem acarretar em alguém de caráter tipicamente de humor ruim estados emocionais abaláveis. O equilíbrio é um caminho centrado.

 

POSSÍVEL SOLUÇÃO AO SUICÍDIO E MANTENÇA DA FELICIDADE

Segundo o filósofo em seu texto, um ser humano inteligente saberá procurar uma existência livre de assédios exteriores que possam carrear dores e sofreres. Por tal, uma vida tranquila e serena é a opção mais acertada e assim sendo a renúncia social no caso dos grandes espíritos conduzem à solidão. Mas não uma solidão triste ou depressiva, mas uma opcional, aquela que faz com que o sábio encontre em si mesmo, numa existência simples, não miserável, o que ele tem em si mesmo como recurso para sua plena existência. Para isso ele precisa aproveitar inteligentemente o ócio (platônico) que conduz ao saber constante e não a ausência tediosa que leva ao sofrer e a constantes necessidades a serem saciadas pela vontade, tal como o simplório teria, ou ainda, uma fuga de si nas multidões após o cansaço de suas realizações constantes da vontade. Assim, “o indivíduo toma posse de seu próprio ‘eu’(...)” (PP I, Cap. II, p. 350). E mais, “Portanto, cada um deve ser e proporcionar a si mesmo o melhor e o máximo. Quanto mais for assim e, por conseguinte, mais encontrar em si mesmo as fontes de seus deleites, tanto mais será feliz.” (PP I, Cap. II, p. 351). Como enfatizado anteriormente, não se quer dizer com isso que o indivíduo precise ser pobre para ser feliz, ou ao contrário, mas o ser humano para ser feliz urge encontrar através do conhecimento a riqueza interior que atua no exterior, necessitando conscientemente do suficiente para evitar problemas e dissabores, ter seu entretenimento, sua cultura, seu amor. Não se esperando muito do externo que se sempre exige necessidades a serem realizadas, dessa forma concretiza com suficientes recursos o básico sem passar por necessidades exageradas: equilíbrio.

Muitos são assolados por seus parentescos, por seu patrimônio herdado que exige muito esforço físico, mental e espiritual para administrá-lo. Tal esforço mina as energias interiores e furta do indivíduo a força necessária para o desfrute saudável, criando até mesmo uma espécie de escravidão de suas posses. Urge que para o bem-estar tenha um bom convívio conjugal, filial, fraternal. Cansado do ciclo de saciar necessidades, não terá energia para exercícios do corpo, não terá humor para se rir nos encontros amistosos, não conseguirá se organizar para manter sua saúde através de alimentos e nutrientes adequados e quem sabe até sua higiene decaia. Um círculo vicioso que culmina em dor, doenças, sofrimentos. Chance muito grande de que no contínuo desse caminho corrompido haja um desfalecimento da vontade de vida pessoal. Schopenhauer lembra sutilmente que “(...) até o movimento interior quer ser apoiado pelo exterior.” (PP I, Cap. II, p. 343) nos levando a pensar que os humores espirituais do interior do ser humano chegam a um momento em que buscam os movimentos provindos do exterior, do mundo, para desafogar a congestão de impressões acumuladas. Algo agradável vindo da natureza, das plantas, dos animais, da pessoa amada, das obras de arte. As impressões negativas excedidas em constante corrosão interior causam o desgaste emocional que podem, por sua vez, levar à tristeza e se 9/10 de nossa felicidade depende totalmente da saúde, o alívio dessas impressões desgastantes dessa força nervosa, dessa sensibilidade se faz premente e necessário (Cf. PP I, Cap. II, p. 344).

 

CONCLUSÃO

Muito embora Schopenhauer cite Aristóteles, observando que “todos os homens eminentes e superiores são melancólicos” (PP I, Cap. II, p. 344) reforçado por Cícero “Aristóteles diz que todos os homens engenhosos são melancólicos” (PP I, Cap. II, p. 344) e ainda por Shakespeare que entende que a natureza tenha criado tipos específicos, uns risonhos e outros azedos (Cf, PP I, Cap. II, p. 344 e 345) temos que o conhecimento conduz ao saber da forma de lidar com as intempéries do viver. A inteligência nos faz tomar precauções e não nos enganar facilmente.

