- APRESENTAÇÃO -

O objetivo deste Blog é divulgar projetos, pesquisas, trabalhos, textos que abranjam o pensamento filosofal de diversas áreas e diversos pensadores, disponibilizando-os a quem assim quiser partilhar e precisar para suas próprias investigações e pesquisas. Grato a todos que me ajudaram: Professores, Tutores e Colegas.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

CARÁTERES SCHOPENHAURIANOS DE FELICIDADE COMO POSSIBILIDADES DE RENÚNCIA AO SUICÍDIO

 CARÁTERES SCHOPENHAURIANOS DE FELICIDADE COMO POSSIBILIDADES DE RENÚNCIA AO SUICÍDIO

Autor: Agustavo Caetano dos Reis[1]

 

Resumo: Junto à obra de Arthur Schopenhauer Parerga e paralipomena, em seu Tomo I, mais precisamente no capítulo Aforismos sobre a sabedoria de vida, há no Capítulo II, intitulado Daquilo que alguém é, uma parte que é dedicada a demonstrar caminhos para a felicidade através de condições ou perfis próprios ou ainda inerentes da natureza, que proporcionam à pessoa um rasgo psicológico específico e raro que a conduz a ser feliz através da própria personalidade e escolhas sábias, tais como a manutenção da saúde, isolamento, cultura e algumas renúncias. Tais especificidades parecem indicar uma fórmula a evitar que o indivíduo ainda venha a cometer suicídio. Portanto, com base nessas premissas schopenhaurianas, pretende-se aqui explorar com o critério de identificá-las em seus caráteres e pontuar as mesmas como sendo ou não orientações capazes de se constituírem em um norte junto ao mundo representativo.

 

Palavras-chave: Schopenhauer; filosofia; felicidade; vida; suicídio

 

 

INTRODUÇÃO

Quando nos debruçamos para a leitura do Capítulo II da obra Parerga e paralipomena I[2], deparamo-nos com uma espécie de guia filosófico para o bem-viver baseado no que a pessoa tem em si mesma. Esse apanhado de estudos busca trazer a quem o investiga minuciosamente, que o importante não é necessariamente o que venha a ocorrer com alguém na sua vida, mas sim a forma como esse alguém sente esses fatos, assim o grau de suscetibilidade individual seria o que o capítulo busca expor como premissa básica: o que alguém é em si mesmo, ou melhor dizendo, a própria personalidade e a forma como ela se desenvolve, a forma como ela atua junto ao universo particular de cada um e a forma como inteligentemente se lida com ela é que contribui de pronto para a felicidade. A maneira como se inicia a avaliação dos rumos para esse bem-estar pontua por uma via clara e objetiva as variações contínuas e duradouras de consciência e os efeitos passageiros e ocasionais que incidem sobre a mesma pessoa, atos tristes ou alegres que nos chegam de fora, do exterior, são tidos com uma força menor do que os que nos acometem pelo interior e o conhecer esses meandros é fundamental para a felicidade.

Schopenhauer indica com parcimônia e clareza essas manifestações influentes do mundo exterior e nelas a configuração de como a personalidade do indivíduo pode administrar os eventuais efeitos deletérios advindos de sua interpretação subjetivamente ou como resultados que não venham a causar dano ou desconforto psicológico algum na pessoa, o que, normalmente se atribui como efeito colateral a tristeza e em casos extremos conduz ao suicídio.

 

MENS SANA IN CORPORE SANO

Valendo-se da máxima de Juvenal em sua Sát. X, 356, (Cf. PP I, Cap. II, p. 342) onde informa que mente sadia em corpo sadio é o que há de primário e o que importa para a nossa felicidade, Schopenhauer começa a tecer o tapete que protegerá o caminhar de um espinhoso trajeto que é o viver um mundo com tantas adversidades, salientando que “deveríamos estar muito mais aplicados na sua promoção [mente sã e corpo são] e conservação do que na posse de bens e honra exteriores” (PP I, Cap. II, p. 342), por se tratarem de conquistas passageiras da vontade que assim que satisfeitas geram novas necessidades a serem saciadas e com isso, uma oscilação de humores podem vir a acometer aqueles menos prevenidos intelectualmente e menos preparados fisicamente.

Em épocas onde a saúde tomou vultos diferenciados e se tornou um novo movimento mundial de prevenção e preservação da vida, do bem-estar pessoal e coletivo, Schopenhauer ilustrava já no Séc. XIX diretrizes sagazes e simples para uma mantença salutar do indivíduo. Uma doença singela que o seja, pode ser suplantada ou antes mesmo evitada, com bons cuidados básicos, mas impera a prevenção a fim de que o acometimento doentio não se aproxime de uma pessoa com hábitos saudáveis. Um reflexo do que hoje em dia se propaga como cuidados essenciais: higiene e distanciamento de locais aglomerados. Para essa predisposição é preciso saber e agir. Schopenhauer indica que a jovialidade do ânimo é uma qualidade muito boa que nos recompensa instantaneamente. A jovialidade é um atributo que nos torna imediatamente felizes – ou quando muito, alegres. E aqui as indicações necessárias para esse trilhar começa (Cf. PP-I, Cap. II, p. 342) na condução de uma mente sadia num corpo são. Uma mente em condições saudáveis não se entristece a ponto de cair em processos depressivos. Um corpo em bom funcionamento, evita mazelas externas que possam comprometer sua imunidade ou criar condições favoráveis às adversidades. O ânimo, segundo o filósofo, pressupõe-se como uma ferramenta inteligente para a condução da saúde como um todo. Afinal, como ele bem destaca,

 

Quem é alegre tem sempre razão de sê-lo, ou seja, justamente esta, a de ser alegre. Nada pode substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto essa qualidade, enquanto ela mesma não é substituível por nada. Se alguém é jovem, belo, rico e estimado, então perguntamos, caso queiramos julgar sua felicidade, se é também jovial. Se, ao contrário, ele for jovial, então é indiferente se é jovem ou velho, ereto ou corcunda, pobre ou rico: é feliz. (PP I, Cap. II, p. 342).

 

ATITUTES QUE CONDUZEM AO BEM PESSOAL

Seguindo as prerrogativas do filósofo, a pessoa que busca a felicidade, deve primeiramente saber que a busca, querer fazer bom uso do princípio de individuação – usando a seu favor tempo e espaço - e ir à cata dessa mesma felicidade. Portanto, simbolicamente abrir as portas e janelas para que a felicidade chegue é uma conduta sábia e prudente (Cf. PP I, Cap. II, p. 342). Os infortúnios existem e nos assolam a todo instante e Schopenhauer, apesar de ser visto como um filósofo pessimista, acaba nos alentando ao tocar em temas como a felicidade e indicar formas de a consegui-la. As desditas podem acarretar o insucesso e por reflexo, nossa infelicidade que por muitas vezes conduzem a pessoa a subtrair a própria existência para se livrar do estado desagradável do sofrer. Por tal, evitar-se todo o excesso e extravagância é um esforço espiritual consciente. Para tal, Schopenhauer receita: “é preciso ainda fazer, diariamente, duas horas de exercícios rápidos ao ar livre, tomar frequentemente banho frio e medidas dietéticas similares” (PP I, Cap. II, p. 343), pois “a vida consiste em movimento e nele tem sua essência”, (PP I, Cap. II, p. 343) tal como ele mesmo cita em Aristóteles (De anima, I, 2) (Cf. PP I, Cap. II, p. 343). A sedentariedade, ausência de movimento externo (físico, para fora do intelecto) é uma grande predisposição a um tumulto interno que nasce das exposições perniciosas do externo, exposições essas que são constantes, apesar de não serem permanentes. Perturbações que consoante a forma como inteligentemente ou parvamente lidamos, trazem ou subtraem a felicidade. “O que nos torna felizes ou infelizes não é o que as coisas são objetiva e realmente, mas o que são para nós” (PP I, Cap. II, p. 343 e 344) afirma Schopenhauer.

 

TEMPERAMENTOS E CARÁTERES

Como estamos conferindo, a mantença da saúde é um elemento primordial para a felicidade. Essa saúde começa na atitude mental correta e inteligente de se buscar a melhor forma pessoal de atividade e conduta própria para cada caráter e temperamento. De nada adianta um alguém buscar nadar se teme a água. Puxar pesos em academias se sua pressão arterial é baixa. Cavalgar se não tem recursos para tal. Ou seja, o que serve para um campeão não necessariamente serve para um amador. Essa observação pode ser redundante e até óbvia, mas muitas pessoas imbuídas de intenções boas, acabam se sabotando ao buscarem atividades não correlatas com seu próprio caráter ou temperamento. Schopenhauer, para evitar dissabores ou má interpretação apressada, coloca-nos sabiamente no melhor caminho da saúde adequado ao tipo individual – por isso a inteligência é importante. Dessa forma a frustração que se acomete a quem não consegue realizar as orientações de saúde acima, são evitadas. Para ilustrarmos pela mão de Schopenhauer alguns desses temperamentos e caráteres, ele pontua dois grandes tipos de humores que podem auxiliar ou atrapalhar essa jornada, pontos esses vindos de Platão, quais sejam: expressões de humor ruim e de humor bom (Cf. PP I, Cap. II, p. 345). Esses tipos de humores acometem as pessoas de suscetibilidades diferentes, que fazem com que uma se ria de um fato externo ao passo que outra chore diante do mesmo evento, tanto mais fracos ou mais desagradáveis os sejam esses fatos. Portanto, os caráteres “sombrios e angustiados, em geral terão de suportar acidentes e sofrimentos mais imaginários, mas, em contrapartida, menos reais do que aqueles suportados pelos caráteres joviais e despreocupados” (PP I, Cap. II, p. 345) ilustrando que a imaginação fértil de um caráter de humor ruim, fantasia um drama onde não o há. Eis aqui uma dica do autoassédio, uma psicosfera mental densa e pesada que acomete os débeis de opinião que por sua vez chegam a cometer o suicídio. A chave que livra dessa sina triste está em Schopenhauer: “(...) quanto maior for o bom humor e a saúde que a sustenta, tanto mais grave tem de ser o motivo que provoca o suicídio” (PP I, Cap. II, p. 346), ou seja, é preciso que muita coisa grave e terrível ocorra para arranhar o bom humor de quem se propõe ao bem viver.

 

SUICÍDIO E AS FORÇAS CONDUTORAS

Para Schopenhauer, ao que nos parece, a felicidade conduzida com humores sábios e inteligentes fazem com que o suicídio não deixe de ocorrer, mas sim seja pelo menos reduzido. No âmbito dos humores (bons e ruins) evidentemente os que são assolados por um estado de mau humor, tudo verão com grandes dificuldades e esse sofrer constante e diário ocasionados pelas pessoas más, revezes comercias, relacionamentos fracassados, incapacidades intelectuais, - ou seja, fatores externos – podem conduzir mais facilmente alguém a buscar alívio na morte. Mas o saber, ou seja, a instrução, o conhecimento, fazem com que a pessoa perceba que evitar essas suscetibilidades externas é um esforço do espírito consciente que gera uma ausência de sensações e de excitabilidades que minimizam as dores e aflições: “Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência de excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos suscetível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.” (PP I, Cap. II, p. 347), podemos entender isso como uma conduta atenta, de atenção focada que permite se desviar de comoções intensas que possam vir a desequilibrar o estado emocional de uma pessoa cujo caráter seja mais suscetível a pesares.

Ocorre um efeito colateral muito interessante dessa condição. A inteligência quanto mais intensificada é possui em si uma maior percepção sensível da própria vontade, o que resultaria numa afetação também sensível e mais elevada ainda das dores espirituais (ou mesmo físicas) (Cf. PP I, Cap. II, p. 348). Por tal, ele assevera que um dos cuidados ainda está alocado no se prevenir de “(...) todo excesso e toda extravagância, movimento de ânimo veemente e desagradável, além de todo esforço espiritual demasiado grande ou duradouro.” (PP I, Cap. II, p. 343 – grifo nosso), condutas que, como vimos acima, podem acarretar em alguém de caráter tipicamente de humor ruim estados emocionais abaláveis. O equilíbrio é um caminho centrado.

 

POSSÍVEL SOLUÇÃO AO SUICÍDIO E MANTENÇA DA FELICIDADE

Segundo o filósofo em seu texto, um ser humano inteligente saberá procurar uma existência livre de assédios exteriores que possam carrear dores e sofreres. Por tal, uma vida tranquila e serena é a opção mais acertada e assim sendo a renúncia social no caso dos grandes espíritos conduzem à solidão. Mas não uma solidão triste ou depressiva, mas uma opcional, aquela que faz com que o sábio encontre em si mesmo, numa existência simples, não miserável, o que ele tem em si mesmo como recurso para sua plena existência. Para isso ele precisa aproveitar inteligentemente o ócio (platônico) que conduz ao saber constante e não a ausência tediosa que leva ao sofrer e a constantes necessidades a serem saciadas pela vontade, tal como o simplório teria, ou ainda, uma fuga de si nas multidões após o cansaço de suas realizações constantes da vontade. Assim, “o indivíduo toma posse de seu próprio ‘eu’(...)” (PP I, Cap. II, p. 350). E mais, “Portanto, cada um deve ser e proporcionar a si mesmo o melhor e o máximo. Quanto mais for assim e, por conseguinte, mais encontrar em si mesmo as fontes de seus deleites, tanto mais será feliz.” (PP I, Cap. II, p. 351). Como enfatizado anteriormente, não se quer dizer com isso que o indivíduo precise ser pobre para ser feliz, ou ao contrário, mas o ser humano para ser feliz urge encontrar através do conhecimento a riqueza interior que atua no exterior, necessitando conscientemente do suficiente para evitar problemas e dissabores, ter seu entretenimento, sua cultura, seu amor. Não se esperando muito do externo que se sempre exige necessidades a serem realizadas, dessa forma concretiza com suficientes recursos o básico sem passar por necessidades exageradas: equilíbrio.

Muitos são assolados por seus parentescos, por seu patrimônio herdado que exige muito esforço físico, mental e espiritual para administrá-lo. Tal esforço mina as energias interiores e furta do indivíduo a força necessária para o desfrute saudável, criando até mesmo uma espécie de escravidão de suas posses. Urge que para o bem-estar tenha um bom convívio conjugal, filial, fraternal. Cansado do ciclo de saciar necessidades, não terá energia para exercícios do corpo, não terá humor para se rir nos encontros amistosos, não conseguirá se organizar para manter sua saúde através de alimentos e nutrientes adequados e quem sabe até sua higiene decaia. Um círculo vicioso que culmina em dor, doenças, sofrimentos. Chance muito grande de que no contínuo desse caminho corrompido haja um desfalecimento da vontade de vida pessoal. Schopenhauer lembra sutilmente que “(...) até o movimento interior quer ser apoiado pelo exterior.” (PP I, Cap. II, p. 343) nos levando a pensar que os humores espirituais do interior do ser humano chegam a um momento em que buscam os movimentos provindos do exterior, do mundo, para desafogar a congestão de impressões acumuladas. Algo agradável vindo da natureza, das plantas, dos animais, da pessoa amada, das obras de arte. As impressões negativas excedidas em constante corrosão interior causam o desgaste emocional que podem, por sua vez, levar à tristeza e se 9/10 de nossa felicidade depende totalmente da saúde, o alívio dessas impressões desgastantes dessa força nervosa, dessa sensibilidade se faz premente e necessário (Cf. PP I, Cap. II, p. 344).

 

CONCLUSÃO

Muito embora Schopenhauer cite Aristóteles, observando que “todos os homens eminentes e superiores são melancólicos” (PP I, Cap. II, p. 344) reforçado por Cícero “Aristóteles diz que todos os homens engenhosos são melancólicos” (PP I, Cap. II, p. 344) e ainda por Shakespeare que entende que a natureza tenha criado tipos específicos, uns risonhos e outros azedos (Cf, PP I, Cap. II, p. 344 e 345) temos que o conhecimento conduz ao saber da forma de lidar com as intempéries do viver. A inteligência nos faz tomar precauções e não nos enganar facilmente.

Veja-se aqui que o intelecto, o conhecimento e o ócio são chaves para a felicidade – resumindo-se sobremaneira o conteúdo do texto. Para se evitar o fastio e o desgosto pela vida o ser humano depende de condutas inteligentes para administrar seus humores, consoante seus caráteres. Evitar hostilidades e animosidades, cuidar de exercitar-se e preservar-se de tumultos, deixar de valorizar dramaticamente o acometimento circunstâncias. A pobreza e a simplicidade se saciam na fuga de si junto ao convívio de outros, mas isso não é exatamente sinônimo de felicidade, pois carregam consigo a sua miséria que cobra necessidades externas a serem saciadas todos os dias. Isolar-se do convívio social também é um extremo desse pêndulo. A fuga é um anestésico para essa dor incessante do espírito e por muitas vezes do corpo. Apenas com o conhecimento intelectual e espiritual se sabe lidar com a vida (com ou sem recursos financeiros). Um pobre sem intelecto (conhecimento) é duas vezes mais pobre e pode ou não ser feliz, assim sendo, a possibilidade de sofrer é maior. Um pobre com intelecto somente é pobre financeiramente e, quiçá, até mesmo por opção, pode ser muito bem feliz. Ainda assim, dessa mesma pobreza, com intelecto e conhecimento, consegue amealhar recursos para construir seu ócio por escolha, seu pequeno paraíso pessoal. Assim sendo, a escolha pelo suicídio seria reduzida ou quando muito evitada, pois o mundo (o exterior) ainda oferece coisas para a felicidade ser desfrutada em vida (no interior).

 

O homem dotado de forças intelectuais predominantes, por sua vez, é capaz e até mesmo carece de participar o mais vivamente possível das coisas pela via do puro conhecimento, sem nenhuma ingerência da vontade. Essa participação, todavia, coloca-o numa região onde a dor é essencialmente estrangeira, como que na atmosfera dos deuses de vida serena. (PP I, Cap. II, p. 355).

E mais:

 

Tal vida intelectual protege não só contra o tédio, mas também contra suas consequências perniciosas. Ela é um escudo contra a má companhia e contra os muitos perigos, infortúnios perdas e dissipações em que se tropeça quando se procura a própria felicidade apenas no mundo real”. (PP I, Cap. II, p. 357).

 

Em uma breve avaliação geral da proposta, o próprio Schopenhauer nos indica Goethe e ainda Oliver Goldsmith para nos alertar que apenas a nós mesmos compete nosso bem, nossa felicidade, onde quer que estejamos.

 

Consequentemente, vale aqui também o que Goethe expressou de modo geral (Dicht. U. Wahrh. [Poesia e verdade], v. III p. 474), a saber, que em todas as coisas cada um está entregue, em última instância, a si mesmo (PP I, Cap. II, p. 350).

 

Ou como diz Oliver Goldsmith: “Em todo lugar apenas a nós mesmos consignados, fazemos ou encontramos nossa própria felicidade.” (PP I, Cap. II, p. 350).

A felicidade ou a tristeza é a escolha entre a vida e a morte.

 

BIBLIOGRAFIA

SCHOPENHAUER, A; Parerga y Paralipómena I. Traducción de Pilar López de Santa María. Madrid: Editorial Trotta, 2009.



