- APRESENTAÇÃO -

O objetivo deste Blog é divulgar projetos, pesquisas, trabalhos, textos que abranjam o pensamento filosofal de diversas áreas e diversos pensadores, disponibilizando-os a quem assim quiser partilhar e precisar para suas próprias investigações e pesquisas. Grato a todos que me ajudaram: Professores, Tutores e Colegas.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

EPISTEMOLOGIA: RAZÃO, CIÊNCIA E SUJEITO EM RENÉ DESCARTES

Universidade

Metodista de São Paulo

Filosofia - Licenciatura

RICARDO LUÍS DO PRADO

EPISTEMOLOGIA: RAZÃO, CIÊNCIA E SUJEITO EM RENÉ DESCARTES

São Bernardo do Campo

2011

RICARDO LUÍS DO PRADO - 163325

EPISTEMOLOGIA: RAZÃO, CIÊNCIA E SUJEITO EM

RENÉ DESCARTES

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao Curso de Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP - Faculdade de Humanidades e Direito, como requisito parcial da Licenciatura em Filosofia.

Prof. Ms. Dr. Suze de Oliveira Piza

São Bernardo do Campo

2011

RICARDO LUÍS DO PRADO - 163325

EPISTEMOLOGIA: RAZÃO, CIÊNCIA E SUJEITO EM

RENÉ DESCARTES

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, aprovado, apresentado ao Curso de Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP - Faculdade de Humanidades e Direito - FAHUD, como requisito parcial da Licenciatura em Filosofia, com nota final ______, conferida pelo Orientador.

____________________________________________

Leitor: Prof. Ms. Dr. Wesley Adriano Martins Dourado

Universidade Metodista de São Paulo - UMESP

________________________________________

Orientadora: Prof. Ms. Dr. Suze de Oliveira Piza

Universidade Metodista de São Paulo - UMESP

Docente da Faculdade de Humanidades e Direito

Coord. do Curso de Pós-Graduação em Filosofia Contemporânea e História

Londrina,____de_________2011.

DEDICATÓRIA

Em perpétua memória de um homem que amava viver, mas que por ironia da própria vida foi impedido de continuar a vivê-la, meu pai.

Gilson do Prado

N-20/01/1949

F-14/03/1986

AGRADECIMENTO

Aos Professores e Amigos:

Meu Muito Obrigado!

PRADO, Ricardo Luís do. Epistemologia: Razão, Ciência e Sujeito em René Descartes. 2011. 76 p. Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (Licenciatura em Filosofia) – Universidade Metodista de São Paulo – UMESP - Faculdade de Humanidades e Direito, Pólo Londrina, 2011.

RESUMO

O intuito deste trabalho procura tratar a teoria do conhecimento focalizando a razão, ciência e sujeito em René Descartes. Este filosofo, considerado pai da filosofia moderna, se serve de um ceticismo metodológico como ferramenta principal na busca de uma verdade indubitável. Descrente dos conhecimentos vigentes de sua época, o filosofo se vê na necessidade de uma verdade que possa estar livre de qualquer dúvida. Mas não quer fazer como os céticos tradicionais, pois para ele, tais céticos não praticam o ceticismo com rigor. Descartes não era cético, obviamente, foi um filosofo tradicional, pai da filosofia moderna, que engendrou um caminho que o levaria a uma certeza que ele tanto procurava uma certeza contra os céticos. Descartes mostrará que quando se duvida com rigor --- não duvidando de uma coisa de cada vez, pois morreríamos antes de duvidar de tudo ---, mas levando à duvida ao nível mais alto com toda a radicalidade, chegaria em uma certeza. A dúvida de Descartes não ficou somente limitada no campo dos sentidos, mas também foi estendida ao campo do intelecto, ou seja, nas ciências matemáticas. Para levar a duvida de igual rigor ao campo do intelecto, Descartes lança mão de uma hipótese muito criativa chamada “gênio maligno”; esta hipótese faz com que o filósofo imagine que quando ele pensa, este gênio, junto com o pensamento dele, faz com que pense o errado como sendo o certo. Mas uma coisa era preciso para que este gênio o enganasse, era preciso que Descartes estivesse pensando e existindo. Então ele chega ha sua primeira verdade, a verdade que Descartes procurava um ponto arquimediano que sustentaria as bases do novo edifício do conhecimento: “penso, logo, existo”. Esta primeira verdade o levará a verdade sobre a existência de Deus, e consequente à certeza do mundo externo. Mas este método encontrado por Descartes, possui uma limitação no que diz respeito ao conhecimento moral. O próprio filósofo terá que criar uma moral provisória para garanti-lhe o convívio social, sanando a insuficiência de seu método.