Veja-se aqui que o intelecto, o conhecimento e o ócio são chaves para a felicidade – resumindo-se sobremaneira o conteúdo do texto. Para se evitar o fastio e o desgosto pela vida o ser humano depende de condutas inteligentes para administrar seus humores, consoante seus caráteres. Evitar hostilidades e animosidades, cuidar de exercitar-se e preservar-se de tumultos, deixar de valorizar dramaticamente o acometimento circunstâncias. A pobreza e a simplicidade se saciam na fuga de si junto ao convívio de outros, mas isso não é exatamente sinônimo de felicidade, pois carregam consigo a sua miséria que cobra necessidades externas a serem saciadas todos os dias. Isolar-se do convívio social também é um extremo desse pêndulo. A fuga é um anestésico para essa dor incessante do espírito e por muitas vezes do corpo. Apenas com o conhecimento intelectual e espiritual se sabe lidar com a vida (com ou sem recursos financeiros). Um pobre sem intelecto (conhecimento) é duas vezes mais pobre e pode ou não ser feliz, assim sendo, a possibilidade de sofrer é maior. Um pobre com intelecto somente é pobre financeiramente e, quiçá, até mesmo por opção, pode ser muito bem feliz. Ainda assim, dessa mesma pobreza, com intelecto e conhecimento, consegue amealhar recursos para construir seu ócio por escolha, seu pequeno paraíso pessoal. Assim sendo, a escolha pelo suicídio seria reduzida ou quando muito evitada, pois o mundo (o exterior) ainda oferece coisas para a felicidade ser desfrutada em vida (no interior).

 

O homem dotado de forças intelectuais predominantes, por sua vez, é capaz e até mesmo carece de participar o mais vivamente possível das coisas pela via do puro conhecimento, sem nenhuma ingerência da vontade. Essa participação, todavia, coloca-o numa região onde a dor é essencialmente estrangeira, como que na atmosfera dos deuses de vida serena. (PP I, Cap. II, p. 355).

E mais:

 

Tal vida intelectual protege não só contra o tédio, mas também contra suas consequências perniciosas. Ela é um escudo contra a má companhia e contra os muitos perigos, infortúnios perdas e dissipações em que se tropeça quando se procura a própria felicidade apenas no mundo real”. (PP I, Cap. II, p. 357).

 

Em uma breve avaliação geral da proposta, o próprio Schopenhauer nos indica Goethe e ainda Oliver Goldsmith para nos alertar que apenas a nós mesmos compete nosso bem, nossa felicidade, onde quer que estejamos.

 

Consequentemente, vale aqui também o que Goethe expressou de modo geral (Dicht. U. Wahrh. [Poesia e verdade], v. III p. 474), a saber, que em todas as coisas cada um está entregue, em última instância, a si mesmo (PP I, Cap. II, p. 350).

 

Ou como diz Oliver Goldsmith: “Em todo lugar apenas a nós mesmos consignados, fazemos ou encontramos nossa própria felicidade.” (PP I, Cap. II, p. 350).

A felicidade ou a tristeza é a escolha entre a vida e a morte.

 

BIBLIOGRAFIA

SCHOPENHAUER, A; Parerga y Paralipómena I. Traducción de Pilar López de Santa María. Madrid: Editorial Trotta, 2009.



[1] Texto apresentado no XIII SEPECH da Universidade Estadual de Londrina-PR. Eixo 10: Vida e subjetividade nas Ciências Humanas e Letras

[2] Doravante passaremos a utilizar a abreviatura PP I para esta obra.

sábado, 14 de agosto de 2021

A AFIRMAÇÃO DA VONTADE, O SOFRIMENTO E O SUICÍDIO

Universidade Estadual de Londrina - Departamento de filosofia

Texto para Seminário - Ética e Política em Schopenhauer

Título: A afirmação da Vontade, o sofrimento e o suicídio.