[1] Texto apresentado no XIII SEPECH da Universidade Estadual de Londrina-PR. Eixo 10: Vida e subjetividade nas Ciências Humanas e Letras

[2] Doravante passaremos a utilizar a abreviatura PP I para esta obra.

sábado, 14 de agosto de 2021

A AFIRMAÇÃO DA VONTADE, O SOFRIMENTO E O SUICÍDIO

Universidade Estadual de Londrina - Departamento de filosofia

Texto para Seminário - Ética e Política em Schopenhauer

Título: A afirmação da Vontade, o sofrimento e o suicídio.

Professor: Dr. Aguinaldo Pavão

Aluno: Agustavo Caetano dos Reis

Data: 25 de março de 2021.

A AFIRMAÇÃO DA VONTADE, O SOFRIMENTO E O SUICÍDIO

 

PREÂMBULO

Para que possamos iniciar de maneira um tanto quanto mais abrangente, importa que conheçamos algumas particularidades do filósofo Arthur Schopenhauer para entendermos as raízes do sofrimento, suas ideias sobre suicídio, a consolidação de seu pensamento sobre ética, moral, política e sobre a afirmação da Vontade no mundo diante do concurso das próprias experiências do mesmo. A construção de sua obra é profunda, densa, um legítimo tratado que mapeia o caminho que conduz à subjetividade de sua própria expressão que quer tirar o leitor das ilusões conceituais construídas para tolher a liberdade de conhecer e ser atuante no mundo.

Schopenhauer, nascido em Danzig (Polônia), aos 22 de fevereiro de 1788 e falecido em Frankfurt (Alemanha), aos 21 de setembro de 1860, de certa forma foi um privilegiado desde a adolescência, tendo viajado o mundo à custa de oferta de seu pai para aprendizado de negócios, coletou dados sobre a dor que as pessoas sentem com a vida, o que pode tê-lo iniciado ao sentido de pessimista. Aos 17 anos seu pai morreu talvez por suicídio (o que nos importa no presente texto). E assim, pôde deixar de fazer uma atividade que não gostava (negociante) e se dedicar aos estudos indo cursar medicina. Em Berlim se doutora em filosofia, em cuja tese, entendia que para tudo no mundo existe uma razão, todos os aspectos da realidade estão vinculados ao empírico, ao abstrato, às verdades matemáticas e ao Eu, o que lhe proporcionou analisar porque as coisas acontecem baseados nesses 4 princípios racionais. Ao não ter boa avaliação pela crítica, apesar de boa nota, coleciona um rol de frustrações acadêmicas seguidas por sua mãe que considerava sua tese um tratado farmacológico. Teve a oportunidade de conhecer Johann Wolfgang von Goethe, uma das mais importantes figuras da literatura alemã, bem como o orientalista Friedrich Majer que o colocou por dentro do mundo da antiguidade indiana e o pensamento oriental. E foi então que na casa dos 30 anos escreveu O mundo como vontade e como representação. Depois conhece nova frustração dentro da Universidade de Berlim, junto a Hegel, ao lecionar sobre o tema: O ensino do mundo e o espírito humano onde obteve parcos alunos fazendo-o desistir do intento. Então depois de mais dissabores, problemas de saúde, medo do cólera, opta por ir para Frankfurt vivendo por 27 anos até o final da existência, ali foi considerado o filósofo de Frankfurt, por ter se dedicado efetivamente a escrever. Filosofava não apenas com a razão, mas também com o corpo chegando a inspirar Nietzsche, Freud, Richard Wagner, Thomas Mann, dentre outros. Produziu ali, outras obras, textos aforísticos que intitulou Parerga e Paralipomena com abordagem mais simples onde conseguiu sucesso e também a obra Sobre o fundamento da moral[1].

 

OBJETIVO

Assim sendo, esse breve e sucinto apanhado sobre a vida do filósofo Arthur Schopenhauer nos coloca diante dos três livros acima referidos cujos trechos sobre o tema Vontade, suicídio e o sofrimento serão aqui analisados.

Através do presente texto, busca-se apresentar uma parte dos argumentos do filósofo sobre o suicídio, o sofrimento do ser humano, da atuação da Vontade no mundo e usando o corpo como objetivação de seu agir, reconstruindo e analisando suas argumentações nas seguintes passagens de suas obras que se apresentam: Mundo como Vontade e como representação-T-I; § 69; Sobre o fundamento da moral; § 5º e 7º e Parerga e paralipomena II; capítulo 13.

Para isso, importa ainda antes, destacar que não se pretende colocar uma ideologia sobre a opinião de Schopenhauer no que concerne particularmente à sua abordagem em especial sobre o suicídio, ainda mais pelo fato de se ter em análise apenas os escritos acima elencados, que podem parecer, em um precipitado momento, que o filósofo defenda a subtração da existência por considerar o mundo um ambiente de sofrer e que o melhor seria não ter nascido.

Precisa-se levar em conta que o livro O mundo como vontade e como representação é uma obra vasta, possuindo dois Tomos, sendo que o Tomo 1, ele o divide em 4 Livros: Do mundo como representação; Do mundo como Vontade; Do mundo como representação e Do mundo como Vontade, (primeiras e segundas considerações) e que o capítulo que abordamos desse livro pertence às segundas considerações do Livro 4.

Sabemos que em outras passagens que não estas, ele demonstra exatamente o oposto, rejeitando o suicídio por conta de sua conexão particular com sua metafísica, onde considera ser o suicídio um erro, mas não um crime, o que começa a preparar o leitor para entender a distância da averiguação que ele faz do ato em si para as questões mundanas e espirituais associadas ao problema, até mesmo como um viés psicológico.

Para ilustrar rapidamente o que dissemos, vejamos o que o próprio autor apresenta quando ao se pretender negar a Vontade aniquila-se exatamente a possibilidade de negar a Vontade sendo o suicídio “um ato inútil e insensato.” (MVR, p. 358, T-I), pois “Se o querer viver existe, ele não pode, em sua qualidade de coisa puramente metafísica [...] ser destruído por potência alguma (Vontade); apenas o fenômeno pode ser aniquilado em tal ponto do espaço e do tempo” (MVR, p. 502, T-I) (Parêntese nosso).

 A necessidade de explicar a sua tônica de expressão da vida ao negar a Vontade, através do suicídio, seria então tal atitude – matar-se - um equívoco ao destruir o corpo que apenas é um fenômeno da Vontade e não a Vontade em si. A Vontade segue incólume, o corpo se vai.

Schopenhauer, como veremos, demonstra alguns pontos a favor da liberdade de se colocar fim ao sofrimento do corpo no mundo, como expressão da Vontade. Apresenta identificações de sofrimentos; mostra o suicídio comum por motivos outros que não o conhecer libertador; e então oferece para esse exercício amplo de sua filosofia, a possibilidade que busca demonstrar nesses tópicos à parte, um suicídio como caminho natural dessa mesma expressão vital. E não como um ato egóico ou inconsciente calcado numa ilusão ou em conceitos dogmáticos. Demonstra em outros momentos sua visão do direito e da liberdade ética e moral de dar fim ao sofrer, sofrimento este que ilustra através da negação da Vontade ou, por fim, de sua afirmação como um ente maior atuante sobre a objetivação no mundo através do veículo humano; problematizações essas que queremos apresentar com este material fazendo-nos valer de trechos escritos em suas obras.

As arguições de Schopenhauer nos tópicos que serão abordados, podem nos levar a entender, ou conduzirem o leitor a perceber que ele passa a investigar que o cessar do sofrimento do corpo que se expressa no mundo como manifestação fenomênica da Vontade, pode ter seu fim na livre escolha de interromper a existência mediante uma ascese superior advinda do conhecimento. Portanto, adiante serão elencados os seus pontos de vista que defendem a livre ideia do suicídio como termo do sofrer nestes excertos.

Buscaremos detalhar cada passo argumentativo dado por Schopenhauer evitando-se acrescentar comentários pessoais durante os mesmos, expondo-os como diamantes brutos ao olhar do leitor.

 

ANÁLISE

Assim sendo, iniciamos a análise na sequência indicada acima, partindo do § 69, na p. 504 de O mundo como vontade e como representação - Tomo-I, que transcreveremos como – MVR por amor à celeridade do texto.

Ao que o filósofo entende dentro de seus limites e considerações, que negar a Vontade da vida é um ato de liberdade, mais que isso, uma mudança transcendental a partir do instante em que se efetiva o suicídio, suprimindo a fenomenologia individual da Vontade. Em seguida, recoloca o acontecimento do suicídio como algo que não nega a Vontade, mas a afirma. (Linha 6/7, §69, p. 504, T-I).

Atesta que os prazeres são repugnantes. Há insatisfação com a vida e assim renuncia não a Vontade de viver, mas à vida. Todavia, o corpo oferece obstáculos como exemplo, sua defesa maior: o sofrer. (Linha 8/13, §69, p. 504, T-I).

Schopenhauer diz que a vida não é livre e está travada no próprio esforço de se viver com os obstáculos do corpo, além da razão e em sendo a essência de vida de tudo, está intocada pela razão, nascer e perecer eis que à Vontade não falta o fenômeno, também não faltaria o suicídio. (Linha 13/22, §69, p. 504, T-I).

Pela certeza de a Vontade permanecer viva na fenomênica da própria vida, teria o suicídio motivo e suporte (Linha 19/20, §69, p. 504, T-I).

Tendo em conta que pela visão schopenhauriana na Unidade Trimurti – hindu -, de que a vida se manifesta tanto no suicídio, como no viver e na procriação, não seria para ele incorreto pensá-lo como uma expressão fenomênica de vida no próprio suicídio. (Linha 22/27, §69, p. 504, T-I).

Defende que o suicídio não interfere na espécie, apenas no indivíduo. Mas há uma ressalva discreta no citado hinduísmo que é apenas a Unidade do Trimurti que CADA homem É por inteiro. (Grifos nossos). (Linha 24/25, §69, p. 504, T-I).

O filósofo busca destacar para respaldar suas palavras, através de sua concepção, que a vida é algo permanente, mas associa à vida algo de essencial e nisso seria o sofrer. (Linha 28/30, §69, p. 504, T-I). Portanto, voluntariamente se matar não faz diferença para a vida, seria um fenômeno individual que não interferiria no fluxo da própria vida no mundo.

Ressalta que Maia (ilusão no hinduísmo) teria no suicídio sua obra-prima de contradição da Vontade de viver na luta constante das forças naturais, uma revolta contra a travação da vida, ou seja, o sofrimento. (Linha 01/11, §69, p. 505, T-I).

Para Schopenhauer, o suicida não tem como deixar de querer, mas parar de viver ele consegue. Insiste que a Vontade se afirma justamente tendo o corpo morto. (Linha 14/15, §69, p. 505, T-I). Reforça que a Vontade permanece inquebrantável a partir do instante que o sofrimento se aproxima do corpo abrindo possibilidade para a própria negação da Vontade, ao rejeitá-la (a Vontade) ele destrói apenas o fenômeno dela que é o corpo. (Linha 21/23, §69, p. 505, T-I).

Argumenta de forma profunda, que se houvesse um motivo moral puro, a pessoa poderia guardar-se do suicídio, não evitando o sofrer, eis que o sofrimento o conduziria para a supressão da Vontade de vida. (Linha 26/31, §69, p. 505, T-I).

Dá o exemplo do pai que mata seus filhos e em seguida a si, pelo fato de que está enredado na ilusão de que o fenômeno seja a essência e isso o abala a ponto de querer evitar o padecimento aos filhos no futuro e a si no agora das penúrias. (Linha 07/13, §69, p. 506, T-I). Schopenhauer sugere a castidade como saída para se evitar esse tipo de mortandade filial, eis que a Vontade não pode quebrar por atos de violência, apenas se quebra sua expressão fenomênica no mundo, neste tempo. (Linha 18/21, §69, p. 505, T-I).

Defende que o CONHECIMENTO seria a única forma de se suprimir a Vontade, pois ao aparecer livremente (a Vontade) através do fenômeno conhece a sua essência, eis que somente à luz do caminho ofertado pela natureza se encontra a redenção da Vontade. (Linha 22/28, §69, p. 506, T-I).

Falando da ascese como uma forma elevada de suicídio isola-a dos fanáticos que a obscurecem, no entendimento de Schopenhauer a completa negação da Vontade através do ascetismo (um jejum por exemplo) cessa de viver simplesmente por deixar inteiramente de o querer. (Linha 31/34, e 2/7 §69, p. 505-6, T-I).

Compara a morte do asceta por inanição com superstição e conclui que os dogmas tomam sua razão fazendo crer que um SER superior o ordena o jejum fatal, mera ilusão. (Linha 07/12, §69, p. 507, T-I).

Dá parecer que se entristece ao notar que todos os diversos relatos elencados em seu texto da página 507 atestem ser a morte por ascese um ato de loucura. Apresenta por fim neste parágrafo um último relato buscando nele a inserção no contexto da morte voluntária. (§69, p. 507-8, T-I). Nesse relato consta “ter sido (o pretenso asceta suicida) impelido ao ermo pelo espírito de Deus”. E, apesar de todos os dados coletados, em particular a não-causa da morte, o filósofo afirma ter essa sido uma “morte voluntária”. (Linha 05/12, §69, p. 508, T-I).

Na busca por mais detalhamentos sobre o tema estudado por Schopenhauer, debruçamo-nos na coleta de material junto à sua obra Sobre o fundamento da moral no § 5º. Outorgaremo-nos a liberdade de tratar esse livro por SFM para facilitar a dinâmica. Assim seguimos.

Para levar ao tema do suicídio, o filósofo aborda o dever e afirma que o dever em relação ao indivíduo não procede por ser equiparado ao dever de direito, onde ninguém faz nada sem o querer (p. 31, SFM). Assim quanto ao amor, isso seria fácil, pois o amor próprio já é algo – segundo Schopenhauer – sem obrigação de direito, mas de dever, muito pouco. Aponta seu precursor (Immanuel Kant) para ilustrar o dever de autopreservação ligado ao amor próprio (p. 32, SFM). Levanta a memória do medo que tira a razão para não se cometer suicídio e reforça que um ser humano esclarecido, não animalescamente limitado ou preso à dor espiritual de uma futura punição ou castigo do passado, tem na natureza a liberdade de se matar, se assim o quiser. (P. 32, SFM).

Parece brincar com Kant na convicção de que reflexões não evitam tal morte (suicídio). Menos ainda a ética.

Schopenhauer nesse § 5º, coloca três exemplos de ética ou condutas que poderiam ser amorais ou imorais, o onanismo, pederastia e bestialidade enquadrando-as em nichos outros que não a moral. Tudo para desconstruir o autodever como força maior a evitar o querer do suicida. (P. 33, SFM).

Existem ainda considerações sobre ética, moral, justiça, caridade, abordados no § 7º de O Fundamento da moral (pp. 67-75), onde o filósofo avalia os conceitos formulados por Imannuel Kant em particular a “uma máxima que possas ao mesmo tempo querer que valha para todo ser racional” onde todos possam agir segundo ela como um verdadeiro princípio moral.

Questiona o que se pode ou não querer (p. 68, SFM), consoante um regulamento de moral sem que haja influência do egoísmo, o que poderia viciar a moral pelo direito do ocupante no ato de decidir pela justiça e pela caridade (p. 69, SFM).

Insiste que o egoísmo seria o “interprete oculto” da fundamentação do princípio supremo da moral em Kant (p. 72, SFM).

Reforça, para chegar ao tema do suicídio, a questão onde Kant argui sobre a repartição dos deveres e deveres de direito e de virtude (p. 73, SFM), levando em conta que os Deveres de direito não pudessem sequer serem pensados sem contradição e a de Virtude, seria impossível o querer.

E aqui enlaça o tema do suicídio para pontuar sua opinião, com os exemplos dados por Kant, onde em “primeiro lugar, os deveres de direito, por meio do assim chamado dever para consigo mesmo, o de não se poder dar cabo da própria vida livremente” (p. 74, SFM). Não sendo possível, para Schopenhauer que essa máxima seja sequer possível de pensar como Lei Universal da Natureza.

Afirma que o homem “se agarra ao suicídio logo que (...) subjugado pelo tamanho do sofrimento”, como experiência de todos os dias mostra contrário a proposta de Kant. Essa força é tamanha que sequer o medo da morte a segura.

Fecha a observação lembrando que os argumentos de Kant não foram capazes de segurar até hoje ninguém cansado da vida e é categórico ao dizer que, “Portanto, uma lei natural que incontestavelmente existe como fato e é ativa no dia-a-dia é explicada (...) como impossível mesmo de ser pensada sem contradição”. (P. 74, SFM).

Ato contínuo seguimos a investigação das considerações de Schopenhauer sobre o suicídio em Parerga e paralipomena II; capítulo 13, onde ele nos introduz a um pensar diante de novo ambiente, onde justiça e dogma religioso são avaliados como entraves sofísticos para anular quaisquer tentativas de romper o sofrimento valendo-se da liberdade de pôr fim à existência.

Logo de início o filósofo questiona o judaísmo que teria como filosofia própria a condenação do suicídio como ato covarde ou injusto (L.1/14, cap. 13, p. 321). Nesse meio tempo destaca a dor dos que ficam sem herança ou com a pecha de ter um parente criminoso ao se suicidar (L.18/25, cap. 13, p. 321 e L. 1/14 p. 322).

Schopenhauer entende que não há que imputar penas contra o suicídio, pois o cometedor do ato já se puniu com o ato em si. (L.12/16, cap. 13, p. 322).

Cita na nota-2 da página 322 dos Parerga, Plínio e sua “morte oportuna”, ou seja, que cada um possa se dar a si mesmo uma morte adequada.

Menciona as defesas feitas ao suicídio como uma escolha argumentativa, não injusta ao indivíduo; compara a desgraça com a fortuna (L1/15, cap. 13, p. 323), ação nobre e heroica entre os estóicos; hindus como hábito cultural (L.17, cap. 13, p. 323).

Schopenhauer ainda levanta uma dúvida em Hamlet, na certeza de ser absolutamente aniquilado na morte a elegeria a vista de índole no mundo. (Grifo nosso) (L.1/4, cap. 13, p. 324).

Acusa a Inglaterra de ter se unido ao clero e num ato de vergonha refutarem a obra de Hume – Essay on suicide (L.8/22, cap. 13, p. 324).

Diz Schopenhauer nesse capítulo que a única razão contrária ao suicídio seria moral, pelo entendimento que não há prova de substituir um mundo de miséria por outro diferente. Mas que não concorda que isso (o suicídio) seja um crime visto pelos eclesiásticos (L.23/29, cap. 13, p. 324).

Argumenta que o único ponto de vista elevado, ético e superior ao suicídio é o ascetismo que o honrava (L.30/36, cap. 13, p. 324). Levanta a hipótese de as religiões temerem o suicídio como uma denúncia contra elas (L.1/6, cap. 13, p. 325).

Parece espantar-se com o fenômeno do corpo como Vontade de viver (L.13/15, cap. 13, p. 325). Quando o corpo sofre nada mais importa que não seja o restabelecimento, assim como os espirituais acima dos corporais. A facilidade do suicídio está na pausa dessas dores (grifo nosso), pois não há autosuperação a quem está enfermo de melancolia. (L. 19/31, cap. 13, p. 325).

Poetiza comparando a vida a um sonho que se é obrigada a interromper por força da angústia. (L.3/4, cap. 13, p. 326).

Filosoficamente traz a ideia que o suicídio seria aceito ainda como experimento sobre qual mudança a existência experimentaria e que conhecimento a humanidade teria com a morte. Mas o experimentador perde a identidade da consciência com a capacidade de ouvir a resposta. (L.5/10, cap. 13, p. 326).