Palavras-chave: Gênio Maligno. moral provisória. cogito, ergo, sum. Descartes. dúvida metódica.

PRADO, Ricardo Luís do. Epistemologia: Razão, Ciência e Sujeito em René Descartes. 2011. 76 p. Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (Licenciatura em Filosofia) – Universidade Metodista de São Paulo – UMESP – Faculdade de Humanidades e Direito, Pólo Londrina, 2011.

RESUMEM

El propósito de este trabajo tiene como objetivo hacer frente a la teoría del conocimiento y concepto de sujeto en Descartes de cogito ergo sum. Descartes hace uso de un escepticismo metodológico como herramienta principal en busca de una verdad indudable. Incrédulo el conocimiento existente de su tiempo, el filósofo se encuentra en la necesidad de una verdad que puede estar libre de cualquier duda. Pero no quieren a los escépticos tradicional, porque para él, estos escépticos no practican con escepticismo rigor. Descartes no era escéptico, por supuesto, fue un filósofo tradicional padre de la filosofía moderna, que produjo un camino que llevaría a una seguro de que él estaba buscando una seguridad contra los escépticos. Descartes muestran que en caso de duda con precisión no dudar de una cosa --- Sin embargo, antes de morir --- todo lo duda, pero que conduce a dudas al más alto nivel con todas las radicalismo llegaría en un seguro. La pregunta de Descartes no se limita sólo en el ámbito de la sentidos, pero también se extendió a la esfera del intelecto, es decir, en ciencias matemáticas. Para llevar a dudas el mismo rigor que el campo de la intelecto, Descartes hace uso de un evento muy creativa llamada "El mal genio", esta hipótesis hace que el filósofo imagina que cuando él piensa, este genio, junto con el pensamiento de él, le hace pensar lo que mal como bien. Pero una cosa que se necesitaba para este genio el error, era necesario y que Descartes estaba pensando allí. Luego se su verdad ha en primer lugar, la verdad que Descartes buscando un punto de Arquímedes que sustentan la base del nuevo edificio conocimiento: "Pienso, luego existo." Esto dará lugar a la primera verdad verdad sobre la existencia de Dios, y por lo tanto la seguridad del mundo externo. Sin embargo, este método se encuentran por Descartes, tiene una limitación con respecto al conocimiento moral. El filósofo se tendrá que crear una garantía provisional moral de su vida social, satisfaciendo las insuficiencia de su método.

Palabras – Clave: Evil Genius. cogito, ergo, suma. Descartes. la duda metódica. moral provisional.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 9

1 DISCURSO DO MÉTODO – PRIMEIRA PARTE .......................................... 16

1.1 AS INSATISFAÇÕES DE DESCARTES FRENTE ÀS INCERTEZAS DO SEU TEMPO ...... 16

1.2 O RENASCIMENTO E O BIG BANG DO CONHECIMENTO ..................................... 19

1.3 DA INSATISFAÇÃO, NASCE A NECESSIDADE DE UM MÉTODO............................. 20

2 DISCURSO DO MÉTODO – SEGUNDA PARTE.......................................... 26

2.1 AS REGRAS DO MÉTODO ........................................................................... 26

2.2 OS QUATROS PRINCÍPIOS DO MÉTODO CARTESIANO ...................................... 29

2.3 O PRIMEIRO PRINCÍPIO: UM CETICISMO PROFISSIONAL ................................... 30

2.4 SEGUNDO PRINCÍPIO: ANÁLISE OU DECOMPOSIÇÃO........................................ 37

2.5 TERCEIRO PRINCÍPIO: COMPOSIÇÃO OU SÍNTESE ........................................... 38

2.6 QUARTO PRINCIPIO: ENUMERAÇÃO OU VERIFICAÇÃO ...................................... 40

3 DISCURSO DO MÉTODO – TERCEIRA PARTE ......................................... 43

3.1 A MORAL PROVISÓRIA ............................................................................... 43

4 DISCURSO DO MÉTODO – QUARTA PARTE ............................................ 49

4.1 DO COGITO À EVIDÊNCIA ........................................................................... 49

4.2 COGITO, ERGO, SUM: A CONCEPÇÃO DE SUJEITO (RES-COGITANS) ................. 50

4.3 A EVIDÊNCIA DE DEUS E A METAFÍSICA CARTESIANA ...................................... 57

4.4 A EXISTÊNCIA DO MUNDO EXTERIOR (RES-EXTENSA) ..................................... 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 70