Professor: Dr. Aguinaldo Pavão

Aluno: Agustavo Caetano dos Reis

Data: 25 de março de 2021.

A AFIRMAÇÃO DA VONTADE, O SOFRIMENTO E O SUICÍDIO

 

PREÂMBULO

Para que possamos iniciar de maneira um tanto quanto mais abrangente, importa que conheçamos algumas particularidades do filósofo Arthur Schopenhauer para entendermos as raízes do sofrimento, suas ideias sobre suicídio, a consolidação de seu pensamento sobre ética, moral, política e sobre a afirmação da Vontade no mundo diante do concurso das próprias experiências do mesmo. A construção de sua obra é profunda, densa, um legítimo tratado que mapeia o caminho que conduz à subjetividade de sua própria expressão que quer tirar o leitor das ilusões conceituais construídas para tolher a liberdade de conhecer e ser atuante no mundo.

Schopenhauer, nascido em Danzig (Polônia), aos 22 de fevereiro de 1788 e falecido em Frankfurt (Alemanha), aos 21 de setembro de 1860, de certa forma foi um privilegiado desde a adolescência, tendo viajado o mundo à custa de oferta de seu pai para aprendizado de negócios, coletou dados sobre a dor que as pessoas sentem com a vida, o que pode tê-lo iniciado ao sentido de pessimista. Aos 17 anos seu pai morreu talvez por suicídio (o que nos importa no presente texto). E assim, pôde deixar de fazer uma atividade que não gostava (negociante) e se dedicar aos estudos indo cursar medicina. Em Berlim se doutora em filosofia, em cuja tese, entendia que para tudo no mundo existe uma razão, todos os aspectos da realidade estão vinculados ao empírico, ao abstrato, às verdades matemáticas e ao Eu, o que lhe proporcionou analisar porque as coisas acontecem baseados nesses 4 princípios racionais. Ao não ter boa avaliação pela crítica, apesar de boa nota, coleciona um rol de frustrações acadêmicas seguidas por sua mãe que considerava sua tese um tratado farmacológico. Teve a oportunidade de conhecer Johann Wolfgang von Goethe, uma das mais importantes figuras da literatura alemã, bem como o orientalista Friedrich Majer que o colocou por dentro do mundo da antiguidade indiana e o pensamento oriental. E foi então que na casa dos 30 anos escreveu O mundo como vontade e como representação. Depois conhece nova frustração dentro da Universidade de Berlim, junto a Hegel, ao lecionar sobre o tema: O ensino do mundo e o espírito humano onde obteve parcos alunos fazendo-o desistir do intento. Então depois de mais dissabores, problemas de saúde, medo do cólera, opta por ir para Frankfurt vivendo por 27 anos até o final da existência, ali foi considerado o filósofo de Frankfurt, por ter se dedicado efetivamente a escrever. Filosofava não apenas com a razão, mas também com o corpo chegando a inspirar Nietzsche, Freud, Richard Wagner, Thomas Mann, dentre outros. Produziu ali, outras obras, textos aforísticos que intitulou Parerga e Paralipomena com abordagem mais simples onde conseguiu sucesso e também a obra Sobre o fundamento da moral[1].

 

OBJETIVO

Assim sendo, esse breve e sucinto apanhado sobre a vida do filósofo Arthur Schopenhauer nos coloca diante dos três livros acima referidos cujos trechos sobre o tema Vontade, suicídio e o sofrimento serão aqui analisados.

Através do presente texto, busca-se apresentar uma parte dos argumentos do filósofo sobre o suicídio, o sofrimento do ser humano, da atuação da Vontade no mundo e usando o corpo como objetivação de seu agir, reconstruindo e analisando suas argumentações nas seguintes passagens de suas obras que se apresentam: Mundo como Vontade e como representação-T-I; § 69; Sobre o fundamento da moral; § 5º e 7º e Parerga e paralipomena II; capítulo 13.