 

OBSERVAÇÕES

É através de outros capítulos ainda em O mundo como vontade e como representação (p. 500 Tomo-I) que se pode observar a forma como Schopenhauer tem a Vontade se afirmando no suicídio “pela supressão mesma do fenômeno, pois ela já não pode se afirmar de outra maneira”. Negar a Vontade que se expressa fenomenicamente no mundo tirando dela a substância pela destruição do corpo, não a anula. O que se quer é anular o sofrimento, eis que a Vontade seria a precursora do sofrer, por isso não há um suicídio absoluto, ainda mais por se tratar de um ato individual e não global, ou até mesmo universal.

Ainda temos em conta a proposta da via do ascetismo para demonstrar que o filósofo não pretende com seus argumentos negar a Vontade, mas afirmá-la, primeiro identificando que entende por ascetismo “propriamente aquela aniquilação refletida do querer que se obtém pela renúncia aos prazeres e pela busca do sofrimento”. (P. 491, MVR-T-II). Para chegarmos a “Longe de ser uma negação da Vontade, o suicídio é uma marca de intensa afirmação da Vontade”. (P. 499, MVR-T-II). Isso conduziria à libertação, sem injustiça religiosa ou estatal, tampouco contrária à natureza, sem um ato de astúcia ou egoísmo escondido no véu de uma ilusão; talvez um erro, mas não um crime.

A Vontade permaneceria inquebrantável ao instante que o querer cesse com o suicídio cessando também o fenômeno, mas não sua afirmação exata no ato da opção do asceta pela morte pelo corpo. Uma ação consciente acima do querer.

 

ENCERRAMENTO

Percebemos da leitura “seca”, que propositadamente quisemos trazer de trechos garimpados desses capítulos, que Schopenhauer parece querer nos mostrar que para sermos totalmente livres precisamos entender detalhadamente os conceitos formais de ideologias construídas por humanos com interesses subjetivos e egoístas, criando ilusões que disseminam o medo de dano (político, ético ou moral com sanções aos familiares) e o medo metafísico (com os dogmas religiosos de pecado) ao não se poder ter direito sobre o próprio querer, seja ele inclusive dar cabo da vida.

Também esclarece que matar-se por motivos outros que não seja o conhecimento de si como expressão de uma Vontade livre, pode ser um erro.

Dúvidas podem ser lançadas, como por exemplo estar puramente desobstruído de uma ascese viciada por pensamentos egoístas ou ainda a necessidade de redenção da Vontade, a partir do instante em que essa mesma Vontade seria uma força acima do querer humano, portanto, deveria ser redimida de quê?

Pontos que deixamos em aberto a serem melhor analisados futuramente no oceano profundo e didático do trabalho de Arthur Schopenhauer.

Assim, encerra-se este micro apanhado sobre a visão desse filósofo e sua contribuição para o crescimento do indivíduo, não dando por concluído o assunto pela enorme gama de aprofundamentos que se pode continuar de seus estudos.

 

Referências

 

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tomo I.

Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barboza. 2ª ed. São Paulo. Editora

Unesp, 2015.

 

SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. 2ª ed. São Paulo. Editora Martins Fontes. 2001.

 

SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga y paralipómena. Tomo II – Traducción introducción y notas de Pilar López de Santa María. Volumen II. Clássicos de la cultura. Madrid. Editorial Trotta S/A. 2009.

 

Bibliografias utilizadas

 

BÉZIAU, Jean-Yves. O suicídio segundo Arthur Schopenhauer. Discurso (28), 1997: pp. 127-143.

 

SANTOS, Élcio José dos. Algumas considerações sobre a questão do suicídio na filosofia de Arthur Schopenhauer. Revista Voluntas: 2º Semestre 2010. Vol. 1, Nº 2.

 

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tomo II.

Tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barboza. 2ª ed. São Paulo. Editora

Unesp, 2015.



[1] Schopenhauer: Só a arte nos livra da dor. João Luiz Muzinatti.

 Saudações a todos.

A partir deste momento, estamos retomando nossas publicações junto a este veículo midiático para divulgar os trabalhos que atualmente estão se desenvolvendo junto aos estudos como Aluno Especial para o curso de Mestrado em Filosofia.

Com a mesma proposta anterior, solicitamos que estejam tranquilos para fazer uso dos mesmos, realizando as necessárias citações de praxe para respeitar os direitos autorais e evitar o plágio - que através de algoritmos específicos se localizam com muita facilidade.

Seguem então agora a primeira publicação pertinente ao primeiro semestre cursado.

Espero que possa ser útil a quem necessitar.

Um fraterno abraço a todos.

 

sexta-feira, 25 de maio de 2012

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA ORIENTAL PARA CULTIVO DA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DE LIBERDADE

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

CAMPUS EAD LONDRINA - PR

Faculdade de Humanidades e Direito

Filosofia - Licenciatura

AGUSTAVO CAETANO DOS REIS


AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA ORIENTAL PARA CULTIVO DA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DE LIBERDADE


LONDRINA - 2011

AGUSTAVO CAETANO DOS REIS


AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA ORIENTAL PARA CULTIVO DA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DE LIBERDADE


Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao Curso de Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo – Campus EAD - Faculdade de Humanidades e Direito, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Filosofia.



Orientador: Prof. Msc. Wesley Adriano Martins Dourado



LONDRINA - 2011

AGUSTAVO CAETANO DOS REIS


AS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA ORIENTAL PARA CULTIVO DA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DE LIBERDADE


Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, aprovado, apresentado ao Curso de Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo – Campus EAD - Faculdade de Humanidades e Direito - FAHUD, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Filosofia, com nota final ______, conferida pelo Orientador:


______________________________________

Prof. Msc. Wesley Adriano Martins Dourado

Universidade Metodista de São Paulo UMESP.


Londrina,___de__________ de 2011.


"O corpo faz a ética, melhor, o corpo é o lugar da ética.”

Danilo Di Manno de Almeida







“Merece ser um Professor o homem que descobre o novo ao refrescar na sua mente aquilo que ele já conhece.”

Confúcio



REIS, Agustavo Caetano dos. As contribuições da filosofia oriental para cultivo da experiência educativa de liberdade. 2011. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (Licenciatura em Filosofia) – Universidade Metodista de São Paulo – Campos EAD – Faculdade de Humanidades e Direito, Polo Londrina, 2011. Matrícula Nº 161062.





RESUMO



A busca incansável da Filosofia pela felicidade, pela liberdade, e, nos dias atuais, pela melhor pedagogia é mote inspirador para a abertura das pesquisas neste trabalho. Ao expandirmos nossa visão filosófica para os pensamentos orientais e toda sua gama de princípios sobre a existência do cosmos, do homem, do sofrimento humano, da mente, da energia, do corpo humano e muito mais, estamos instigando a busca pelo consolidar de uma filosofia que não se fecha a um único pensamento, seja oriental, ocidental ou de onde vier, mas uma abordagem filosófica consciente e útil voltada para o crescimento pessoal e coletivo.

Com essa ideia em mente, encontramos um nicho na Filosofia Oriental dentro da Arte Marcial e seu perfil não somente de conduta ética, moral e de saúde – física e mental – que podem colaborar e muito contribuir no experimento educacional brasileiro.

Propomos a semente de um questionar amplo que se debruce sobre a educação, onde possamos explorar a Filosofia Oriental sem tabus, incluindo a Arte Marcial do Kung Fu em interdisciplinaridade com a Educação Física e Filosofia, na ânsia e expectativa de construir de forma livre um cidadão cônscio de seus deveres e de seus direitos, dentro do âmbito em que vive, uma pessoa que saiba divisar em seu amplo horizonte suas possibilidades de avanço e desenvolvimento e que se sinta segura física e mentalmente para buscá-lo, explorá-lo e partilhá-lo sabendo que não está sozinho e que o corpo e sua afetividade com o outro são fundamentais para o convívio coletivo.

A ideia central da inclusão da Arte Marcial em união com a Filosofia é exatamente a de mente sã em corpo são. Essa mesma ideia pode ser entendida como uma afirmação de que somente um corpo são pode produzir ou sustentar uma mente sã, expressando o conceito de um equilíbrio saudável no modo de vida de uma pessoa, não apenas do educando.

Mantendo um corpo saudável numa mente saudável conquistamos mais, aprendemos mais, podemos ter mais consciência de escolha com as ofertas que o ensino, que a educação pode nos apresentar.

Formar seria mais que “moldar” caracteres, seria explorar os ângulos que a educação oferta e, dessa feita, permitir que o aluno tenha ciência de suas capacidades, de sua liberdade e do respeito que ela outorga nesse cenário complexo que é a vida em sociedade.


Palavras-chave: educação, interdisciplinaridade, liberdade, marcialidade, ocidente, oriente.





SUMÁRIO



1 INTRODUÇÃO 6

2 A ARTE MARCIAL E A FILOSOFIA 11

2.1 PREÂMBULO 11

2.2 FILOSOFIA, ARTE MARCIAL E LIBERDADE 12

2.3 A FILOSOFIA DA NÃO-VIOLÊNCIA 15

3 UMA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL AMPLA ENTRE SAÚDE FÍSICA, MENTAL E SOCIAL 18

3.1 JEET KUNE DO – ALÉM DA ARTE MARCIAL, UMA FILOSOFIA DE VIDA 18

3.2 RELAÇÃO ENTRE ARTE MARCIAL, FILOSOFIA E SAÚDE EDUCACIONAL... 20

4 A EDUCAÇÃO COMO ORIENTADORA DE CARACTERES AUTÔNOMOS NA MARCIALIDADE 26

4.1 LUTAR: BUSCA FILOSOFAL. BRIGAR: VIOLÊNCIA IGNÓBIL 26

4.2 A SÁBIA CONDUÇÃO AO CAMINHO SÁBIO 28

4.3 FILOSOFIA FUNCIONAL 32

4.4 FLUIDEZ E FLEXIBILIDADE PARA O CORPO E O ESPÍRITO 34

5 DIVISAS E FRONTEIRAS 37

5.1 LIBERDADE E INDIVÍDUO 37

5.2 A LIBERDADE DO CORPO E DA MENTE 40

5.3 “MENS SANA IN CORPORE SANO” 43

6 NOVAS RELAÇÕES 48

6.1 UMA FILOSOFIA PARA UM NOVO SÉCULO 48

6.2 LIBERDADE PARA SOMAR 51

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

8 REFERÊNCIAS 56



1 INTRODUÇÃO

Quando se trata de Filosofia, temos em mente questionamentos, esses questionamentos atravessam o ser humano culminando em dúvidas que nos alavancam para procedimentos epistêmicos que podem conduzir a alvos mais seguros no trilhar dessas mesmas investigações. Talvez possibilidades para respostas. Dentre tantos questionamentos de ordem filosófica, indagamos também se estaríamos correndo o risco de criarmos uma acirrada polêmica ou de sermos condenados por nossas inovações pelos Aristófanes de plantão, tal como um Eurípedes por suas obras que faziam a plateia refletir, ao apresentamos uma vertente distinta baseada em toda uma série de ensinamentos investigados e estudados durante o curso de graduação de Filosofia. Ainda não temos certeza. Mas vamos nos propor a apresentar exatamente em prol da liberdade filosófica que tanto nos foi ministrada no curso.

Avaliando no decorrer do curso de graduação em Filosofia e nas oportunidades em sala de aula, bem como em atividades complementares, estudos de documentários pertinentes e ainda na prática de estágio, foi possível observar que a educação – ou o sistema de instrução atual – utilizados no Brasil, poderiam valer-se de instrumentos mais, que nos parecem, engrandeceriam em muito a possibilidade de uma instrução/educação voltada para o indivíduo como ser pleno, livre e íntegro. Plenitude essa no que tange a maior possibilidade de locupletação não apenas didática, mas também física, da pessoa com a farta gama de estudos à sua (nossa) disposição.

Em algumas oportunidades, pudemos observar que alunos e professores, em sua grande maioria, cumprem rotina escolar; não possuem um vínculo afetivo que propicie uma aproximação emocional ou no mínimo solidária, mútua, útil ao aprofundamento da qualidade educacional. Essa impossibilidade, pelo que se pôde observar, estaria centrada no desvinculamento das disciplinas e de suas propostas isoladas de ministrá-las em sala de aula. Portanto, o cultivo da interdisciplinaridade se apresentará no decorrer do texto.

A impressão que se tem é a de que o aluno gradua-se, mas não se forma. A sua qualidade cultural, seu acervo pessoal de instrução culmina por limitar-se a um superesforço posterior em se autocomplementar academicamente, premido pela necessidade de uma sociedade que espera um cidadão de bem, produtivo e cordato. Essa situação tem os dois lados da moeda: de um, o próprio aluno que não tem estímulo para se valorizar; de outro, o do Professor que não tem mais estímulo para estimular.

Seria possível manter acesa a chama da paixão pelo aprender e pelo ato de ensinar? Seria utópico imaginar uma possibilidade simples de flexionar o ensino em uma simbiose acadêmica crescente e prazerosa que faria brotar no aluno, em seu núcleo familiar e, por conseguinte na sociedade, um novo perfil de cidadão livre, autônomo, saudável, seguro de si?

Uma das possibilidades que se vislumbra é a de fortalecer as raízes da Filosofia tonificando os pensamentos do Oriente com o Ocidente, convertendo em efetiva e sólida conexão o que de melhor ambos mananciais podem ofertar dentro de suas amplas possibilidades.

Outra questão importante que eventualmente pode ser erguida, e que vamos de pronto refutar é de que não estamos em hipótese alguma, reduzindo tudo o que a Filosofia Oriental tem para ofertar, unicamente em um de seus segmentos, que seria única e somente a Arte Marcial. Isso seria mutilar um pensamento em detrimento de um contexto maior.

Parecerá estranha, numa primeira instância, essa proposta como premonitoramos; mas daremos fôlego ao estudo e à sua apresentação, pois ela está intimamente relacionada com a Experiência Educativa de Liberdade.

Atreladas às relações afetivas ou relações de modo geral, tal como Merleau-Ponty e Paulo Freire defendiam a busca pela educação mais adequada possível , procura-se aqui demonstrar um sucinto panorama da possibilidade de uma prática educativa distinta e aberta no atual contexto educacional, onde uma dicotomia entre Filosofia Oriental e Ocidental parece insistir em permanecer sobre limites fronteiriços. Poderia haver a possibilidade de se responder a questão de que medida a experiência concreta, ou seja, a coragem para se levar adiante uma proposta inovadora – mas não de todo inédita - deve estar na atitude da nossa educação e ainda como gerir uma proposta de mente sã em corpo são vinculados a uma Filosofia que liberta, na prática, na ação e suas contribuições para o cultivo dessa experiência.

A mente sã nos conduz a questionarmos como anda a saúde da nossa educação formal, ou melhor, a instrução que os alunos contemporâneos estão desenvolvendo efetivamente de útil para seu crescimento pessoal e social dentro de um contexto político e financeiro que se volta para os recursos internacionais em detrimento do ensino que em tese deixa a desejar, por mais esforços que os Professores, seus paladinos, empreguem. A mente sã nos faz repensar que as relações afetivas podem ser mais do que um simples contato, mas o carinho, a atenção que se pode direcionar ao aluno e seu conteúdo de aprendizado. Uma mente sã é uma mente saudável, entendemos por isso, como uma pessoa de amplo conhecimento objetivo; capaz de, se não compreender a fundo determinado assunto, ter plenas condições de investigá-lo para inteirar-se do mesmo, ampliando, dessa forma, seu potencial humano.

Corpo são nos faz trilhar o caminho da experiência educativa através da possibilidade ímpar de reger a instrução vinculada à condição salutar (organicamente falando) de um indivíduo que passa da postura sedentária do banco escolar para somar a condição ativa e vibrante de atividades físicas direcionadas e voltadas à conjuntura complementar da educação escolar como um todo. Fazer exercícios físicos nos conduz à ação, retirando-nos de um estado de inércia, que pode ser, perigosamente, a separação da mente do corpo.

Entendemos que a mente atua em conjunto com o corpo, e não de forma dividida em um conceito de apenas dois componentes, opostos em algum aspecto. Partilhamos da premissa de que um corpo sadio oferece estrutura e condições básicas para que a mente possa também encontrar sua saúde intelectual. Por tal, mente sã em corpo são faria então parte de um único veículo, um único ser, completo, pleno. Esse veículo único, sem sombra de dúvidas, seria o próprio ser humano, um ser humano mais próximo da perfeição possível. Seria sonharmos em ter o famoso herói grego, aproximando-nos de uma areté .

Esse fenômeno sugere o que possa ser então uma experiência educativa que privilegie não só a afetividade do fazer educativo, mas o aluno como pessoa, como ser, como um fator multiplicador de valores e o Professor como um amigo que orienta.

Muito embora ainda um exercício teórico em si mesmo, este material busca germinar a ideia de algumas possibilidades concretas e reais, que entendemos serem factíveis, quais sejam: a unificação interdisciplinar entre Filosofia e outras disciplinas da área de ciências humanas, mas, tendo como cerne nuclear e essencial a proposta do rompimento de eventuais fronteiras que viriam a separar a Filosofia Oriental da Ocidental, rompimento este que possibilitaria um avanço para o ser humano ao ampliar seu leque de horizontes de aprendizado educacional e cultural.

Somando-se a essa ampla possibilidade – interdisciplinaridade e união de ciências filosofais – podemos nos valer ainda de um reflexo educacional que poderá ser ainda mais eficiente se inserido nessa experiência educativa de liberdade de ação, qual seja, a práxis da Arte Marcial que avistamos como um forte elo de tônus entre a Filosofia Oriental e Ocidental e a interdisciplinaridade das matérias, em especial a de Educação Física, - visto ser esta a área que trata efetivamente das atividades físicas na escola – e que consolidaria a proposta do cultivo dessa experiência educativa de liberdade.

Alguém poderia indagar com propriedade: “Como a Arte Marcial que é em tese uma luta, pode ser integrada ao estudo da Filosofia?” Ou ainda: “O que a Educação Física tem a ver com essa interdisciplinaridade entre filosofias que se propõe?” “Onde o tema educação e liberdade se concatenam a tudo isso?” Para sermos breves e sintéticos nesta apresentação intróita: A Arte Marcial nos parece servir como luvas dentro do pensamento filosofal oriental; em primeiro lugar, a Arte Marcial tem sua origem no Oriente e em segundo lugar a Arte Marcial está atrelada a condutas positivas de vida para o indivíduo que a pratica; seu procedimento, seu modo de ver a vida da pessoa como um todo, com integralidade, com saúde é fomento distinto do que estamos habituados a encontrar no meio estudantil; igualmente, esse meio de expressá-la dentro do estabelecimento escolar não nos parece distante, eis que a Educação Física é exatamente a área que aproxima o aluno do movimento, da ação, da liberdade de podermos nos valer de todos os tipos de cultura e recursos, não só financeiros, mas culturais, para aprendermos – indo além de nos exercitar plenamente, mas também a propiciar novos pensamentos – e, finalmente, encontraremos nesse bojo a ação para colocarmos o corpo em movimento exercitando-o dentro de uma perspectiva inteligente num devir amplo e completo como se procurará demonstrar.