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 75

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INTRODUÇÃO

No dia 31 de Março no ano de 1596, nascia na cidade La Haye, em Tourenne, um homem que ao longo de sua vida se tornaria um marco na história da filosofia, René Descartes. Quatrocentos e quinze anos depois, exatamente no dia 31 de Março de 2011, eu, Ricardo Prado, graduando em filosofia pela Universidade Metodista de São Paulo, dei inicio a este trabalho acadêmico de conclusão de curso, que tem como meta investigar o que este grande filósofo, considerado o pai da filosofia moderna, tem para nos oferecer ainda hoje com o seu método deixado para nós como herança. Foi para mim uma surpresa muito gratificante ao saber que, o dia em que eu escolhi para dar início a um intenso trabalho de investigação sobre Descartes, descobri que era o dia de seu aniversário, ou seja, a minha investigação começou no dia em que o meu investigado nasceu, e isso, não foi de propósito.

O século XVII, a filosofia, pelo menos no que se refere ao continente europeu, apresentou uma forma de desenvolvimento fechado de forma relativa e constante. Todos os espíritos pensantes se preocupam com os mesmos tipos de problemas, as mais variadas formas de trabalho intelectual de intuir soluções estão interligadas entre si, que aos poucos em suas construções e descobertas foram contribuindo cada um com suas particularidades próprias a uma grande corrente intelectual que se transformou e virou a cabeça do mundo influenciando o mesmo até os dias de hoje.

Particularidades que foram muito favoráveis em uma época onde a razão tomava o seu lugar como vontade pela necessidade de uma busca autônoma do intelecto. A razão que se declarou no Renascimento a sua maioridade livre e independente, agora, em passos mais largos, avança em uma marcha que visa um fim vitorioso com grandes avanços e conquistas ainda maiores dos que já haviam adquirido.

Um tempo em que os raciocínios matemáticos, ou se preferir, as ciências matemáticas, uma ciência com sua extrema característica de generalidade, e que se encontrava além de todas as particularidades nacionais e individuais, que se mostra acessível e compreensível a qualquer pessoa, se levanta como sendo o ideal de conhecimento a ser alcançado.

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Se com as formas apresentadas pelas ciências matemáticas encontramos um método garantido e intocável de demonstração como acreditava-se na época, e não somente naquela época, mas ainda hoje, porquê, perguntavam neste período, se não seria possível colocar as mesmas cogitantes matemáticas em todo o conhecimento humano? É uma pergunta difícil, mas como veremos mais adiante, vai se levantar neste mesmo período um expoente francês que transformará e influenciará gerações com o seu método encontrado, método este que partindo da subjetividade do sujeito para encontrar nele mesmo, as verdades indubitáveis do mundo. Verdades tão almejadas que naquele tempo acreditavam estar muito próximo de ser alcançadas. Por que não empregar de igual modo as formas matemáticas de aquisição de conhecimento também em outras áreas, sobretudo na filosofia, em uma base totalmente semelhante? Isso se tornará uma meta que acarretará em grandes conquistas e uma fadigante tarefa para grandes autores, que como veremos ao longo deste trabalho, como muitos destes se destacaram e contribuíram para tal feito. Mas como veremos, o principal autor, que é o protagonista titular desse trabalho, é que vai ser considerado pela história o instaurador da razão e da modernidade.

Nessa época, no século XII, à filosofia já não é mais entendida separadamente da matemática. Nesse século, essa realidade já pode ser atestada em autores como Leibniz, Pascal, Spinoza, este último conhecido por ter construído seu pensamento em bases geométricas, ou seja, à maneira da geometria, e o titular desse trabalho, René Descartes. A inspiração desse trabalho é justamente este francês filósofo e matemático que contribuiu de forma elementar na história da filosofia ou também podemos chamar da história do pensamento ----, por uma implantação do matematismo no processo do conhecer.

A busca da clareza formal se constitui em uma árdua caçada por parte dos homens (filósofos e cientistas) daquele tempo. Houve uma construção harmônica, um certo equilíbrio de todas as partes do conhecimento e do todo. Tal idéia inspirada na matemática, que justamente foi nela que se encontrou uma expressão mais evidente e clara.