Para isso, importa ainda antes, destacar que não se pretende colocar uma ideologia sobre a opinião de Schopenhauer no que concerne particularmente à sua abordagem em especial sobre o suicídio, ainda mais pelo fato de se ter em análise apenas os escritos acima elencados, que podem parecer, em um precipitado momento, que o filósofo defenda a subtração da existência por considerar o mundo um ambiente de sofrer e que o melhor seria não ter nascido.

Precisa-se levar em conta que o livro O mundo como vontade e como representação é uma obra vasta, possuindo dois Tomos, sendo que o Tomo 1, ele o divide em 4 Livros: Do mundo como representação; Do mundo como Vontade; Do mundo como representação e Do mundo como Vontade, (primeiras e segundas considerações) e que o capítulo que abordamos desse livro pertence às segundas considerações do Livro 4.

Sabemos que em outras passagens que não estas, ele demonstra exatamente o oposto, rejeitando o suicídio por conta de sua conexão particular com sua metafísica, onde considera ser o suicídio um erro, mas não um crime, o que começa a preparar o leitor para entender a distância da averiguação que ele faz do ato em si para as questões mundanas e espirituais associadas ao problema, até mesmo como um viés psicológico.

Para ilustrar rapidamente o que dissemos, vejamos o que o próprio autor apresenta quando ao se pretender negar a Vontade aniquila-se exatamente a possibilidade de negar a Vontade sendo o suicídio “um ato inútil e insensato.” (MVR, p. 358, T-I), pois “Se o querer viver existe, ele não pode, em sua qualidade de coisa puramente metafísica [...] ser destruído por potência alguma (Vontade); apenas o fenômeno pode ser aniquilado em tal ponto do espaço e do tempo” (MVR, p. 502, T-I) (Parêntese nosso).

 A necessidade de explicar a sua tônica de expressão da vida ao negar a Vontade, através do suicídio, seria então tal atitude – matar-se - um equívoco ao destruir o corpo que apenas é um fenômeno da Vontade e não a Vontade em si. A Vontade segue incólume, o corpo se vai.

Schopenhauer, como veremos, demonstra alguns pontos a favor da liberdade de se colocar fim ao sofrimento do corpo no mundo, como expressão da Vontade. Apresenta identificações de sofrimentos; mostra o suicídio comum por motivos outros que não o conhecer libertador; e então oferece para esse exercício amplo de sua filosofia, a possibilidade que busca demonstrar nesses tópicos à parte, um suicídio como caminho natural dessa mesma expressão vital. E não como um ato egóico ou inconsciente calcado numa ilusão ou em conceitos dogmáticos. Demonstra em outros momentos sua visão do direito e da liberdade ética e moral de dar fim ao sofrer, sofrimento este que ilustra através da negação da Vontade ou, por fim, de sua afirmação como um ente maior atuante sobre a objetivação no mundo através do veículo humano; problematizações essas que queremos apresentar com este material fazendo-nos valer de trechos escritos em suas obras.

As arguições de Schopenhauer nos tópicos que serão abordados, podem nos levar a entender, ou conduzirem o leitor a perceber que ele passa a investigar que o cessar do sofrimento do corpo que se expressa no mundo como manifestação fenomênica da Vontade, pode ter seu fim na livre escolha de interromper a existência mediante uma ascese superior advinda do conhecimento. Portanto, adiante serão elencados os seus pontos de vista que defendem a livre ideia do suicídio como termo do sofrer nestes excertos.

Buscaremos detalhar cada passo argumentativo dado por Schopenhauer evitando-se acrescentar comentários pessoais durante os mesmos, expondo-os como diamantes brutos ao olhar do leitor.

 

ANÁLISE

Assim sendo, iniciamos a análise na sequência indicada acima, partindo do § 69, na p. 504 de O mundo como vontade e como representação - Tomo-I, que transcreveremos como – MVR por amor à celeridade do texto.

Ao que o filósofo entende dentro de seus limites e considerações, que negar a Vontade da vida é um ato de liberdade, mais que isso, uma mudança transcendental a partir do instante em que se efetiva o suicídio, suprimindo a fenomenologia individual da Vontade. Em seguida, recoloca o acontecimento do suicídio como algo que não nega a Vontade, mas a afirma. (Linha 6/7, §69, p. 504, T-I).