Para isso iremos nos sustentar em valores de seres humanos que tentaram demonstrar que a Filosofia, como se quer defender, pode colaborar ainda mais para o engrandecimento das práticas de ensino, filósofos que defendem a liberdade como legenda da própria Filosofia. Dentre eles temos Platão; o filósofo e artista marcial Bruce Lee, e outros ainda atuantes nessa área como veremos; temos pensadores contemporâneos da área teológica, como Arcângelo Raimundo Buzzi, faremos uso da lógica racional do porte de Ludwig Wittgenstein, René Descartes, Immanuel Kant; sobre as possibilidades do ser construído por Martin Heidegger, visto sob os estudos de Benedito Nunes; buscaremos o apoio junto ao pensamento leve e objetivo de Marilena Chauí; buscaremos nos sustentar em alicerces oferecidos por ciências sociais esmiuçadas por Professores do quilate de Wesley Mariano Martins Dourado, Daniel Pansarelli, e Suze de Oliveira Piza dentre outros estudados.

É partindo da tão propalada premissa da Filosofia como manancial da liberdade, que se procura sugerir esse experimento educacional ao conhecimento dentro do corpo/mente/mundo.



2 A ARTE MARCIAL E A FILOSOFIA

2.1 PREÂMBULO

Para que possamos logo neste primeiro aporte sanar a forte tendência natural que todo bom investigador filosófico possui de questionar, abordaremos de pronto a pedra fundamental da inserção da proposta, qual seja, o que efetivamente tem a contribuir a Arte Marcial com a Filosofia e a Educação?

Buscando sermos concretos em nossa pretensão, impera que apresentemos a partir deste momento alguns dos pontos que fazem com que a opção pela Arte Marcial em si seja um dos cernes deste estudo e, para isso, realizamos ainda uma pesquisa sobre a área em questão e aferimos que – dentre outras, tais como a própria Capoeira de nosso país – a Arte Marcial que se destacou foi exatamente o Kung Fu (e todas suas variantes) e, como especialista inconteste destacou-se também Lee Jun Fan, o sinoamericano mais conhecido pelo nome de Bruce Lee – graduado em Filosofia pela Universidade de Washington, no campus de Seattle - EUA, onde defendeu tese em Hegel.

Justificamos sua escolha com certa ênfase, dentre outros que se localizam no correr do texto, por ter em seu currículo estudos filosofais do Oriente e do Ocidente e ainda mais a prática e exercício profundo de Kung Fu; diante do fato de acumular exatamente os atributos que buscamos para nosso trabalho – por sinal condição tida como rara em função de nossas pesquisas -, consideramos que ele se encaixa perfeitamente para essa parte da defesa.

Embrenhemo-nos um pouco mais nesse ponto chave para elucidar gradativamente os assuntos preponderantes destes argumentos.

Importa ressaltar que os reconhecidos autores estudados e investigados servem tão somente para fundamentar e alicerçar as bases que irão construir o pensamento desta proposta de experimento educacional, e que, muito embora partilhemos de muitos de seus pensamentos filosofais, o que naturalmente fez com que os escolhêssemos para contribuir nos rumos que se seguirão, não nos outorga o direito de tomar partido apologético em prol deste ou daquele e muito menos contra. A ênfase que damos é única e exclusivamente pedagógica para ressaltar suas formas de avaliar o assunto que se aborda e que se encaixam plenamente com o que procuramos defender com afã, tal como encontramos também em Merleau-Ponty, Paulo Freire, Marilena Chauí e correlatos em suas respectivas áreas.

Assim sendo, voltamos primeiramente nossa atenção para a Arte Marcial, pois queremos iniciar a estrutura de nosso raciocínio que será costurada pela mesma e assim sucessivamente, abordando a Filosofia e a Experiência Educativa de Liberdade, com seus respectivos aportes num crescente filosófico.

2.2 FILOSOFIA, ARTE MARCIAL E LIBERDADE

Dito isto, em nossas investigações, percebemos que ser, para Bruce Lee, é estar relacionado. Sua própria filosofia de vida era eclética, muitas vezes espelhando suas crenças nas lutas, o que poderia confundir os menos desavisados, pois ele mesmo afirmou que suas artes marciais eram apenas uma metáfora para ensinamentos mais profundos. Acreditava que qualquer conhecimento pode conduzir ao autoconhecimento, e que seu método escolhido foi a autoexpressão através das artes marciais. O que acabou se tornando renomadamente conhecido em todo o mundo.

Essa “autoexpressão”, esse “relacionado”, seria então um contato profundo de ligações entre corpo e mente de forma heterogênica onde equilíbrio (físico e mental) se agrega com a flexibilidade (também física e mental) adquiridos com uma educação livre de paradigmas dogmáticos.

Arrisquemos aqui um paralelo entre Lee e o filósofo francês Merleau-Ponty no que concerne ao fato de que ambos mantinham-se perplexos, assombrados com o mundo, buscavam ansiosamente reaprender e a absorver as ressignificações do mesmo. Ambos não admitiam o cristalizar do devir o cessar do movimento, da ação, do fenômeno da vida, de um contato mais íntimo com o corpo que também se expressa; essa implicação de que ainda há coisas para se ver e se aprender encaixa-se perfeitamente com a perspectiva de uma nova experiência filosofal dentro do núcleo escolar – que lugar melhor?

Entendemos que a Filosofia não deve se prender a métodos para ser livre. Bruce Lee dizia que o seu Jeet Kune Do não era uma técnica, pois a partir do momento que se convertia em uma técnica, deixava de ser livre. Dentro de uma filosofia marcial, se observarmos a palavra adversário como uma figura de estilo para a palavra problema, veremos que existe uma informação subliminar em sua filosofia de vida que vai além da luta em si, do contato brutal. Suas palavras quando estudadas fazem sorrir aos que as percebem, via de regra, a “percepção direta” que entre os gregos é a intuição. Substituindo a palavra intuição por outra, compreensão, podemos encontrar um significado maior: liberdade, pois se intuição é a percepção direta do real, essa percepção imediata que nos conduz ao verdadeiro só pode nos libertar e essa liberdade tão aventada pode-se conseguir através da compreensão, do entendimento que liberta da opressão do estado ignorante.

Lee, ao falar de Arte Marcial entendia ser imprescindível que se tornasse livre de todas as técnicas e todos os conceitos para que se pudesse alcançar um estado de liberação externa e interna, que integra o ser como um indivíduo pleno, ou corpo e mente trabalhando em uníssono. Buscava constantemente expor esse pensar em sua conduta de vida. Trouxe diversas inclusões de diversas áreas para seu próprio aperfeiçoamento marcial, o que implicou em romper barreiras e limites: “A liberdade da conformidade de estilos”, dizia (LEE, 2007, p. 135). E quanto às práticas dos exercícios rigorosos e criteriosos, tinha também uma visão particular: “Para se libertar, observe com atenção o que você normalmente pratica. Não condene nem aprove, apenas observe” (LEE, 2007, p. 134). Maciez oriunda de onde menos se espera: uma luta, esta a filosofia por trás da marcialidade e que observaremos com maior nitidez satisfatória no desenrolar dos tópicos.

O autor do livro O inesquecível Bruce Lee, José Augusto Maciel Torres, em uma entrevista conseguida com o lutador de Artes Marciais Dan Inosanto destaca que Inosanto sempre está aberto a novas possibilidades nas artes marciais, e que fora abordado por André Lima – o entrevistador – quando realizava uma série de treinamentos em Savate, uma espécie de boxe de estilo francês. Segundo Inosanto, “[...] não existe idade limite para se aprender e não é vergonha nenhuma um grande mestre de qualquer arte marcial aprender com um professor de outro estilo.” (TORRES, 2005, p. 94). Mais um fator preponderante em favor da liberdade para aprofundarmos os estudos da Filosofia Ocidental e Oriental junto à Arte Marcial, a isenção da vergonha que limita ou do orgulho que rouba a dignidade e a amplitude de acesso etário.

Partilhamos da compreensão de que sendo livres, a Filosofia e a Arte Marcial, se adicionadas à educação formal, - em especial à Educação Física - podem proporcionar a liberdade tão aventada nas grandes obras filosofais magnânimas da humanidade. E é válido que essa liberdade comece com a quebra de tabus entre eventuais véus limitantes que possam a conceituar.

Observemos ainda mais de perto a gama das possibilidades intrínsecas de uma exploração de maior amplitude da Filosofia Oriental com Ocidental, e consequentemente, da inclusão da Arte Marcial no quadro escolar como algo importante na formação do educando, ao depararmos com a definição que a pensadora Marilena Chauí desenvolve em seu livro Convite à filosofia, quando nos fala das origens da Filosofia, se grega ou oriental:

Retirados os exageros do orientalismo, percebe-se que, de fato, a Filosofia tem dívidas com a sabedoria dos orientais, não só porque as viagens colocaram os gregos em contato com os conhecimentos produzidos por outros povos (sobretudo os egípcios, persas, babilônios, assírios e caldeus), mas também porque os dois maiores formadores da cultura grega antiga, os poetas Homero e Hesíodo, encontraram nos mitos e nas religiões dos povos orientais, bem como nas culturas que precederam a grega, os elementos para elaborar a mitologia grega, que, depois, seria transformada racionalmente pelos filósofos. Assim, os estudos recentes mostraram que mitos, cultos religiosos, instrumentos musicais, dança, música, poesia, utensílios domésticos e de trabalho, formas de habitação, formas de parentesco e formas de organização tribal dos gregos foram resultado de contatos profundos com as culturas mais avançadas do Oriente e com a herança deixada pelas culturas que antecederam a grega, nas regiões onde ela se implantou (CHAUÍ, 1999, p. 27).



Assim sendo, motivos não nos faltam para mantermos os rumos da soberania de “nossa” Filosofia Latinoamericana ao ampliarmos nossos horizontes pensantes subsidiando-a em sua posição de acesso como uma Filosofia globalizada consolidando pensares e aproveitando o que serve e está à nossa disposição intelectual para a gestação e parição de um ser humano mais próximo de sua plenitude. Plenitude esta, mesmo que utópica, mas que se volta afetivamente para um ser humano ontologicamente apto, capaz; habilidades estas abrangentes ao físico e à mente.



2.3 A FILOSOFIA DA NÃO-VIOLÊNCIA

É de se esperar que os críticos de plantão aleguem que a Arte Marcial na escola só aumentaria, ou ainda, somente geraria violência, como os próprios filmes de ação que foram estrelados por Bruce Lee.

Cabe salientar e rememorar que o próprio Lee teve uma infância complicada em aspectos de violência. Ingressou em gangue e com isso estava sempre envolto com brigas a ponto de chegar a ter envolvimento com a polícia local. É notório também que por tais motivos seus pais o enviaram para Seattle, nos Estados Unidos, com apenas U$100,00 no bolso. E é aqui que o cenário recebe um novo tom. Foi depois de se aprofundar nos conhecimentos filosóficos Ocidentais e Orientais tais como o Budismo, o Zen, o Tao, o pensamento de Jiddu Krishnamurti, Confúcio, Espinosa, Hegel, dentre outros que ele percebeu a profundidade que efetivamente era a Arte Marcial. Arte Marcial era a não-luta externa, mas a luta interna para o controle pessoal e o aperfeiçoamento da pessoa como um todo. E a esta altura, temos então a tão propalada mente sã em corpo são na prática efetiva.

Para corroborar essas palavras, emprestamos as de sua esposa, Linda Lee Cadwell, quando revela, no prefácio do trabalho de seu esposo, Aforismos:

Seus estudos de filosofia na faculdade foram o trampolim para o que se tornaria uma vida inteira de estudo sobre os maiores pensadores do mundo. Ele não se limitou a nenhuma época cultural ou filosófica específica. Em vez disso, reuniu e estudou avidamente centenas de livros de todos os tipos de filosofia – ocidental, oriental, antiga e moderna – numa tentativa de sintetizar os princípios que contribuíram para o seu próprio crescimento espiritual (CADWELL apud LEE, Prefácio, 2007).



Um dos mais destacados estudiosos da vida e da obra, de seus métodos, treinamentos e da filosofia de Bruce Lee, John Little, na introdução do livro Aforismos também deixa seu parecer a fim de consolidar a Filosofia como maior arma na vida de Lee:

Para Lee, a filosofia não era um parque de diversão de acadêmicos, mas a passagem para a maior aventura do espírito humano. Para ele, a filosofia iluminava a fronteira das possibilidades humanas e eliminava as sombras da dúvida e da insegurança. [...] ele falava também de algo mais profundo – os atributos comuns a todos os seres humanos e a remoção das barreiras artificiais à verdadeira fraternidade, como nacionalidades, etnias e estruturas de classe, para que os homens pudessem viver juntos e em paz como iguais e independentes. (LITTLE, apud LEE, Introdução, 2007).



Uma curiosidade relevante para autenticar este tópico é que a descendência de sua Arte Marcial provém do estilo Wing Chun originalmente elaborado por uma mulher. Particularmente pela monja Ng Mui, que o ensinou à Yim Wing Chun, as técnicas adequadas à sua realidade física, esta, por sua vez o aperfeiçoou derrotando diversos outros adversários homens, inclusive seu próprio esposo, um exímio lutador, que lhe pediu para que fosse iniciado na técnica e, em sua homenagem, deu o nome da própria esposa à mesma. Essa técnica foi transmitida de gerações em gerações, até chegar ao mestre Yip Man, mentor de Bruce Lee. (TORRES, 2005).

Portanto, para assombro de todos, o Jeet Kune Do de Lee, nada mais é do que uma Arte Marcial, construída totalmente com bases em uma defesa física elaborada exatamente para pessoas de porte frágil. Assim sendo, como alguém com um profundo senso de liberdade e igualdade social, humana, como Lee poderia ser julgado unicamente pelo que buscou demonstrar nas telas do cinema? Seria pensar pequeno e imaginar que somente a violência – tema para vendagem ou talvez um anzol psicológico de produtores cinematográficos para atrair públicos – fosse analisada em sua obra cinematográfica. Pois em todo seu trabalho a filosofia o atravessa, a luta pela igualdade das raças se sobressai, a justiça e a busca pela harmonia são almejadas, abolir corrupção, desonestidade, falta de honra, traição é o que se pretende demonstrar. A violência é utilizada somente em última instância, mas ainda assim por vezes a consequência é a justiça civil atuando de forma equivocada, mas atuando, punindo a violência com violência e por vezes com a própria morte.

Muito embora sua produção literária tenha sido pequena, - a exemplo de sua carreira meteórica – acredita-se que não precisaria de muito mais para expressar suas ideias sem ideais.

Meu amigo, agora eu preciso ir embora. Você tem uma longa jornada pela frente, e deve viajar com pouca bagagem. De agora em diante, deixe para trás toda a carga de conclusões preconcebidas e “abra-se” para tudo e para todos à frente. Lembre-se de que a utilidade da xícara está em seu vazio. (LEE, 2007, p. 169).



Assim, praticamente encerra sua obra Aforismos, como um autovaticínio de sua passagem prematura, ao abordar a utilidade do vazio, o fim como um começo. Com isso deixou uma máxima maior. Aprender, usar e valer-se de tudo o que puder para melhorar, depois, descartar para tornar-se pleno, vazio e útil, tal como a utilidade vazia de uma xícara.

Essa etapa de sua vida e obra é destacada com certa insistência exatamente para que haja uma – mesmo que superficial – compreensão na proposta da rica exploração filosofal de pensamentos dentro da área educacional. E, para que esse aspecto possa se fundar em outras vertentes intelectuais é que adotamos também o trabalho do saudoso e ilustre Professor Danilo a quem não tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente, somente através de seus luminosos escritos em especial sua obra Corpo em ética, a qual adotamos para enriquecer o presente trabalho de término de curso, e extraímos do mesmo este trecho que diz: “A liberdade diz respeito à posição e não à sua possessão por uma pessoa.” (ALMEIDA, 2003, p. 13). Outorgar-se dono de uma metodologia de ensino e não permitir que a mesma seja aperfeiçoada por questões preconceituosas seria manter a própria xícara cheia, a própria e a dos demais e isso não é liberdade e muito menos possibilidade educacional é estagnação, podridão.



3 UMA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL AMPLA ENTRE SAÚDE FÍSICA, MENTAL E SOCIAL

3.1 JEET KUNE DO – ALÉM DA ARTE MARCIAL, UMA FILOSOFIA DE VIDA

Urge a esta altura demonstrarmos de forma mais contundente os motivos pelos quais a Arte Marcial é sugerida dentro do contexto filosófico e como ela pode se desvincular da concretude de uma disciplina como Educação Física que em seus primórdios foi concebida em bases estritamente rígidas pelo viés do militarismo, o que pode conduzir, num primeiro lampejo, não à liberdade, mas sim à uma rigidez disciplinar.

Para tanto, impera recordarmos que muito embora algumas correntes acreditem numa dicotomia entre o pensamento Oriental e Ocidental, nossa concepção é demonstrar o contrário, partilhando da conduta de uma postura de “esponja” que absorve, suga as partículas essenciais desses dois pensamentos que a nosso ver é um só: FILOSOFIA.

Para isso, procuraremos demonstrar que a disciplina que se vislumbra de forma aprisionativa, dentro do que entendemos por LIBERDADE nada mais é do que um ESFORÇO, parte da dedicação de quem o emprega.

Observemos mais alguns fatores dessa vertente marcial e suas metas para jogar um pouco mais de luz no que se apresenta.

Um dos grandes discípulos de Lee e considerado seu sucessor nas suas escolas e em seu Jeet Kune Do, Dan Inosanto, observa que

A mente criativa e o corpo em constante progresso são os fatores importantes no processo de avanço nas Artes Marciais. Estilos ou sistema desempenham apenas uma parte nesse processo. Alunos devem ser conduzidos de modo a pensarem por si mesmos, expressarem a si mesmos e encontrarem por si mesmos as respostas. (INOSANTO, apud SOUZA [198?], p. 45).



Para nós isso é Filosofia pura. Analisemos: uma estrutura que propicie ao aluno desenvolver seu corpo e sua mente de forma tal que possa atingir a liberdade e a segurança construída com o apoio e o aval do Governo, dos pais, Professores, alunos e sociedade apenas enobreceria a pessoa como cidadão tal como sonhava Platão em sua República em uma polis perfeita, com povo, guardiões, governantes, sábios, corajosos, temperantes e justos. Entendemos a Filosofia como um todo pensante que precisa ir além e sua manutenção com a Arte Marcial só pode fazê-la crescer. Deparamo-nos hoje com as infinitas dificuldades de inclusão, desde a digital, até a dos portadores de necessidades especiais, passando pela questão do politicamente correto, das cotas raciais; todos ainda são sinônimos de preconceito, são separações da afinidade dos corpos e sua possibilidade afetiva.

Insistimos em nosso autor. Lee, através de sua filosofia de vida e com as Artes Marciais sempre buscou romper esse tipo de barreiras. Ao abrir a sua segunda escola de Artes Marciais, o Jun Fan Institute localizado na Broadway, resolveu aceitar alunos de todas as raças na mesma; negros, caucasianos, orientais, amargando revolta dos tradicionalistas. Lee precisou lutar na vida real contra esse tipo de ressentimento antagonista, mas somente o fez quando desafiado aos limites. Partilhamos da hipótese de que o que assegurou seu sucesso teria sido exatamente a segurança que sabia possuir e o conhecimento dos limites de suas habilidades que sempre eram estudadas e trabalhadas com afinco e dedicação o que o conduzia sempre ao sucesso em suas áreas. Eis aqui o que traduzimos por disciplina. Eis o equilíbrio que uma educação filosofal trás ao praticante marcial: Arte Marcial sem Filosofia corre séria tendência de converter-se em ferramenta para a pancadaria. Tentemos aqui um exercício de lampejo visionário, ao fazermos uso da liberdade de imaginação ao verificarmos futuramente as academias se espelhando nas escolas e aprofundando seus aportes filosóficos como atrativo a pais e alunos...