Atesta que os prazeres são repugnantes. Há insatisfação com a vida e assim renuncia não a Vontade de viver, mas à vida. Todavia, o corpo oferece obstáculos como exemplo, sua defesa maior: o sofrer. (Linha 8/13, §69, p. 504, T-I).

Schopenhauer diz que a vida não é livre e está travada no próprio esforço de se viver com os obstáculos do corpo, além da razão e em sendo a essência de vida de tudo, está intocada pela razão, nascer e perecer eis que à Vontade não falta o fenômeno, também não faltaria o suicídio. (Linha 13/22, §69, p. 504, T-I).

Pela certeza de a Vontade permanecer viva na fenomênica da própria vida, teria o suicídio motivo e suporte (Linha 19/20, §69, p. 504, T-I).

Tendo em conta que pela visão schopenhauriana na Unidade Trimurti – hindu -, de que a vida se manifesta tanto no suicídio, como no viver e na procriação, não seria para ele incorreto pensá-lo como uma expressão fenomênica de vida no próprio suicídio. (Linha 22/27, §69, p. 504, T-I).

Defende que o suicídio não interfere na espécie, apenas no indivíduo. Mas há uma ressalva discreta no citado hinduísmo que é apenas a Unidade do Trimurti que CADA homem É por inteiro. (Grifos nossos). (Linha 24/25, §69, p. 504, T-I).

O filósofo busca destacar para respaldar suas palavras, através de sua concepção, que a vida é algo permanente, mas associa à vida algo de essencial e nisso seria o sofrer. (Linha 28/30, §69, p. 504, T-I). Portanto, voluntariamente se matar não faz diferença para a vida, seria um fenômeno individual que não interferiria no fluxo da própria vida no mundo.

Ressalta que Maia (ilusão no hinduísmo) teria no suicídio sua obra-prima de contradição da Vontade de viver na luta constante das forças naturais, uma revolta contra a travação da vida, ou seja, o sofrimento. (Linha 01/11, §69, p. 505, T-I).

Para Schopenhauer, o suicida não tem como deixar de querer, mas parar de viver ele consegue. Insiste que a Vontade se afirma justamente tendo o corpo morto. (Linha 14/15, §69, p. 505, T-I). Reforça que a Vontade permanece inquebrantável a partir do instante que o sofrimento se aproxima do corpo abrindo possibilidade para a própria negação da Vontade, ao rejeitá-la (a Vontade) ele destrói apenas o fenômeno dela que é o corpo. (Linha 21/23, §69, p. 505, T-I).

Argumenta de forma profunda, que se houvesse um motivo moral puro, a pessoa poderia guardar-se do suicídio, não evitando o sofrer, eis que o sofrimento o conduziria para a supressão da Vontade de vida. (Linha 26/31, §69, p. 505, T-I).

Dá o exemplo do pai que mata seus filhos e em seguida a si, pelo fato de que está enredado na ilusão de que o fenômeno seja a essência e isso o abala a ponto de querer evitar o padecimento aos filhos no futuro e a si no agora das penúrias. (Linha 07/13, §69, p. 506, T-I). Schopenhauer sugere a castidade como saída para se evitar esse tipo de mortandade filial, eis que a Vontade não pode quebrar por atos de violência, apenas se quebra sua expressão fenomênica no mundo, neste tempo. (Linha 18/21, §69, p. 505, T-I).

Defende que o CONHECIMENTO seria a única forma de se suprimir a Vontade, pois ao aparecer livremente (a Vontade) através do fenômeno conhece a sua essência, eis que somente à luz do caminho ofertado pela natureza se encontra a redenção da Vontade. (Linha 22/28, §69, p. 506, T-I).

Falando da ascese como uma forma elevada de suicídio isola-a dos fanáticos que a obscurecem, no entendimento de Schopenhauer a completa negação da Vontade através do ascetismo (um jejum por exemplo) cessa de viver simplesmente por deixar inteiramente de o querer. (Linha 31/34, e 2/7 §69, p. 505-6, T-I).

Compara a morte do asceta por inanição com superstição e conclui que os dogmas tomam sua razão fazendo crer que um SER superior o ordena o jejum fatal, mera ilusão. (Linha 07/12, §69, p. 507, T-I).

Dá parecer que se entristece ao notar que todos os diversos relatos elencados em seu texto da página 507 atestem ser a morte por ascese um ato de loucura. Apresenta por fim neste parágrafo um último relato buscando nele a inserção no contexto da morte voluntária. (§69, p. 507-8, T-I). Nesse relato consta “ter sido (o pretenso asceta suicida) impelido ao ermo pelo espírito de Deus”. E, apesar de todos os dados coletados, em particular a não-causa da morte, o filósofo afirma ter essa sido uma “morte voluntária”. (Linha 05/12, §69, p. 508, T-I).

Na busca por mais detalhamentos sobre o tema estudado por Schopenhauer, debruçamo-nos na coleta de material junto à sua obra Sobre o fundamento da moral no § 5º. Outorgaremo-nos a liberdade de tratar esse livro por SFM para facilitar a dinâmica. Assim seguimos.

Para levar ao tema do suicídio, o filósofo aborda o dever e afirma que o dever em relação ao indivíduo não procede por ser equiparado ao dever de direito, onde ninguém faz nada sem o querer (p. 31, SFM). Assim quanto ao amor, isso seria fácil, pois o amor próprio já é algo – segundo Schopenhauer – sem obrigação de direito, mas de dever, muito pouco. Aponta seu precursor (Immanuel Kant) para ilustrar o dever de autopreservação ligado ao amor próprio (p. 32, SFM). Levanta a memória do medo que tira a razão para não se cometer suicídio e reforça que um ser humano esclarecido, não animalescamente limitado ou preso à dor espiritual de uma futura punição ou castigo do passado, tem na natureza a liberdade de se matar, se assim o quiser. (P. 32, SFM).

Parece brincar com Kant na convicção de que reflexões não evitam tal morte (suicídio). Menos ainda a ética.

Schopenhauer nesse § 5º, coloca três exemplos de ética ou condutas que poderiam ser amorais ou imorais, o onanismo, pederastia e bestialidade enquadrando-as em nichos outros que não a moral. Tudo para desconstruir o autodever como força maior a evitar o querer do suicida. (P. 33, SFM).

Existem ainda considerações sobre ética, moral, justiça, caridade, abordados no § 7º de O Fundamento da moral (pp. 67-75), onde o filósofo avalia os conceitos formulados por Imannuel Kant em particular a “uma máxima que possas ao mesmo tempo querer que valha para todo ser racional” onde todos possam agir segundo ela como um verdadeiro princípio moral.

Questiona o que se pode ou não querer (p. 68, SFM), consoante um regulamento de moral sem que haja influência do egoísmo, o que poderia viciar a moral pelo direito do ocupante no ato de decidir pela justiça e pela caridade (p. 69, SFM).

Insiste que o egoísmo seria o “interprete oculto” da fundamentação do princípio supremo da moral em Kant (p. 72, SFM).

Reforça, para chegar ao tema do suicídio, a questão onde Kant argui sobre a repartição dos deveres e deveres de direito e de virtude (p. 73, SFM), levando em conta que os Deveres de direito não pudessem sequer serem pensados sem contradição e a de Virtude, seria impossível o querer.

E aqui enlaça o tema do suicídio para pontuar sua opinião, com os exemplos dados por Kant, onde em “primeiro lugar, os deveres de direito, por meio do assim chamado dever para consigo mesmo, o de não se poder dar cabo da própria vida livremente” (p. 74, SFM). Não sendo possível, para Schopenhauer que essa máxima seja sequer possível de pensar como Lei Universal da Natureza.

Afirma que o homem “se agarra ao suicídio logo que (...) subjugado pelo tamanho do sofrimento”, como experiência de todos os dias mostra contrário a proposta de Kant. Essa força é tamanha que sequer o medo da morte a segura.