Sua mente e seu corpo foram moldados nos mesmos padrões para atingirem o equilíbrio mais próximo da perfeição. Mas só foi possível a partir do momento em que Lee se outorgou livre para absorver as miríades de estilos em uma única forma versátil de moldar o corpo. Quem não gostaria de ter isso? A escola pode oferecer, e a escolha será do aluno, entretanto ele precisa ter a opção. Isso é mais do que ser preparado para uma sociedade unicamente capitalista.

Ainda no cerne dessa linha de pensamento, o Jeet Kune Do de Lee possuía uma constante, um elemento central de ligação, uma espécie de espinha dorsal que alinhava harmoniosamente integrando e inteirando toda a expansão dentro do mesmo filosofar. As partes agregadas, ou seja, as demais disciplinas a se associarem nessa plataforma, ainda que provenientes de outras fontes ou linhas de estudos, são sempre adaptadas, modificadas e aperfeiçoadas para se entrosarem, contribuindo amplamente para o cultivo de uma educação mais abrangente.

A Arte Marcial de Lee tinha basicamente uma linha de conduta: Totalidade; liberdade; expressão individual; adaptabilidade. A eficiência, o discernimento, a iniciativa e a inovação são decorrências naturais desses valores. Assim o ensino educacional passa a ser eclético, coeso e profícuo.

3.2 RELAÇÃO ENTRE ARTE MARCIAL, FILOSOFIA E SAÚDE EDUCACIONAL

Cabe a esta altura buscarmos a exposição e miúça de um dos fatores tidos como preponderantes neste trabalho que seria como a Arte Marcial poderia contribuir para o desenvolvimento educacional, partindo do pressuposto único de que estaria diretamente ligada à própria Educação Física e teoricamente nenhuma relação direta teria com a Filosofia.

Bem, já destacamos várias vezes que entendemos que o corpo precisa manter-se são, sadio, para que a mente possa prosseguir na jornada intelectual do aprendizado de forma tal que esse equilíbrio entre corpo e mente contribua para a própria educação em si, pois um corpo doentio não oferece recursos físicos para o exercício mental do filosofar ou ainda de quaisquer outras atividades estudantis.

Atentemos com carinho novamente para o legado impressionante que Lee nos deixou através de sua obra, sua ação nas telas e de seu pensamento. Se assim não o fosse, não o consideraríamos para enriquecer este escrito. Não estamos querendo com isso fazer uma ode ou uma apologia a seu nome, sua carreira ou sua filosofia de vida, como já adiantamos preambularmente, mas sim explorar com liberdade o que ele construiu e nos oferece para procurar exemplificar com fundamentos considerados próprios para o assunto em tela e pertinentes ao subtítulo que estamos esmiuçando.

Assim sendo, Bruce Lee era considerado um homem de excepcional talento e profundeza de caráter, adquiridos com os estudos filosóficos tanto Ocidentais, quanto Orientais. Considera-se que seu notável desenvolvimento era uma inspiração para todos os que o cercavam e alguns depoimentos corroboram essa presunção. Por exemplo, James Lee, um de seus alunos, dizia: “[...] após ter estudado com Bruce, sentia-me moralmente elevado, mais honesto e toda minha vida mudou.” (LEE, James. Apud SOUZA, [198?], p. 18). Outro de seus alunos, Dan Lee, acrescenta que: “Bruce era um exemplo vivo do valor dos exercícios básicos e da aptidão física. Sempre o víamos melhorando e amadurecendo no sentido de uma realidade maior.” (LEE, Dan; apud, SOUZA, [198?], p. 18). (Grifo nosso). Pelo que pesquisamos, levamos em conta que Lee era inteligente o bastante para não ser um radical a ponto de abandonar tudo o que sabia ser útil apenas por defender uma ideologia de liberdade. “Das coisas velhas você obtém segurança, mas é somente com as novas que você ganha o fluxo para continuar em frente.” (LEE, apud SOUZA, [198?], p. 23).

Conta-se que Bodhidharma ao ser aceito pelos monges do templo Shaolin , percebeu que os mesmos ficavam dias sentados escrevendo textos budistas. Como essa prática conduzia ao sedentarismo e os tornavam vulneráveis a ataques externos e para que tivessem condições de protegerem seu patrimônio e suas tradições, Bodhidharma lhes ensinou exercícios físicos para ganharem mais saúde, força e energia; com o aprimoramento dessas práticas elas passaram a serem conhecidas pelo nome de Kung Fu (BINDO, 2005, p. 40-41).

Consoante preconiza Shi Yong Xin, até esta data, líder do mítico templo Shaolin, o Kung Fu se pratica para se ter “mais saúde, tanto física quanto espiritual.” (XIN, in BINDO, 2005, p. 41). O Kung Fu é uma

[...] técnica muito refinada que traz valentia e bem-estar. Aparentemente parece que a pessoa está praticando [...] uma luta, com todos aqueles chutes e gritos. Mas, na realidade, a prática é introspectiva, os movimentos ativam a energia interna, algo que não se consegue enxergar. Pode até parecer que é uma técnica violenta, mas com o tempo o que acontece é que adquirimos mais disciplina mental, tranquilidade e calma. (XIN apud BINDO, 2005, p. 41). (Grifo nosso).



Inspirado nesse ritmo de atividade pode-se questionar se o educando não se cansaria de realizar uma prática desse porte, ao que o monge Xin justifica que

[...] os três primeiros meses você treina a luta, mas depois de três meses é a luta que treina você. Quer dizer, se parar de praticar você sentirá falta e até necessidade de praticar, por que faz muito bem para o corpo físico e para a mente. (XIN apud BINDO, 2005, p. 41. (Grifo nosso).



O mais incrível disso tudo é que Kung Fu pode ser traduzido como meditação.

Literalmente pode ser entendido como tempo, esforço e persistência que traz sabedoria. Faz parte da meditação, já que nessa Arte Marcial aprendemos a controlar nossa energia. [...] a meditação é uma ferramenta para aprimorar a luta, e a luta ajuda na prática da meditação. (XIN apud BINDO, 2005, p. 41).



Se pensarmos que a meditação defendida pelo monge chinês implica em reflexões internas, podemos atrelar esse pensamento à Filosofia sem incorrermos em equívocos ou sermos considerados prematuros. Assim, por reflexo, Filosofia conduziria ao aprimoramento da Arte Marcial, e ela, por sua vez, ao aprimoramento da Filosofia e ambas, independentemente da ordem, conduziriam ao aprimoramento da pessoa de forma saudável.

O próprio Xin entende que viver num templo é de certa forma rigoroso, mas cômodo, o grande desafio está na vida externa, o mundo exterior é repleto de forjas que moldam e constroem personalidades através dos problemas e dificuldades que existem. Assim sendo, eis o fator de importância no desenvolvimento educacional. A escola pode ser mais que um templo, a escola pode ser um instrumento preparatório que edifica as bases para uma vida segura, íntegra, livre. Afinal, essa sua premissa fundamental que engrandeceria também a própria Arte Marcial.

Se não bastassem todos esses argumentos em favor dessa simbiose entre Filosofia e Arte Marcial, reflitamos ainda mais, como por exemplo, no fato de as Artes Marciais trabalharem a mente; nos treinos ensina-se toda uma filosofia e não simplesmente o caminho para praticar golpes com perfeição. “Para uma pessoa se tornar faixa preta, precisa ser também um modelo de responsabilidade e de caráter” (MAGALHÃES apud SZEGÖ, 2002, p. 65). É claro que não somente o Kung Fu teria essa premissa, como já adiantamos. Arte Marcial não é simplesmente Kung Fu, mas sim diversas outras disciplinas que moldam o físico e o caráter. A Professora de Aikido, Sandra Caselato, defende a postura: “As lições de disciplina e respeito deixam os alunos autoconfiantes e menos agressivos” (SZEGÖ, 2002, p. 64). Nas aulas o aluno passa a enxergar como canalizar sua agressividade e gerenciar seus sentimentos. “Ele aprende a lutar para não lutar.” (CRUZ apud SZEGÖ, 2002, p. 64). Dessa maneira, os praticantes convertem-se em pessoas mais centradas e menos violentos, evitam a briga.

Para somarmos a todas essas vantagens da saúde educacional, torna-se imprescindível não deixarmos à margem os benefícios físicos que a própria Educação Física em sua essência procura preencher com sua filosofia particular como disciplina dentro do núcleo escolar e educacional. Podemos vislumbrar em nossas pesquisas que um praticante de Arte Marcial poderá obter melhoras em sua circulação e na respiração, aumentará o tônus muscular e a flexibilidade, sem contar que auxilia na perda de peso. Combate a osteoporose, aprimora ainda a orientação espacial e a capacidade de responder a estímulos (SZEGÖ, 2002, p. 64). A Arte Marcial – em especial o Kung Fu – é ainda defendida neste texto em função de poder de liberdade inerente ao permitir ser praticada por alunos de todos os portes físicos e todos os sexos. A moral, a liberdade e a vontade podem ser considerados os pilares que ditam o ensinamento desse filosofar marcial. A Arte Marcial, então, não pode ser vislumbrada meramente como uma função filosoficamente ética.

Ao mencionarmos a moral recordamos desse fator filosófico que a tradição marcial do Kung Fu – e outras vertentes de treino marcial - está permeada e encontramos na Filósofa ocidental Marilena Chauí um aporte interessante sobre a moral, a liberdade e a vontade, no instante em que ela expõe que:

Quando distinguimos entre verdade e mentira e distinguimos mentiras inaceitáveis de mentiras aceitáveis, não estamos apenas nos referindo ao conhecimento ou desconhecimento da realidade, mas também ao caráter da pessoa, à sua moral. Acreditamos, portanto, que as pessoas, porque possuem vontade, podem ser morais ou imorais, pois cremos a vontade é livre para o bem ou para o mal (CHAUÍ, 1999, p. 10-11).



Tocamos nesse aspecto ético e moral e de vontade em face de termos concluído alguns parágrafos acima expondo que os praticantes marciais evitam a briga. Mas ainda poderiam persistir aqueles que questionariam a possibilidade de estarmos educando crianças para se moldarem em armas vivas soltas na sociedade.

Lembremo-nos de que fica evidente que a pessoa é livre para ser o que quiser ser. Estamos falando essencialmente de educação e, pelo menos por enquanto, esse gesto nobre ainda é transferido de uma pessoa tida como qualificada para outras que buscam qualificarem-se. E temos conosco que tal conhecimento é cercado por uma aura de virtudes anímicas. Esse um pré-requisito para a liberdade consciente. Primordialmente essa mesma liberdade dá o direito de o aluno escolher estudar ou abandonar a escola. Todavia isso não implica necessária e diretamente que essa mesma pessoa se torne um elemento maligno, tampouco que se converterá numa criatura inculta e sem possibilidades de realizações. Mas a expectativa dessa visão escatológica é a mesma que se tem de uma pessoa que vai envelhecendo pouco a pouco, cronologicamente nunca esperamos que alguém jovem pereça antes de um idoso, que já experimentou e viveu plenamente sua existência. Mas os fatos comprovam que eventualmente essa inversão pode ocorrer. Assim como também pode ocorrer de uma pessoa abandonar o caminho da instrução e converter-se em um proscrito. Independentemente de saber ou não Filosofia ou Arte Marcial. O que se quer conduzir com essa linha de pensamento é que a liberdade ainda está vincada à própria vontade da pessoa. E ela, a pessoa, é livre para fazer com o que aprende, seja numa instituição escolar ou na faculdade da vida, o bem ou o mal – dentro de seus parâmetros éticos e morais do que é bondade e maldade, dentro de sua própria e subjetiva verdade e as consequências inerentes.

Em essência, e concretamente partindo para um cenário onde a liberdade está no limiar em que a pessoa, conscientemente dona de sua individualidade, opta por ser ou não ser, aportamos no pedregoso caminho da discussão entre o que se faz com sua própria opção de vida. Por isso encontramos na Filósofa Marilena Chauí uma outra defesa que entendemos justificar bem esse dilema: “[...] com isso acreditamos que a objetividade é uma atitude imparcial que alcança as coisas tais como são verdadeiramente, enquanto a subjetividade é uma atitude parcial, pessoal, ditada por sentimentos variados (CHAUÍ, 1999, p. 11).

Nossas emoções e sentimentos podem ser algo instintivas e nada lógicas ou racionais como quereria Descartes, mas ainda assim vivemos um mundo emotivo, repleto de aspectos sensoriais, motores, vibracionais, que fazem com que o âmbito de nosso corpo e mente vibrem num ritmo inebriante e afetivo.

Aos educadores gostaríamos de pensar que lhes cabem

A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações” (CHAUÍ, 1999, p. 12).



Como Filósofos – ou aspirantes – gostaríamos de ponderar essa passagem, pois se autodidatas fôssemos, até poderíamos encontrar e assimilar a profundidade de uma máxima desse naipe, mas ao cursarmos Filosofia essa hipótese é substituída pela alegria libertadora da certeza, o que implica que a educação ainda é um caminho de monta.

4 A EDUCAÇÃO COMO ORIENTADORA DE CARACTERES AUTÔNOMOS NA MARCIALIDADE

4.1 LUTAR: BUSCA FILOSOFAL. BRIGAR: VIOLÊNCIA IGNÓBIL

Analisemos a questão da violência que tanto perturba. A ética, a política e a moral são questões particulares e, sob certo ponto de vista, controversos, e não são temas para este trabalho. Como diz o adágio popular: “religião e política não se discute.” Todavia, deixar de perpassar um ou outro desses tópicos acaba ficando difícil, eis que é preciso tocar na questão da violência. Vejamos o caso da moral, podemos pensar que surge somente por causa dela, a violência. Portanto, numa sociedade segura de si, onde não há violência, a moral pode se tornar obsoleta, pois moral seria consequência de uma ética pensada e construída para limitar o cidadão, seja amparada em leis ou em dogmas religiosos que tolhem a individualidade e cria mais rixas e divisas em nome do divinal, um divinal que, acreditamos, não se alcança, que está fora, distante; um ser que não se pode complementar com o corpo, trata-se de um ente sem mente, sem espírito isolado, oco. Consideremos com criteriosa atenção quando o Professor Almeida nos lembra que a “[...] a ética e a moral têm ‘origem na mesma realidade humana’ dos costumes.” (ALMEIDA, 2003, p. 18). Entendemos assim, estarmos condicionados, bitolados e confortáveis onde nos encontramos, caminhando de cabeça baixa e sem vontade, nos acostumamos a viver assim, num ethos que designa por nós onde a forma deve tomar lugar.

Seria, assim, a sociedade violenta e não o praticante da Filosofia Marcial? Precisamos pensar sobre essa possibilidade filosófica. Quem une Filosofia com Artes Marciais passa a saber mais profundamente sobre seus limites e não procura encrenca para não arranjá-las. Não bate em alguém por saber que esse alguém não estaria no seu nível de preparo. Não busca problemas com alguém mais forte exatamente por se reconhecer incapaz de vencê-lo. Grosseiramente isso é saber limites. Assim a conduta histórica e condicionada deixa de existir, colocando em evidência a dissimulação dos falsos caracteres.

Obtivemos a especial concessão de entrevistarmos pessoalmente o sensei mestre em Artes Marciais e Professor de Filosofia, Nagib Fadul , o qual acrescenta, ao ser indagado sobre a violência comumente atribuída a praticantes marciais, que: “É uma luta, uma defesa por uma causa e um respeito por você e pelo outro! A partir do momento em que você descumpre qualquer uma dessas... regras, ela não é Arte Marcial mais. Ela é violência pura e sem sentido. [...] Com técnica significa não agredir a integridade do outro” (FADUL, 2011, p. 1). O Professor Nagib, como Professor de Filosofia, também empreendeu um Projeto de inclusão de Artes Marciais à grade curricular, e sobre a violência esse projeto aborda o seguinte:

Possibilitar aos alunos o acesso à cultura oriental que acompanha os treinamentos do Karatê e fazê-los compreender que o aprendizado da luta deve ser vivenciado e desmistificado da violência a fim de que a prática e o domínio das técnicas levem os estudantes ao autoconhecimento (FADUL, 2011, p. 1).



Não satisfeitos, para endossar essa premissa, buscamos mais suporte e mantivemos contato direto com o autor da obra O inesquecível Bruce Lee, e o mesmo defende que “[...] o Kung Fu seria um bom mecanismo de autodefesa junto à filosofia oriental para ser colocado nos cursos de Educação Física.” (TORRES, 2009) .

Portanto, não se trata exclusivamente de jogar a Arte Marcial na grade curricular e esperar os alunos se estapearem até a morte e depois sentarmos para refletirmos sobre os resultados. O respaldo vem de cima. Do sinete do órgão responsável pela abertura, com a formação dos profissionais e sua qualificação para tal, com domínio da técnica, prática, com ajustes ao experimento, o sucesso pode ser conseguido. Os caminhos que tocam esse delicado assunto com possibilidades de indicações fogem ao escopo desta apresentação, por tal, serão omitidos em respeito às normas acadêmicas.



4.2 A SÁBIA CONDUÇÃO AO CAMINHO SÁBIO

Ainda sobre a violência, vejamos a lição do mestre:

Seria preciso, então, começar por mapear o lugar dos corpos na Cidade; identificar aqueles lugares onde se localizam os corpos sofridos, onde se aglomeram os corpos abastados; seguir os movimentos constantes dos corpos violentos e dos violentados; encontrar meios perspicazes para detectar a dissimulação da violência dos corpos, seus centros de irradiação; pôr em evidência os espaços que calam sobre o corpo... entre eles, a escola (ALMEIDA, 2003, p. 30).



A escola não pode se calar diante da violência do corpo pelo corpo para o corpo. É na escola, na instrução que lhe é própria que o Professor pode ser útil, servir de ferramenta fundamental para a formação livre e segura de seus alunos, devolvendo-os melhores para o seio de sua família, para o seu topos como um novo agente multiplicador e modificador de condutas estagnadas, pétreas.

Tal como preconiza o educador e filósofo Paulo Freire, “[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.” (FREIRE, p. 14, 2002). (Grifo nosso). Defendemos a bandeira de abertura ao novo, à tentativa empírica que nos permite acertar ao correr o risco de errar. E com isso, ao acertar, oportunizar uma nova superação em que o novo conhecimento vence o velho, ultrapassado e ele mesmo se “‘dispõe’ a ser ultrapassado por outro amanhã.” (FREIRE, 2002, p. 15). Isso visão de liberdade, isso amplitudes para o educar.

Um Filósofo – como pretendemos – deve amorosamente voltar sua atenção ao núcleo, ao meio que o circunda. E esta nação latina, abraçando um experimento livre, absorvendo o que a Filosofia Oriental oferta, através inclusive da Arte Marcial e suas prerrogativas – eis que pode parecer em certo momento que a única colaboração que o Oriente tem a contribuir é somente com a Arte Marcial – é exercer seu livre direito de autonomia – seja política ou educacional – com respeito e dignidade à sua missão pedagógica adquirida no espaço escolar.

O corpo não pode ser sinônimo de violência, mas sim de expressão do sentir, emoção, afetividade que não se acha excluída da cognoscibilidade. À educação cabe, não só neste experimento, orientar para a não-libertinagem de uma liberdade afetiva equivocada que interfira na construção de um indivíduo ético, cônscio da moral a ser empregada em seu meio.