Fecha a observação lembrando que os argumentos de Kant não foram capazes de segurar até hoje ninguém cansado da vida e é categórico ao dizer que, “Portanto, uma lei natural que incontestavelmente existe como fato e é ativa no dia-a-dia é explicada (...) como impossível mesmo de ser pensada sem contradição”. (P. 74, SFM).

Ato contínuo seguimos a investigação das considerações de Schopenhauer sobre o suicídio em Parerga e paralipomena II; capítulo 13, onde ele nos introduz a um pensar diante de novo ambiente, onde justiça e dogma religioso são avaliados como entraves sofísticos para anular quaisquer tentativas de romper o sofrimento valendo-se da liberdade de pôr fim à existência.

Logo de início o filósofo questiona o judaísmo que teria como filosofia própria a condenação do suicídio como ato covarde ou injusto (L.1/14, cap. 13, p. 321). Nesse meio tempo destaca a dor dos que ficam sem herança ou com a pecha de ter um parente criminoso ao se suicidar (L.18/25, cap. 13, p. 321 e L. 1/14 p. 322).

Schopenhauer entende que não há que imputar penas contra o suicídio, pois o cometedor do ato já se puniu com o ato em si. (L.12/16, cap. 13, p. 322).

Cita na nota-2 da página 322 dos Parerga, Plínio e sua “morte oportuna”, ou seja, que cada um possa se dar a si mesmo uma morte adequada.

Menciona as defesas feitas ao suicídio como uma escolha argumentativa, não injusta ao indivíduo; compara a desgraça com a fortuna (L1/15, cap. 13, p. 323), ação nobre e heroica entre os estóicos; hindus como hábito cultural (L.17, cap. 13, p. 323).

Schopenhauer ainda levanta uma dúvida em Hamlet, na certeza de ser absolutamente aniquilado na morte a elegeria a vista de índole no mundo. (Grifo nosso) (L.1/4, cap. 13, p. 324).

Acusa a Inglaterra de ter se unido ao clero e num ato de vergonha refutarem a obra de Hume – Essay on suicide (L.8/22, cap. 13, p. 324).

Diz Schopenhauer nesse capítulo que a única razão contrária ao suicídio seria moral, pelo entendimento que não há prova de substituir um mundo de miséria por outro diferente. Mas que não concorda que isso (o suicídio) seja um crime visto pelos eclesiásticos (L.23/29, cap. 13, p. 324).

Argumenta que o único ponto de vista elevado, ético e superior ao suicídio é o ascetismo que o honrava (L.30/36, cap. 13, p. 324). Levanta a hipótese de as religiões temerem o suicídio como uma denúncia contra elas (L.1/6, cap. 13, p. 325).

Parece espantar-se com o fenômeno do corpo como Vontade de viver (L.13/15, cap. 13, p. 325). Quando o corpo sofre nada mais importa que não seja o restabelecimento, assim como os espirituais acima dos corporais. A facilidade do suicídio está na pausa dessas dores (grifo nosso), pois não há autosuperação a quem está enfermo de melancolia. (L. 19/31, cap. 13, p. 325).

Poetiza comparando a vida a um sonho que se é obrigada a interromper por força da angústia. (L.3/4, cap. 13, p. 326).

Filosoficamente traz a ideia que o suicídio seria aceito ainda como experimento sobre qual mudança a existência experimentaria e que conhecimento a humanidade teria com a morte. Mas o experimentador perde a identidade da consciência com a capacidade de ouvir a resposta. (L.5/10, cap. 13, p. 326).

 

OBSERVAÇÕES

É através de outros capítulos ainda em O mundo como vontade e como representação (p. 500 Tomo-I) que se pode observar a forma como Schopenhauer tem a Vontade se afirmando no suicídio “pela supressão mesma do fenômeno, pois ela já não pode se afirmar de outra maneira”. Negar a Vontade que se expressa fenomenicamente no mundo tirando dela a substância pela destruição do corpo, não a anula. O que se quer é anular o sofrimento, eis que a Vontade seria a precursora do sofrer, por isso não há um suicídio absoluto, ainda mais por se tratar de um ato individual e não global, ou até mesmo universal.