Freire procurava dar ênfase sobre os limites da liberdade que pode ser confundida com libertinagem: “Minha segurança pode se fundar na convicção de que sei algo e de que ignoro algo que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei.” (FREIRE, 2002. P. 86).

Essa fonte de saber outorgamos à Filosofia plena.

Freire ainda autoriza o processo epistêmico da pesquisa: “Não se trata, acrescentemos, de inibir a pesquisa e frear os avanços mas de pô-los a serviço dos seres humanos.” (FREIRE, 2002, p. 82). Dessa forma, a escola instigaria o experimento que, por sua vez, instigaria frequentemente a nata curiosidade do educando sem domesticá-la, mas observando os resultados que permitem que esse mesmo educando vá, aos poucos, saboreando e compreendendo a proposta dessa liberdade e passe a tomar para si o papel de sujeito da produção de sua inteligência do mundo. (FREIRE, 2002, p. 78).

O Professor Fadul, orienta sobre as possibilidades de errar durante o processo de acerto:

Quando se erra nas Artes Marciais, é valorizado, porque é uma oportunidade de você recuperar aquilo que você fez de errado e tentar superar e dentro da superação fazer melhor ainda. Então o erro é utilizado para você reciclar alguma coisa e melhorar aquilo que você está aprendendo. [...] Mas você consciente de que você errou, tem a chance de melhorar, não pode errar, e é nesse momento em que você aprende. É no momento de maior necessidade que vem a sabedoria! (FADUL, 2011, p. 1).



“Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.” Assim Paulo Freire abre, à página 46, o item 2.8 de sua obra Pedagogia da autonomia. Somente esse título já é por si só didático. Mas Freire não era pequeno em seu amplo filosofar repleto de praticidade e segue iluminando o texto em seu corpo, “Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar.” (FREIRE, 2002, p. 46).

Mudança urge, todos sempre ouvimos essa palavra no que concerne à educação. Mas será que sabemos que tipo de mudança queremos? Em favor de quê? Contra quê? Para que se estuda? Imaginamos a essa altura que seja para a vida. Imaginamos que negar-nos a vida seria cairmos no ostracismo do casulo escuro cerceado por uma ética democrática que faz por nós. Não se poderia assim reclamar de nada, tampouco questionar nada, pois nada se fez para melhorar. Tal como Descartes, “[...] certa preguiça arrasta-me insensivelmente para o ritmo de minha vida ordinária” (DESCARTES, 1641, p. 97).

Se não bastasse, verifiquemos o que Lee nos apresenta como sua particular visão a respeito da própria Filosofia em si, destacando, em primeiro lugar a importância da leitura especializada como alimento mental (LEE, 2007, p. 86) e que a “Filosofia tem sido definida através dos tempos como ‘amor à sabedoria’. Seu propósito é investigar as coisas por um processo de pensamento e raciocínio lógico. A Filosofia não tem interesse em ‘como’: preocupa-se com ‘o que’ e ‘por quê’.” E segue,

Quando estava matriculado na Universidade de Washington e fui iluminado pela Filosofia, lamentei por todas as suposições imaturas que havia feito até então. Minha opção pela Filosofia estava intimamente relacionada à combatividade da minha infância. Frequentemente me pergunto: O que vem depois da vitória? Por que as pessoas valorizam tanto a vitória? O que é a “glória”? Que tipo de “vitória” é “gloriosa”? (LEE, 2007, p. 86.) (Grifo nosso).



Evidente que alguém que viva na base da briga por prazer ou por defesa que o seja, possui uma visão estreita a respeito do que seja Arte Marcial. Muitos pensam que quanto mais estilos e técnicas de luta adquirem-se, mais forte, mais imponente, impressionante, valente ou perigoso será. Bruce Lee teve de sair de sua própria casa por conta dessa conduta equivocada. Mas, como estava sob influência da Filosofia Oriental, acabou por dedicar-se também à Filosofia Ocidental e pode constatar em si mesmo o quanto mudou, o quanto avançou. Afinal de contas, gostamos de pensar que o ser humano tem como meta interna a evolução e a evolução é o eterno devir. Não há evolução se não há aprendizado.

Podemos vislumbrar ainda o quão importante são as influências. As da China, do seio de seu ambiente, de seu próprio topos o conduziram a caminhos tortuosos. Nos Estados Unidos, longe daqueles problemas que insistiam em cercá-lo, passou a ser influenciado por pessoas que o queriam bem, seus Professores, amigos e futura esposa.

O Orientador de Lee lhe disse que deveria escolher o curso de Filosofia por ser curioso, mas acrescentou que “A Filosofia lhe dirá para que o homem vive.” (LEE, 2007, p. 86). Impressionante se olharmos por essa ótica tão discreta. Essa a beleza da de uma filosofia instrutiva daqueles que se propõem a orientar, a educar.

Lee sabia observar entre os pensadores famosos destacados e usar seus ensinamentos para associar a luta como algo que engrandece, enobrece e que se faz útil.

O processo da Filosofia é conseguir ou obter informação clara sobre qualquer tópico, mas certos filósofos, como Platão, têm como foco principal o campo da ética e da moralidade. Especificamente, questões relacionadas ao “bom” e ao “mau”, à “vida ideal” pela qual se deve lutar. (LEE, 2007, p. 86.) (Grifo nosso).



A rubrica que certifica a Filosofia como alicerce junto à Arte Marcial na escola vem com sua observação de que

Muitos filósofos estão entre os que dizem uma coisa e fazem outra, e a Filosofia que um homem professa é muitas vezes diferente daquela que norteia sua vida. Cada vez mais a Filosofia corre o risco de se transformar em algo que é apenas professado (LEE, 2007, p. 86-87).



Assim, vislumbramos que até mesmo a Filosofia, pacífica sob o prisma de ações cerebrais, pode ser conduzida, ou ainda, utilizada para atos torpes.

Lee destaca com essa passagem de seus aforismos, que há a necessidade de coerência entre o que se pretende com a educação como alavanca para um cidadão de bem, um ser humano melhor. Há a necessidade da coragem de se mostrar, de se expor e reivindicar; sermos coerentes com o que professamos em sala de aula é permitir as amplas possibilidades interdisciplinares que estão à nossa disposição e que não são utilizadas por força talvez de ignorância, burocracia, comodismo ou quiçá medo. A Filosofia professada deve ser a mesma que norteia nossa vida.

Indagado sobre os motivos pelos quais ainda existem barreiras que obstaculizam esse potencial, o Professor Fadul nos foi categórico e direto:



Olha, a primeira coisa que impede que elas caminhem juntas, é realmente a maneira tapada e preconceituosa como as pessoas vêem, separam as coisas. A nossa Filosofia acadêmica, Ocidental assim dizendo, ela prega pela segurança do “papel”, a garantia literal de que você está usando a suas referências, suas citações da maneira mais precisa possível, dentro de outras pessoas que já falaram a respeito de um determinado assunto. [...] O que causa a diferença, talvez seja a gente deixar de lado o aspecto mais importante que a Filosofia Oriental passa, que é justamente o lado intuitivo da coisa. Porque nós somos intuitivos e essa intuição é milenar. Não se pode desprezar uma história que tem 5 mil anos! Como as Filosofias Orientais quem têm mais de 5 mil anos de história, como o taoísmo que tem 5 mil anos de história, com seus autores, Tao Té King, Lao Tsé, Confúcio, que pregaram coisas que hoje os nossos filósofos mais atuais estão falando. Porque nós estamos simplesmente querendo ser mais coerentes e mais convictos, falando o que eles já falaram! Então por que não voltarmos atrás? Vamos fazer diferente, vamos dizer o que eles diziam já há 5 mil anos [...]. Medo [...] medo e conforto de não se mudar as coisas, de quebrar paradigmas. [...] É o sistema. Para o sistema está bom assim. Não vem me dar trabalho, não. (FADUL, 2011, p. 1).



Verificamos que nossa Filosofia contemporânea está atrelada a uma forma de “formar” de “construir” personagens para se preocuparem com conceitos. Formulações e elucubrações com as quais e sem as quais o mundo permanece tal e qual. Afiançamos que a Filosofia tem uma particularidade maior que isso e que precisa ser valorizada, utilizada a contento.

Na vida, aceitamos naturalmente a realidade do que vemos e sentimos em sua plenitude, em geral sem hesitar. A Filosofia, entretanto, não aceita aquilo em que a vida acredita e tenta converter a realidade num problema. Faz perguntas como: “Será que essa cadeira que vejo à minha frente está realmente aí?” “Ela tem existência própria?” Assim, em vez de tornar a vida fácil de viver, quando se vive de acordo com a vida, a Filosofia a complica, substituindo a tranquilidade do mundo pela inquietação dos problemas. (LEE, 2007, p. 87).



Lee entendia que o racionalismo estaria relacionado diretamente com a intuição, pois seria a razão capaz de “[...] captar intuitivamente verdades básicas e extrair delas outras verdades por meio de processos racionais e demonstração lógica” (LEE, 2007, p. 87), assim a “[...] razão, a intuição a evidência, são necessárias para destilar da experiência, ou acrescentar a ela, leis universais necessárias” (LEE, 2007, p. 87). A experimentação intuitiva pode ser considerada o canal certeiro na empreita de uma nova tentativa de romper fronteiras e métodos conservadores. A possibilidade está aberta. Se comprovar-se improcedente, infrutífera, perigosa, o avanço ainda assim foi dado para uma nova possibilidade de acerto. Descarta-se o que não serve e usa o que serve.

4.3 FILOSOFIA FUNCIONAL

A utilidade de uma Filosofia útil, para sermos pleonásticos, pode estar cerceada por medos e receios invisíveis que coíbem e limitam o educador e o educado, citamos como exemplo os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que foram construídos por mentes esclarecidas com o fito de enquadrar a educação, muito embora possua prerrogativa aos educadores de liberdade de atuação, a maioria, na prática, acaba optando por segui-los fielmente para evitar aborrecimentos.

Passar a “usar a Filosofia como meio e experimentar as possibilidades da Filosofia na formação do indivíduo” (PANSARELLI; PIZA, 2008, p. 12) eis uma das possibilidades. Se cairmos no logro de alienar nossa vontade, oprimi-la ela “deixa de esclarecer, passa a ser um termo que nega esse mesmo esclarecimento, nega o pressuposto central da própria Filosofia.” (CARVALHO, in PANSARELLI; PIZA; 2008, p. 20). Os experimentos educacionais precisam ser livres para agir, “[...] essa liberdade se define não por referência à individualidade e à ação privada, mas enquanto ação em meio à sociedade, ação situada na história, a qual põe como agente o ‘público’ [...].” (CARVALHO, in PANSARELLI; PIZA; 2008, p. 22). Onde não há expectativas de erro, não há base para a culpa, a vergonha e o julgamento, não há desapontamento, não há responsáveis. Mas também se corre o risco de errar pela não-ação, o que ainda assim é um erro em si e que implica em responsabilidades. Ter consciência desses reveses é estar preparado para o que resulta dos experimentos audaciosos. Assim há o filosofar livre.

René Descartes nos lembra que fomos concebidos sem muitos dos nossos conhecimentos, estamos despojados de coisas que nos facilitariam a aquisição do saber (DESCARTES, 1641). Todavia, quando nos deparamos com as amplas possibilidades de união onde os saberes apenas somam, ainda nos prendemos a conceitos bairristas que inibem esse leque de possibilidades infinitas de experimentações.

Privarmo-nos das experimentações é sem dúvida nos privarmos das possibilidades de aprender, não podemos nos limitar a perder conhecimento. “[...] se eu conhecesse sempre claramente o que é verdadeiro e o que é bom, nunca estaria em dificuldade para deliberar que juízo ou que escolha deveria fazer; e assim seria inteiramente livre [...]” (DESCARTES, 1641p. 127.) (Grifo nosso). Mas não conhecemos o que é verdadeiro sem experimentar e sem a liberdade para tal. A autenticidade prova ser importante, eis que “[...] o imitador, não entende nada da realidade, só conhece a aparência” (PLATÃO, 1997, p. 329). É preciso encarar as necessidades para as mudanças, mas se não conseguimos enxergá-las de frente, não podemos mudá-las, a Filosofia não seria suficiente.

Lee dizia que Jeet Kune Do não era mais um estilo, mas sim um princípio livre de técnicas. Essa mesma integridade com que Lee vivia, guiava os princípios filosóficos de sua arte. Da mesma forma com que ele não pensaria em aplicar fórmulas ou ideias fixas em seu relacionamento com a vida, os princípios do Jeet Kune Do também dependiam de liberdade total, pois se tratava de uma arte na qual a única regra é o não haver regras. Ao se remover os entraves, normas e respostas fixas, uma certa liberdade flui naturalmente, conforme a realidade vai surgindo, e quanto mais perto da realidade o indivíduo se coloca, menos necessita de se apoiar em artifícios complicados ou técnicas fantasiosas. Interessante que reconheçamos nossos pontos fortes e nossos pontos fracos e explorá-los. A Filosofia é um ponto forte, a Arte Marcial é um ponto forte. As demais disciplinas juntas são fortes. A fraqueza poderia se encontrar então no receio, na divisão. Ser livre é ser totalmente livre, não há meio termo. Agir é movimento. Para se movimentar urge sermos livres. Libertar a vontade exumá-la de nossos porões opcionais e escuros e colocar em prática novas possibilidades é imperativo. A vida é um processo fluente onde não pode e nem deve haver estagnação.

4.4 FLUIDEZ E FLEXIBILIDADE PARA O CORPO E O ESPÍRITO

Quando um discípulo, um aluno que ingressa em uma aula de Arte Marcial comum e corrente ele inevitavelmente vai se deparar com uma série de exercícios físicos que o levam a adquirir flexibilidade e equilíbrio. A Filosofia em sala de aula nos faz raciocinar e refletir em caminho similar, ao adquirirmos flexibilidade em nossas posições diante da vida e equilíbrio interno para colocar em prática nosso aprendizado de maneira ampla e luminosa.

Desfrutarmos da Filosofia Oriental e da Filosofia Ocidental, com a interdisciplinaridade entre Filosofia (disciplina, matéria) e Educação Física – atrelada à Arte Marcial e seus pensamentos filosofais - o discente cresce, abandona um estágio de avanço para uma etapa maior em sua construção pessoal.

Esta proposta educacional é algo a ser vivido na vida diária, um estado de ser e não de estar, que transcende os muros da escola; um estado no qual o autoaprimoramento é mais importante do que a mera aquisição de habilidades exteriores ou intelectuais. Consoante Lee defendia, o homem para conquistar outras coisas, devia antes conquistar a si mesmo. Ao aproveitarmos essa franca união da Filosofia Oriental com a Ocidental, associadas com a Arte Marcial, pretendemos almejar um esclarecimento, uma percepção interior, que vai além do físico e do cérebro, uma espécie de autoconsciência que conduz às mais eficientes formas de pensamento, de relacionamento com a physis.

Indagamos aqui: Como chegamos às formas metodológicas de estudo que adotamos hoje? Quem fundou o paradigma atual nada mais fez do que partir de hipóteses, experimentações, deduções para depois, serem todas condensadas em práticas consideradas imutáveis, funcionais, plenas e postas em experimentações.

Consideramos que o medo de sair em busca de algo melhor - tal como o fundador do dito paradigma teria feito - seria o conforto da situação atual somados à comodidade que o sistema vigente nos oferece gerando a estagnação e a prisão da liberdade do que se aprende. Acreditamos que receber conhecimento de várias fontes seria trabalhar com esses conhecimentos e então encontrar sua própria expressão através deles ou de um novo paradigma que também muda com o tempo. Podemos chamar esse conceito de viver uma liberdade sem ilusão. Nossas células mudam todo o tempo, sugerimos seguir o exemplo de nosso próprio corpo que não se dociliza com um simples banho.

Lee dizia a respeito dos limites que são autoimpostos na Educação Física e em todas as áreas da vida, que “[...] ter objetivos pobres é o pior crime que se pode cometer” (LEE, apud SOUZA, [198?], p. 30). A Arte Marcial inquestionavelmente proporciona fluidez e flexibilidade ao corpo; a Filosofia, por sua vez, proporciona flexibilidade e fluidez ao espírito. Fiamo-nos na possibilidade de que juntas conduzam o praticante à integralidade, condição básica para a evolução. Perdendo a integralidade perde-se as demais qualidades.

Para exemplificar o que queremos dizer, o Professor Fadul desenvolveu o que ele chama de “inteligência marcial”, e justifica:

[...] eu chamo isso de “Inteligência Marcial”! A partir do momento em que você consegue trabalhar algumas informações na sua cabeça que não estão muito comuns de serem trabalhadas, [...]. Quando você consegue trabalhar os opostos você consegue desenvolver uma habilidade extraordinária, uma habilidade além do normal. É como se você não pensasse na hora de fechar e abrir uma torneira com a outra mão. [...] Então você cria a inteligência marcial, você cria um reflexo de desenvolvimento mental rápido para você agir em situações diferentes, com adversários diferentes, com movimentos diferentes, com tempos diferentes. (FADUL, 2011, p. 1).



Em uma entrevista concedida a Pierre Berton (1971), no programa de entrevistas a famosos conhecido por The Pierre Berton Show , Bruce Lee diz a seu interlocutor: “Be water my friend!” (Seja água, meu amigo!) (Tradução nossa), para usar como exemplo o Tao, que orienta que devemos nos moldar às situações para superar as adversidades. Moldar não é bater, é ser inteligente.

5 DIVISAS E FRONTEIRAS

5.1 LIBERDADE E INDIVÍDUO

Como bem nos orienta o mestre, Professor Almeida, podemos “[...] construir a liberdade no momento em que desenho seu ‘rosto’, através das obras e de minhas ações.” (ALMEIDA, 2003, p. 13.)

Falarmos em conciliar a amplitude dos pensamentos, condutas e conceitos filosóficos ainda sob a fronteira que eventualmente emerge com o fito de querer dividir Oriente de Ocidente em pleno século XXI já deveria parecer obsoleto, mas numa prática velada parece-nos que ainda não o é.

Para que possamos melhor esmiuçar esse polêmico ponto é que abordaremos neste tópico alguns estudos de cunho histórico os quais buscarão destacar esse tão controverso assunto que poderia conduzir os mais apaixonados a castigar o texto em função dos fundamentos utilizados. Segundo investigações voltadas para o tema, levantamos que algumas vertentes entendem que a Filosofia surgiu na Europa, e, portanto, a Filosofia Oriental não pode ser considerada como tal e sim somente como pensamento. Muito colaborou para isso o filósofo grego Diógenes.

Segundo Chauí, essa dicotomia teria surgido quando Diógenes de Laércio, considerado o primeiro historiador da Filosofia que se tem notícia, resolveu coletar e divulgar as opiniões dos filósofos antigos, criando então a oposição entre o que é conhecido por “milagre grego” e “orientalismo”. Diógenes era tão radical em sua crença na origem grega da Filosofia, que desconsiderava totalmente as possibilidades de aprendizado ocorridas em viagens inclusive relatadas por Heródoto, e chegou ao ponto de “[...] atribuir aos gregos a origem de toda humanidade.” (CHAUÍ, 2002, p. 19). Sua crença se dava no fato de que para os gregos havia uma distinção entre os gêneros humanos, havia os estrangeiros e os gregos, os estrangeiros possuiam língua e costumes rudes, portanto, considerados bárbaros, e os que possuiam a língua polida e costumes polidos “[...] eram homens propriamente ditos.” (CHAUÍ, 2002, p. 20).











Acompanhemos suas considerações a respeito:

Frequentemente, pretendeu-se que a filosofia havia nascido no estrangeiro. Aristóteles (Livro da magia) e Socião (Filiações) dizem que os Magos, na Pérsia, os Caldeus, na Babilônia e na Assíria, os Gimnosofistas, na Índia, e uma gente chamada Druidas e Senoteus, entre os Celtas e Gauleses, foram seus criadores [...]. Por seu turno, os egípcios pretendem que Hefesto, o criador dos princípios da filosofia ensinados pelos padres e profetas, era filho do Nilo [...]. Porém, ao atribuir aos estrangeiros as próprias invenções dos gregos, todos esses autores pecam por ignorância, pois os gregos deram nascimento não só à filosofia, mas a todo o gênero humano. [...] Sim, foram os gregos que criaram a filosofia, cujo nome, aliás, não soa estrangeiro (Diógenes de Laércio, p. 31). (CHAUÍ, 2002, pp. 19-20).

Este desconhecimento de uma codificação filosófica oriental se mostra evidente quando se descobre que a mais de 5.000 anos já existia uma estrutura filosofal de pensamento chamada Samkhya , que tem origem na Índia Antiga, Vale do Rio Hindo, e já fazia esta classificação e enumeração de princípios filosóficos e muito mais.

Seria aribitrário demais considerarmos ainda uma fortuíta distinção puramente geográfica ou até mesmo eurocêntrica entre Filosofia Oriental e Ocidental. Temerário também seria deixarmos de levar em conta as grandes interações ocorridas junto a tradição filosófica europeia que desconsidera essa simplista distinção. Sabemos que Filosofia são pensamentos e que podem ser distintos entre si, sabemos ainda que Filosofia Oriental também se extende além de única e exclusivamente Arte Marcial, pois ela abrange três profundas tradições filosóficas: a indiana, a chinesa e a persa.

O Ocidente parece ainda dever a “pensadores” do porte de Abu al Hussein ibn Abdallah in Sina, conhecido por Avicena cuja produção de comentários sobre a filosofia grega se manteve, em Bizâncio, durante séculos, o que garantiu a preservação de grande parte da obra do próprio Aristóteles; e Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd, mais conhecido por Averróis, a quem é atribuído grandes comentários sobre Aristóteles e sua redescoberta na Europa que muito contribuíram para a recepção do pensamento aristotélico.

Junto à máxima, acima apresentada do Professor Almeida, vislumbramos a abertura de uma porta que destaca a Filosofia de liberdade e de continuidade dessa união, eis que o indivíduo – aquele que possuí sua individualidade consciente – através do encontro dos corpos é quem constrói, quem realiza sua própria liberdade. Por tal, é o próprio indivíduo quem se prende também, não podendo haver vítimas de circunstâncias como justificativa para o cárcere do corpo e da psique. Assim, prosseguir com essa união filosofal com outra dependeria de nós filósofos, como sinceros educadores que possuem um poder maior que o giz e o quadro, o poder de se permitir experimentar, aos poucos, ajustando, e mais que tudo, mostrando a oferta de possibilidades desse contato corporal e cerebral.

Com as parcas experiências em “campo”, mas com a mente plena de um livre pensamento filosófico que nossos educadores buscaram semear em nosso arcabouço, pudemos constatar a necessidade, ou quem sabe, a possibilidade de um fluir que frua entre Oriente e Ocidente apreendendo com uma revisão das afirmações do corpo e da própria mente no pensamento vigente, exercitando uma experimentação maior: a harmonia dos dois pensamentos voltados, não só para a educação, mas para uma sociedade composta por seres humanos aptos e ávidos pelo saber.

Importa recordamos de nossa condição genética e isso nos conduz além de uma teoria geográfica defendida em livros ou hostilizada em acalorados debates sofísticos, nos conduz a entender a fantástica e mutante experiência de ser gente. Entendemos que não somos apenas uma estrutura orgânica; apenas razão; apenas fé... Somos a soma resultante de um conjunto amplo e eclético, complexo, adorável.

Defendemos com ardor a flexibilidade da liberdade filosófica no que tange a possibilidade de o corpo e a mente salutarmente aprenderem algo com essas duas vertentes tão ricas de pensamentos, de forma tal que o senso crítico não caia nas raias do ranço ou do preconceito, mas sim dirija seu olhar perscrutador para um horizonte amplo de saber que desemboca no seio da educação.

As nuances que norteiam a Filosofia do Oriente, pelo que conseguimos alcançar e nos esforçamos em transmitir, nos conduzem a um desbravar metafísico, ao passo que o pensamento Ocidental conduz a um mundo da physis, contudo, devemos, como construtores de uma educação ampla e plena, nos recordar ainda que é no universo do corpo que encontramos a experiência da afetividade; estaríamos buscando as essências da Filosofia em sua amplitude de pensamento existencial, tal como diria Merleau-Ponty: “[...] numa experiência sempre rica de sentido, origem e possibilidade do pensamento objetivo.” (PONTY apud DOURADO, p. 84, 2009). O Professor Dourado, em avaliação a esse pensamento merleaupontyano acrescenta:



Reconhecemos a urgência de caminhar com os corpos; de, efetivamente, assumir a terra na qual nos encontramos para construir a existência e as teorias sobre ela e sobre nós mesmos. Teorias que ficam na memória de quem continua caminhando com os outros corpos, sempre aberto a um novo encontro, a outro desafiante diálogo de onde surgirão outros sentidos e teorias. (DOURADO, p. 85, 2009). (Grifo nosso).



Diante disso, vislumbramos ser inadequado o fantasma da cisão assombrando numa espécie de insistência retrógrada em separar mente de corpo, tendo em conta a vital necessidade orgânica – e até mesmo ontológica – de coabitação mútua.

Ao permitirmos a nós mesmos possibilidades de abertura ou, no mínimo, de uma reflexão sincera debruçada sobre o presente experimento, cujo foco, insistimos, foca-se nos benefícios que se agregam à educação, objeto do semear sapiente, e voltarmos nossa atenção para uma possibilidade livre na seara educacional, estaríamos valorizando o corpo sem privilegiar o intelecto em detrimento do corpo, numa unidade indissociável: Oriente e Ocidente, corpo e mente. E mais ainda, estaríamos fazendo jus a uma Filosofia libertadora em sua autêntica práxis. Afinal, em deferência a A.C. Ewing “A Filosofia requer grande variedade de métodos, pois deve abranger em sua interpretação todo tipo de experiência humana.” (EWING, 1984, p. 1).



5.2 A LIBERDADE DO CORPO E DA MENTE

A Arte Marcial pode ser entendida ainda como a expressão do corpo, uma fala que emerge enquanto gestual encontrado em cada kati do Kung Fu, interpretado como um todo em uma relação com o mundo, em sua articulação social como sentido do próprio pensamento onde fica evidente a demonstração do equilíbrio alcançado e sua respectiva flexibilidade (corpo e mente).

Merleau-Ponty “[...] critrica a possibilidade de se reduzir o fenômeno da linguagem a um processo mecânico, regido por leis fisiológicas ou psíquicas.” (FURLAN; BOSQUI, 2010, p.1). O movimento marcial permite ainda o contado com o Ser, pois une o pensamento filosófico com o movimento filosófico. Essa linguagem entre os corpos e seu profundo entendimento filosófico permite os indivíduos partilharem mutuamente de suas intenções, tal como se um habitasse o outro e cuja leitura comportamental traduz a conotação subjetiva para o fenômeno singular de apreender o sentido da outra conduta.

Exemplificando, quando um praticante marcial realiza seus gestos, sua expressão, sua linguagem está impressa e expressa em seu olhar, no vigor de seus movimentos, no extravasar de sua tensão ou estresse, e quem lhe assiste pode compreender perfeitamente o que se passa em seu interior, num sentir simbiótico que somente a filosofia pode explicar. E ambos, praticante e observador, ao concluírem esse ritual marcial, saem plenos de si e certos de que as lacunas foram preenchidas nessa busca orgânica pela intenção não verbal de uma linguagem que exprime o seu Ser e seu momento.

Essa união entre Filosofia e Arte Marcial, nos permite o acesso a uma “[...] percepção que inaugura a abertura para o mundo, como a projeção de um ser para fora de si [...]” (STIGAR, 2010, p. 1) em relações de sentido.

O mundo, a physis está no sujeito, num devir onde a Arte Marcial encontra respaldo e segurança, doadora desse sentido/consciência de sujeito que se expressa fisicamente, mas cujo entendimento só pode se alcançado pelo pensamento filosófico que permite a tradução e o sentir de sua emoção e intenção. A cólera, sua expressão, seu grito, evidencia mais do que palavras, que geram uma reação de defesa através de uma descarga glandular de adrenalina que busca a preservação da vida – de quem observa e de quem exerce tal demonstração rude. Na Arte Marcial esse processo passa pelo filtro do autocontrole pessoal, autônomo, guiado pela conduta da Filosofia e toda sua ampla possibilidade de experimento, o que resulta em equilíbrio de entendimento, sem agressividade, sem desgaste emocional, sem violência.

Essa forma de adaptação da educação para um mundo novo, essa, como diria Ponty, intersubjetividade é a constituição de um mundo de relações, relações que dirigimos para a educação, com a interdisciplinaridade entre Educação Física e Filosofia – isto num primeiro momento, à grosso modo, não deixando absolutamente as demais disciplinas fora desse bojo contextual – num movimento contínuo de transformação positiva e constante.

A Filosofia pode ser compreendida como um pensamento livre, e é sobre essa base que entendemos a produção de uma razão que não é passiva, mas esclarecida e que não tem necessidade de se guiar servilmente por outros, é que nos propomos a um experimento audacioso de manutenção do corpo e da mente; qualquer divisão de um conceito em apenas dois componentes opostos, em qualquer aspecto que gera perda é falho e capenga. A educação não pode incorrer nesse risco simplesmente pelo fato de ser um laboratório de formação. Essa possibilidade de adquirir uma maioridade filosoficamente pode ser alcançada através de uma atividade do próprio educando de modo tal que faça com que ele mesmo alcance sua autonomia, com desejo de se valer de seu próprio corpo, com coragem para fazer uso de seu próprio entendimento, do pensamento e da liberdade de ação que o conduz a sua maioridade plena.

Kant diria que “[...] aprende-se a filosofar pelo exercício e pelo uso que se faz para si mesmo de sua própria razão... A verdadeira filosofia deve, pois, fazer pensando por ela mesma, um uso livre e pessoal de sua razão e não imitar servilmente.” (KANT, apud RAMOS, 2010, p. 1). Conferimos crédito de que o ensino deve ser conduzido não por meio de palavras e exortações apenas, mas com gestos e ações que coloquem o aluno na condição ativa de partícipes da educação sem precisar da absurda “razão prática” da coação, sem a necessidade de intimidar a liberdade para elevar a consciência.

No capítulo 1 das Orientações Curriculares para o Ensino Médio, no tópico Ciências Humanas e suas Tecnologias – Conhecimento de Filosofia, encontramos logo na introdução o seguinte trecho: “A Filosofia deve ser tratada como disciplina obrigatória no ensino médio, pois isso é condição para que ela possa integrar com sucesso projetos transversais e, nesse nível de ensino, com outras disciplinas, contribuir para o pleno desenvolvimento do educando”. (ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA ENSINO MÉDIO, 2006, p. 15). Não estamos propondo nenhum absurdo aqui, pois há respaldo governamental nesse sentido, pelo contrário, nos convida a essa ação, a esse rumo, ocorre que os rumos podem ser inóspitos e audaciosos, Filosofia e Educação Física, pensamento oriental e ocidental, somar para crescer; Filosofia é o contato natural com toda ciência que envolva descoberta e exercite demonstrações sem imposições doutrinárias.

Pensamos que se a História da Filosofia nos ensina algo, cremos que sua maior herança seja que, ao estudá-la temos a certeza de que a História muda e hoje estamos mudando e fazendo história.



5.3 “MENS SANA IN CORPORE SANO”

Esse último conceito, ou melhor, definição, nos conduz a uma inferência mais profunda, a pensar uma Filosofia, digamos, funcional que extrapole os parâmetros de alavanca da ciência e dos labirintos cerebrais; a Filosofia é útil, mesmo para os que acreditam que a vida permeada pela physis dos grandes centros ou dos rincões agrestes não tenha nada que possa ter sido desenvolvido pelo ato fundante do questionar filosofal, pelo menos na prática concreta, ainda que velada, mas precisa ser algo que vai além de servir de se manter como elaboradora de questões para as ciências rotularem com seus conceitos, afinal, o movimento é entendido como as mudanças da physis, mais que nascer, crescer, ouvir, servir mudar é fundamental. E isso vai muito além do vigiar e punir, dos corpos dóceis.

Admitir que ao tomarmos ciência, ou ainda mais distante, socraticamente pensando, termos conhecimento de que o saber da própria ignorância é o começo da Filosofia, seja ela empírica (a que se experimenta sem um aparato científico, literário) ou epistêmica (a científica, a acadêmica) é dar um passo adiante, ou ainda, filosofar está no ato livre do pensar e extrapolar esse pensamento para âmbitos variados sejam metafísicos, sejam da matéria, já é em si mesmo Filosofia. Portanto, acreditamos que todos somos filósofos... Mas isso é um pensamento filosofal, passivo de uma liberdade unilateral. E é exatamente essa liberdade de atuação a grande magnificência da Filosofia.

A experiência da Filosofia Oriental calcada na possibilidade educativa de liberdade, em especial a inclusão da Arte Marcial na grade curricular, encontra respaldo em alicerces profundamente ocidentais que não se construíram ontem. Platão (427 a.C - 347 a.C.), em sua República, sempre destacava como requisito fundamental para o desenvolvimento da virtude, a prática da ginástica e o cuidado ao corpo (DUCLÓS, 2008, p. 1) já dizia a seu discípulo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) para que não se convertesse em um “rato de biblioteca” em função de somente estar absorto em estudos teóricos – apenas o intelecto bom num corpo deficiente não seria equilíbrio tampouco harmonia -; aquele, um exemplo disso, um atleta na acepção da palavra, defendia a máxima creditada ao poeta latino Juvenal (60 AD - 140 AD): “Mente sã em corpo são” (apud VAN PEER, 2008, p. 149).



(Sátira X) do poeta romano Juvenal:

Orandum est ut sit mens sana in corpore sano. Fortem posce animum mortis terrore carentem, qui spatium vitæ extremum inter munera ponat naturæ, qui ferre queat quoscumque labores, nesciat irasci, cupiat nihil et potiores Herculis aerumnas credat saeuosque labores et venere et cenis et pluma Sardanapalli. Monstro quod ipse tibi possis dare; semita certe tranquillae per uirtutem patet unica vitæ (VAN PEER, 2008, p. 149).









Prega-se que uma mente sã esteja em um corpo são.

Pergunte a uma alma corajosa que não tema a morte,

que pregue que a duração da vida se encontra nas bençãos da natureza,

e que seja capaz de suportar quaisquer sofrimentos,

não conheçe a raiva, nada cobiça e acredita que os sofrimentos e trabalhos

selvagens de Hércules sejam melhores que os prazeres , banquetes e

camas de plumas de um rei do oriente.

Eu revelarei o que você será capaz de se dar;

pois certamente que os caminhos de uma vida tranquila passam pela

virtude (Tradução nossa).



Sem querer parecer redundante, mas Platão dava mais uma demonstração de sabedoria em suas palavras dirigidas a Aristóteles. Unir a Arte Marcial com as possibilidades de saúde, controle pessoal e potência de ação na prática afetiva, junto ao manancial intelectual que a Filosofia oferta é gerar um ser – se não completo – mais próximo de uma areté tanto arvorada pelos gregos antigos (ocidentais, por sinal).

Defendemos particularmente ser interessante que a Filosofia saia da singularidade maçante de textos enfadonhos e que raramente alcançam os alunos. Se cativar é preciso, mudar também. O movimento escolar urge ser dinâmico. “A Filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 76.) (Grifo nosso). Mais subsídios: “[...] O pensamento, na atividade teórica, luta por alcançar o conhecimento da atividade prática, o mundo da vida (Lebenselt)” (HABERMAS,1989, p. 25 apud OLIVEIRA, 1999, p. 01.) (Grifo nosso). E, mesmo ciente de que muitos possam vir a discordar, é preciso ser coerente com nossa proposta de inovação, de conciliação, e por tal também trazemos o pensador que soube viver as duas vertentes: Bruce Lee, que nos faz avaliar que Arte Marcial não é só violência nos mostra que o combate pode ser visto como forma de buscar, pesquisar, enfrentar as dificuldades inerentes a um problema filosófico. Esse o autêntico combate (LEE, 2005, p. 28).

Compreendamos que a Arte Marcial é luta, não briga, e lutar, enfrentar as dificuldades inerentes a um problema filosófico é filosofia marcial pura em sua essência, somente possível com a interdisciplinaridade do pensamento oriental dentro do fluxo contínuo de ensino que vivemos no ocidente. Essa, uma vez mais a liberdade.

Observemos um breve instante a utilidade da própria Filosofia em si sob o signo de vultos ocidentais; Platão a definia como uma sabedoria autêntica a ser utilizada em prol dos seres humanos; Descartes defendia ser o conhecimento pleno de todas as coisas, a ser usada na vida, na saúde, nas invenções e nas artes; Kant, por sua vez, compreendia a Filosofia como o conhecimento lógico, racional, para se ter noção do que se pode fazer tendo como fim a felicidade; Em Marx essa mesma felicidade poderia se alcançada através de uma Filosofia que transformasse o mundo de forma justa e abundante; Espinosa então aproxima essa ideia ao defender que a Filosofia é árdua e difícil, mas o caminho para os que desejam a liberdade e a felicidade; Merleau-Ponty, finalmente mas não cabalmente, escreve que a Filosofia é o despertar. (CHAUÍ, 1999, p. 18). De certa forma as vertentes despejam suas formas de avaliar a Filosofia num único caminho: a liberdade.

[...] se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. (CHAUÍ, 1999, p. 18).



Se já não o suficiente essa série de raciocínios temos ainda o pensar filosofal de outras autoras nacionais do porte de Aranha e Martins, quando buscam explicar magistralmente a necessidade da Filosofia:



Portanto, a Filosofia é a possibilidade da transcendência humana, ou seja, a capacidade que só o homem tem de superar a sua imanência (que significa a situação dada e não escolhida). Pela transcendência, o homem surge como um ser de projeto, capaz de construir o seu destino, capaz de liberdade (ARANHA; MARTINS, 1987, p. 48).



Segundo o pensamento de Arcângelo Raimundo Buzzi (2007) também nos dá exemplos dessa possibilidade infinita quando se abre a mente para a conservação da união de uma a outra. Em sua obra Introdução ao pensar, o monge Buzzi busca alicerces na Filosofia Oriental para ilustrar sua própria obra. Na introdução do capítulo I, “O Ser”, ele une um provérbio chinês com um pensamento de Heidegger para exemplificar que a Filosofia é uma ferramenta de compreensão única. Depois, habilmente transcreve o poema Chuang Tzu na parte em que o personagem principal atravessa o rio Hao ao lado de Hui Tzu e ambos filosofam sobre a alegria (a busca ocidental filosófica).