Ainda temos em conta a proposta da via do ascetismo para demonstrar que o filósofo não pretende com seus argumentos negar a Vontade, mas afirmá-la, primeiro identificando que entende por ascetismo “propriamente aquela aniquilação refletida do querer que se obtém pela renúncia aos prazeres e pela busca do sofrimento”. (P. 491, MVR-T-II). Para chegarmos a “Longe de ser uma negação da Vontade, o suicídio é uma marca de intensa afirmação da Vontade”. (P. 499, MVR-T-II). Isso conduziria à libertação, sem injustiça religiosa ou estatal, tampouco contrária à natureza, sem um ato de astúcia ou egoísmo escondido no véu de uma ilusão; talvez um erro, mas não um crime.

A Vontade permaneceria inquebrantável ao instante que o querer cesse com o suicídio cessando também o fenômeno, mas não sua afirmação exata no ato da opção do asceta pela morte pelo corpo. Uma ação consciente acima do querer.

 

ENCERRAMENTO

Percebemos da leitura “seca”, que propositadamente quisemos trazer de trechos garimpados desses capítulos, que Schopenhauer parece querer nos mostrar que para sermos totalmente livres precisamos entender detalhadamente os conceitos formais de ideologias construídas por humanos com interesses subjetivos e egoístas, criando ilusões que disseminam o medo de dano (político, ético ou moral com sanções aos familiares) e o medo metafísico (com os dogmas religiosos de pecado) ao não se poder ter direito sobre o próprio querer, seja ele inclusive dar cabo da vida.

Também esclarece que matar-se por motivos outros que não seja o conhecimento de si como expressão de uma Vontade livre, pode ser um erro.

Dúvidas podem ser lançadas, como por exemplo estar puramente desobstruído de uma ascese viciada por pensamentos egoístas ou ainda a necessidade de redenção da Vontade, a partir do instante em que essa mesma Vontade seria uma força acima do querer humano, portanto, deveria ser redimida de quê?

Pontos que deixamos em aberto a serem melhor analisados futuramente no oceano profundo e didático do trabalho de Arthur Schopenhauer.

Assim, encerra-se este micro apanhado sobre a visão desse filósofo e sua contribuição para o crescimento do indivíduo, não dando por concluído o assunto pela enorme gama de aprofundamentos que se pode continuar de seus estudos.

 

Referências

 

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tomo I.

Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barboza. 2ª ed. São Paulo. Editora

Unesp, 2015.

 

SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 2ª ed. São Paulo. Editora Martins Fontes. 2001.

 

SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga y paralipómena. Tomo II – Traducción introducción y notas de Pilar López de Santa María. Volumen II. Clássicos de la cultura. Madrid. Editorial Trotta S/A. 2009.

 

Bibliografias utilizadas

 

BÉZIAU, Jean-Yves. O suicídio segundo Arthur Schopenhauer. Discurso (28), 1997: pp. 127-143.

 

SANTOS, Élcio José dos. Algumas considerações sobre a questão do suicídio na filosofia de Arthur Schopenhauer. Revista Voluntas: 2º Semestre 2010. Vol. 1, Nº 2.

 

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tomo II.

Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barboza. 2ª ed. São Paulo. Editora

Unesp, 2015.



[1] Schopenhauer: Só a arte nos livra da dor. João Luiz Muzinatti.

 Saudações a todos.

A partir deste momento, estamos retomando nossas publicações junto a este veículo midiático para divulgar os trabalhos que atualmente estão se desenvolvendo junto aos estudos como Aluno Especial para o curso de Mestrado em Filosofia.

Com a mesma proposta anterior, solicitamos que estejam tranquilos para fazer uso dos mesmos, realizando as necessárias citações de praxe para respeitar os direitos autorais e evitar o plágio - que através de algoritmos específicos se localizam com muita facilidade.

Seguem então agora a primeira publicação pertinente ao primeiro semestre cursado.

Espero que possa ser útil a quem necessitar.

Um fraterno abraço a todos.