Veja que maestria e exemplo de humildade de pensamento, um monge, preso ao dogma agostiniano/aquiniano, legitima um sem detratar o outro rompendo com o paradigma inquebrantável para colocar lado a lado o asiático com o europeu de épocas tão distantes. Discute a alegria, tão postulada pelos gregos antigos como o caminho culminante da Filosofia, através das palavras de um chinês. Isso é coragem. Mas não devemos parar na teoria ou numa simples teologia, mas no que amplifica e potencializa a liberdade filosofal que ele nos mostra.

Buzzi ainda nos alerta: “Todas as substâncias estão no devir, todas se transformam. Na transformação não perdem a identidade porque são ato e potência. Isto quer dizer que cada substância, embora seja atual, se abre a mudanças imprevisíveis.” (BUZZI, p. 53, 2007.) (Grifo nosso).

Existe o vislumbre dessa possibilidade através da aceitação, da mudança, ou, pelo menos, da permissão do experimento. Mas mudar para melhor, evidente. Mudar de forma empírica para que a episteme possa se consolidar com naturalidade de forma a confirmar e colaborar para o crescimento, a evolução do indivíduo e o respeito próprio da instrução escolar. Eis aqui mente e corpo, mente sã em corpo são. Trazer a junção da Filosofia Oriental com a Ocidental (filosofia, mente) isto somado com a Arte Marcial através de sua propagação via Educação Física (corpo, movimento) no ensino regular é a proposta de salto com uso do sustenido. Segundo o autor de Escola de deuses, Stefano Elio D’Anna (2007), nossa vontade precisa ser exumada.

Segundo o filósofo prussiano Immanuel Kant (1724 - 1804) – considerado um dos maiores pensadores da Era Moderna -, em sua Crítica nos força a termos coragem. (KANT, 2001, p. 611). Quem estuda Filosofia se propõe vencer a covardia que impede a maioridade do pensamento. É tão cômodo ser menor! Por causa disso, com facilidade, muitos se constituem em tutores e outros se deixam constituir em tutelados. (BUZZI, 2007, p. 179). Kant, tal como Buzzi, aposta na autonomia da razão e na “maioridade” do homem. Por que não nos autorizarmos a sermos maiores?

6 NOVAS RELAÇÕES

6.1 UMA FILOSOFIA PARA UM NOVO SÉCULO

Chegamos à conclusão de que Buzzi e Lee nos exaltam a sermos sinceros conosco mesmo, essa a maior dificuldade na jornada pela libertação em movimento. Liberdade de pensar, de refletir, de questionar, de sugerir possibilidades e mudanças, de agir, de erguer-se do platô estagnado e iniciar uma atividade em prol de algo que se acredita importante. No caso, tornar autêntica a liberdade filosofal do papel para a prática, objetivando com isso uma melhora no ensino regular, na vida do ser humano como um todo, através da saúde, tanto física quanto intelectual, pedagogicamente partindo do centro estudantil.

A junção dos pensamentos filosóficos do Oriente com o Ocidente é um embasamento que flui por si só a partir do momento em que o preconceito deixa de existir. Lee expunha que “A mente do homem e seu comportamento são uma coisa só, seu pensamento e expressão externa não podem contradizer um ao outro. Por isso, o homem deve estabelecer seu princípio corretamente, e essa mente correta (princípio) influenciará sua ação”. (LEE, 2007, p. 31). (Grifo nosso). Como uma pessoa pode se formar em uma área exclusivamente mental e exercer essa mesma área de forma prática através de atividades exclusivamente mentais? Isso seria incoerente com o princípio descrito por Lee. Uma pessoa que molda, esculpe, constrói seu intelecto precisaria também que seu corpo estivesse no mesmo nível de evolução e desenvolvimento. Assim terá condições de avançar intelectualmente, sendo fisicamente saudável. Flexível e equilibrada.

Se pararmos para pensar nas mudanças empresariais que o século XXI vem apresentando, com o fito preponderante de melhorar a qualidade de vida de seus funcionários junto ao rendimento laboral, tal como pausa do trabalho para relaxar, massagens e atendimento voltado para o bem-estar, atividades de alongamento e até academias em setores empresarias, a exemplo do que vem ocorrendo com empresa do porte da Google , veremos uma nova filosofia despontando no núcleo capitalista que pode nos alertar para essa nova postura. O exercício físico sempre foi divulgado e defendido em todas as correntes. A mente e o comportamento podem trabalhar juntas não apenas de forma mecânica, tal como um motorista, um digitador, ou um burocrata do carimbo. A mente sã em corpo são pode vir a ser esse princípio. Filosofando à medida que se exercita o corpo, moldando-o, tornando-se flexível e equilibrado, por conseguinte torna-se flexível e equilibrado também o caráter do indivíduo.

O filósofo, educador, artista e até mesmo esoterista Rudolf Steiner (1861 – 1925) já destacava o tipo de problema que se pode encontrar nessa jornada: “Isso parece óbvio. Não obstante, os principais ataques dos adversários da liberdade dirigem-se somente contra a liberdade da livre escolha.” (STEINER, 1918, p. 4). Construir pessoas capazes de escolherem com segurança e opinião própria seu caminho é algo que pode vir a se tornar um inconveniente. Alguém que questione a política, o executivo, o legislativo e o judiciário vigentes, atuantes e perenes não lhes interessam. É condenado ao ostracismo. Ao vergonhoso estado de equivocado. Em tempos freirianos, ao exílio. Justificativas são dadas e fundamentadas com a mais bela retórica que se possa encomendar. Devemos permitir tal como Martin Heidegger – um dos pensadores fundamentais do século XX, atribuía muita importância à Filosofia e à cultura (1889 – 1976) - sugere em sua fenomenologia – ciência da consciência – que vejamos o fenômeno tal como ele se mostra por si próprio, liberado de seus encobrimentos, e assim veremos o ser o ente, o ponto de abertura. A lei confere o poder de julgar os outros e de se sentir superior a eles. As regras não podem trazer a liberdade. Elas têm o poder de acusar. Sem querermos ser idealistas, mas devemos revisar com comprometimento a importância histórica que a Filosofia e as Artes Marciais podem trazer de concreto para o ser como um todo.

Bruce Lee em sua obra O tao do jet kune do, nos orienta que uma luta, um embate é travado com bases emocionalmente psicológicas. Ele mostra sempre que o indivíduo que se propõe combater deve estar preparado não só fisicamente, mas mentalmente também. O uso da inteligência combinada com a habilidade física leva à vitória e à liberdade outrora oprimida, ameaçada. Essa a tática. A libertação não é apenas política, mas social, livre do medo. Sentir-se bem, seguro, é emocional e psicologicamente importante. A briga, normalmente atrelada aos descontroles e objetos de agressões físicas em praças públicas, passam a reduzirem-se à medida em que o controle pessoal absorvido pela filosofia marcial começa a imperar. As pessoas optam por uma dialética ou ao uso de seus direitos juridicamente se for o caso, ao invés de se estapearem. Essa característica vai crescendo e tomando forma interna no ser humano e pode surgir dentro do âmbito escolar, pois escolas (públicas ou privadas) existem em todo o Brasil e academias são poucas e raramente públicas. Essa nova possibilidade social harmoniosa pode vir a se tornar uma constante para todos a partir do momento em que a disciplina da Arte Marcial passe a ser ministrada nas aulas de Educação Física em interdisciplinaridade com a Filosofia e as demais matérias alcançando a isonomia da prática.

O treino e introspecção que elevam o caráter, o moral e tonifica a confiança, acabam extirpando do corpo indolente da criança e do adolescente a morbosidade da inatividade, o estresse, a inaptidão, incluindo, por exemplo, uma re-educação alimentar (Biologia, Química, ou Nutrição), o respeito, a imersão pela leitura e estudo das grandes obras e a sapiência para a escolha adequada.

Conforme Pansarelli e Piza dão as pistas: a Filosofia passa a ser um

[...] projeto pedagógico institucional que pretende a formação não alienada do contexto cultural em que é produzida, abrangente quanto à criticidade, reflexiva, não preconceituosa do universo e do ser humano e que possa conciliar o conhecimento científico com a prática cidadã. Disciplina que possibilite a formação humanística ao aluno (PANSARELLI; PIZA, 2008, p. 11). (Grifo nosso).



Um aluno conduzido sob essa égide não precisa de muito esforço do Professor para ministrar uma aula convencional. Não há a necessidade de atuar com rigor, pois a disciplina interna que lhe é ofertada faz com que ele mesmo saiba se posicionar e apreciar com valor o que lhe é ministrado. Afinal, como bem salienta o Professor e Filósofo francês Michel Foucault falecido em 1984: “É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir.” (FOUCALT, 2004, p. 12). Essa forma de conduta é que gera o que Freire preconiza como “[...] reflexão crítica sobre a prática” onde a “exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo.” (FREIRE, 2002, p. 11). Assim se dá a volta por cima e supera-se o que ele chama de autoritarismo e erro epistemológico do “bancarismo”.









6.2 LIBERDADE PARA SOMAR

O senso crítico que a Filosofia oferta é uma enorme placa de indicação na estrada da vida. Se a pessoa opta por fazer valer sua liberdade de não enveredar por tal ou qual caminho, é uma questão de liberdade pessoal, todavia, impera que se saiba escolher e que esse senso de escolha não dependa unicamente da sorte como caminho verdadeiro. Se o viajante da via existencial puder fazer de tudo para conseguir uma bagagem que o capacite a escolher os melhores caminhos dessa estrada, compreendemos que chegará mais rapidamente e com maior tranquilidade ao seu destino escolhido.

Sopesemos um leve fragmento da filosofia kantiana, onde encontramos a existência de um método conhecido por denominar-se método reflexivo, dentro do qual “ [...] a análise reflexiva está, pois, ligada à ideia crítica [...].” (PASCAL, 2005, p. 33). Ora, segundo Pascal, em análise à crítica de Kant, não é possível que todos os espíritos estejam de acordo com todas as proposições, mas é importante que tenhamos juízo livre das coisas que se ofertam para que possamos escolher a que melhor nos convém. Ainda em Kant, ele nos oferece essa possibilidade quando nos mostra os dois tipos de juízo, o analítico e o sintético, sendo que, segundo ele, o analítico analisa o conteúdo sem apelar a elemento novo; já no juízo sintético acrescenta-se algo ao conceito. Na essência deste postulado experimental, seria acrescentar e não tirar, somar e não dividir, sempre com o fito de avanço, progresso, bem-social e mantendo em foco a eterna busca filosofal dos gregos antigos, dos epicuristas, dos estóicos: a felicidade como princípio comum, a liberdade como corolário.

Seria deveras interessante nos permitir fazermos uso do nosso tempo de forma tal que as teorias pudessem sair do mundo das ideias e passarem à condição de todo vir-a-ser. Na prática, na ação. Assim deixamos de permanecer exclusiva e unicamente na condição subjetiva da percepção dos fenômenos. Converter o que nos é dado na intuição, interpretado pelo entendimento, ajustado pelo pensamento e ir além do conceito. O sublime ultrapassaria assim todos os limites dos sentidos.

Participamos da imagem de que somos entes, seres, que sentem, intuem, gostam, anelam, entretanto é coeso admitir, estamos em níveis diferentes de ser e de saber. Esse phatos que conduz a vocação de um indivíduo para o ato de ensinar lhe propicia também o ato de aprender. Apresentar oportunidades a quem assim o quer ou a quem sequer imaginou que pudessem existir é um ato fraterno e humano, permeado pela possibilidade de avanço e evolução globais, isentos de paralogismos. “A natureza da boa vontade é o querer que a conduz.” (PASCAL, 2005, p. 104). Pascal ainda justifica essa tese ao explicar que ao passo que nosso entendimento preso ao discurso deixa de obter subsídios para conhecer a physis nós fracionamos as partes. Verificamos assim, que fracionando não se conseguiria uma contribuição do pensamento oriental para cultivar esta experiência educativa de liberdade. Através da percepção das urgências e possibilidades infinitas obtêm-se um conhecimento direto (tal como a intuição proporciona) da totalidade da natureza; assim, se conhece o todo antes mesmo das partes.

Immanuel Kant deixou a lição em suas obras magnas, na Crítica da razão pura ele conclui que o conhecimento humano é incapaz de transcender o mundo sensível; na Crítica da razão prática ele conclui que a conduta humana não teria sentido sem a suposição de um mundo inteligível, e, para fechar ele soma tudo em sua Crítica do juízo ao assegurar a transição entre entendimento e a razão; mundo sensível e inteligível; o juízo seria então a faculdade mediadora, pensar o mundo sensível em referência o mundo inteligível. Mediar e unir.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos hoje com naturalidade que a Filosofia dita europeia não nos é de todo adequada no que se encerra em seu contexto exclusivo, ou seja, a Filosofia do europeu seria para o europeu e podemos aproveitar seu pensamento de forma fragmentada para o topos latino americano.

Sabemos ainda que ajustes são feitos para nossa visão filosófica de vida, nossas necessidades distintas.

Portanto, já que “importamos” uma Filosofia europeia, realizar uma amálgama livre de preconceitos com tal ou qual pensamento emergente ou milenarmente existente seria de extrema valia para o avanço e desenvolvimento do ser humano, não apenas para a América Latina, não apenas para o Brasil, mas – perdoe-nos a audácia - para toda uma comunidade planetária.

Cogitarmos a manutenção da educação perenemente como está seria acreditarmos unicamente que a Filosofia, depois de tantos anos fora da grade curricular, regressou para unicamente incutir nos alunos formas de aprender a pensar. A Filosofia está além, ela pode até ensinar formas de aprender a pensar, não há problema nisso, o problema está em se manter estagnada, sem ação, unicamente nesse paradigma. O aluno precisa ter a liberdade também de aprender a conduzir-se, e se ele está num banco escolar, diante de um mestre da educação, ele acredita em sua essência que isso lhe será revelado de alguma forma por aquele maestro do saber.

Não há liberdade onde não se conhece os limites das grades. A violência não está na Arte Marcial ou no uso da Filosofia Oriental com Ocidental, está na imaginação brutal e moralizante da sociedade. (ALMEIDA, 2003, p. 21). Por conta dessa imaginação distorcida, “[...] os hábitos vigentes não são tomados como imutáveis e desde sempre instituídos – muito menos ‘naturais’, quer dizer, segundo a natureza humana.” (ALMEIDA, 2003, p. 21). (Grifo nosso).

O mestre ainda nos conduz gentilmente, “É a ocasião de mudar os hábitos de pensar sempre da mesma maneira as mesmas coisas e instituir outros hábitos; [...] inventar hipoteticamente outras inserções cidadãs.” (ALMEIDA, 2003, p. 26). Estamos aqui falando de instrução escolar atrelada a educação familiar que gera um círculo contínuo e vitorioso. Sair do ciclo vicioso para o virtuoso.





[...] A escola ocupa duas posições decisivas: lugar de transmissão de valores morais e palcos de promessas éticas. [...] Se há algo para transmitir, [...] nossa possibilidade de recriar os hábitos, [...] de reinventar novas soluções [...]. Descobrir possibilidades de instaurar outros hábitos que não são exatamente aqueles sedimentados na cultura. (ALMEIDA, 2003, p. 27).



Temos a oportunidade em nossas mãos. Somos mentes formadas para alcançar a liberdade e vislumbrar horizontes de possibilidades. Depararmos com dificuldades e problemas é uma constante fundamental para a busca de novos ajustes que possibilitam o salutar avanço. A oportunidade de se estar numa escola, realizando seu papel, é participar do que o Professor Almeida nomeia de “posição decisiva”. Dar a chance de um aluno saber que a Arte Marcial pode lhe ser benéfica e à sociedade de experimentar essa segurança é procurar o acerto dentro do campo que a liberdade filosofal nos permite.

O corpo faz a ética, melhor, o corpo é o lugar da ética. [...] que o amor pelo ‘meu’ corpo não resulte na destruição de ‘outros’ corpos. Por isso, o corpo precisa também libertar-se de seus hábitos, para que comece a viver junto de outros corpos, visualizando novas possibilidades habituais; novos hábitos educacionais, políticos, sociais, econômicos, políticos. (ALMEIDA, 2003, p. 28).



Lee sustentava que o ser humano tem mais fé no que imita do que no que cria. Para ele era fundamental pensar criticamente e ao mesmo tempo manter a mente receptiva para o aprendizado contínuo. Freire destaca que um Professor para ensinar precisa ser dotado de “[...] segurança, competência profissional e generosidade [...].” (FREIRE, 2002, p. 56). Então percebemos que os Professores também precisariam passar por todos esses estágios para compreenderem a necessidade e os valores embutidos nessas práticas, assim, o senso crítico fica mais próximo da concretude do que na ilação e essa passagem é fundamental.

Percebemos aqui que qualquer ensino de boa qualidade só se manifesta num ambiente de liberdade. De todas as liberdades, sem abrir mão da disciplina e entendamos disciplina aqui como esforço e não conduta opressora.

A Arte Marcial está além da ética embutida em seus preceitos básicos de conduta, a Arte Marcial está dentro do que a Filosofia universal reza: LIBERDADE.

Não há nada de novo aqui. Nada de especial nesta proposta. O Kung Fu existe há mais de quatrocentos anos. A paideia existe há milhares de anos, na Grécia Antiga eles a destacaram. O que se inova é a oferta de oportunizar ao aluno, ao professor, à sociedade a possibilidade de converter a linguagem em movimento de forma efetiva, prática, concreta, uma dentre tantas outras possibilidades. Conhecer a si mesmo, à própria capacidade latente e escolher o que melhor funciona para mim, como ser individual que respeita, e saber viver em coletividade buscando o bem-estar. Pensando bem, tampouco há inovação nesse experimento, pois a Filosofia, a Educação, percorrem desde seus primórdios mudanças em si e na história.

Por segurança, a vida ilimitada é transformada em algo morto, um padrão escolhido que é limitador. Para entender o Jeet Kune Do, você deve se livrar de todos os ideais, padrões ou estilos. De fato, deve se livrar até mesmo dos conceitos acerca do que é ou não é ideal no Jeet Kune Do. Você pode analisar uma situação sem nomeá-la? Nomeá-la, transformá-la em uma palavra, causa medo. (LEE, 2005, p. 25.) (Grifo nosso).



O fator preponderante por trás do Jeet Kune Do, ou sua filosofia de base é que ele não tem limites para crescer ou para eliminar o que não serve. Usa-se apenas o que funciona.

Uma das filosofias da Arte Marcial é de que a mesma nada mais é do que um meio de se alcançar a consciência espiritual através de uma arte física.

Um professor, segundo Lee, nunca é um doador da verdade, mas simplesmente um indicador do caminho que conduz a ela. Cabe ao aluno, diante das possibilidades de escolha que lhe são ofertadas, fazer uso de sua liberdade consciente e escolher qual.

Ou, de outra forma, para aqueles que regem o Ministério das aulas e exercem personalidade mínima para a máxima expansão do Professor e do próprio aluno: cultura é o que sobra depois que esquecemos tudo o que estudamos.

Esperamos profundamente que ao sermos tomados pelo phatos da produção deste texto, nossa ânsia de passar para o papel nosso objeto, não tenhamos corrompido ou mutilado a essência imanente que brota do “mundo das ideias” e que precisa passar pelo corpo ansioso de perfeição, escorrendo a mensagem principal no curso metafísico do pensar filosófico até o caminho orgânico da ponta de nossos dedos.

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