Essas características comuns, quero dizer, esse ideal racional matemático do conhecimento, e o árduo trabalho de encontrar para a filosofia uma forma ou principalmente um método de como adquirir conhecimento válido e seguro igual os da matemática, que seja universalmente eficaz; e o predomínio da razão

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luminosa; e também por último, um grande empenho de criar um sistema de caráter filosófico de pensar equilibrado, que esteja baseado em poucos e fáceis conceitos básicos e seguros ao entendimento, todas estas expectativas são de comum acordo nos espíritos da época.

Encontramos essas características comuns em quatros grandes sistemas filosóficos desse período. É claro que não se constituem os únicos, de forma alguma, mas, todavia, nos são apresentados pela história da filosofia como sendo os de grande apreço. São considerados os pontos mais altos de uma carreira filosoficamente intensa em todo o Ocidente. Tanto são considerados pontos chave esse engendramento filosofante que, todos os tipos de problemas encontrados na filosofia daquela época, caracterizadas com as inúmeras tentativas de soluções de tais problemas, estão nestes autores contidos de uma forma tão completa que às idéias dos sistemas de Descartes, Spinoza, Pascal e Leibniz podem nos proporcionar uma visão mais saliente, correta e universal da filosofia européia que se instaurava, e já estava instaurado em partes no século XVII.

Dos quatros autores que mencionei acima, é do primeiro que pretendo conversar aqui neste trabalho. Veremos como Descartes, com o seu método por ele encontrado, apresenta-nos uma alternativa de construir bases firmes e sólidas ao edifício de todo conhecimento que era a intenção na época como já foi citado acima. É claro que não pretendo trabalhar de forma completa tudo o que este filósofo contribuiu para o pensamento. Isso seria um grande despautério e pretensão inadequada de minha parte. Mas apenas demonstrar de forma simples e clara um pouco do que Descartes propusera naquele tempo e também para nós hoje. As obras que serão utilizadas para esta humilde tentativa de apresentar o que este filósofo nos deixou com seus pensamentos, serão em primeiro lugar o “Discurso do Método” escrito por ele no ano de 1637; e a sua segunda maior obra e muito conhecida camada: “Meditações,” realizada quatro anos depois em meados de 1641.

O problema central deste trabalho de conclusão de curso de filosofia da Universidade Metodista de São Paulo, será, como está explícito no título: “Epistemologia: Razão, Ciência e Sujeito em René Descartes”. Como o próprio título deste trabalho já nos diz, tentarei discorrer de forma breve, sem querer desgastar todo o problema, pois isso seria impossível, por se tratar de um trabalho que não visa tal façanha que, até hoje na história da filosofia, este tema ainda não foi totalmente discutido e tão pouco encerrado, mas apenas de como Descartes chegou

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à sua primeira evidência que ele desejava para dar início a uma reconstrução da casa do saber.

Apresentarei em princípio, as insatisfações que Descartes vivenciou em seu tempo frente aos sistemas filosóficos que sustentavam as ditas “certezas” daquele tempo. Descartes, como analisaremos, não estava satisfeito com as verdade dadas. Dizia ele que, tudo o que era tido como verdade, nada mais era do que especulações, todas estavam sujeitas ao escrutínio da dúvida. Nenhuma verdade estabelecida, dizia Descartes, continha caráter eu demonstrações indubitável. Depois de ter terminado os seus estudos, se viu insatisfeito, pois percebeu que onde ele acreditava encontrar homens sábios que lhe pudessem apresentar os conhecimentos mais evidentes, na verdade, tais conhecimentos apresentados a ele eram cheios de dúvidas e incertezas. Tudo era incerto para Descartes.

Mas havia uma forma de conhecer que para Descartes se constituíam as únicas capazes de demonstrar em seus enunciados, verdades certas, são às ciências matemáticas. Tal grau de raciocínio matemático, como já foi salientado acima, satisfazia as mentes mais desejosas do conhecimento real e verídico. Então, demonstrarei como em suas obras o Discurso do Método e Meditações, como este filósofo se compreendeu como tendo uma missão de levar esta mesma forma da ciência exata também ao campo das ciências humanas.

A dúvida sistemática será o primeiro princípio do método que antecede mais três --- os da análise ou decomposição, síntese e por último o da enumeração ou verificação. Estes quatros princípios serão apresentados um a um. Devido que estes princípios são fundamentais para o método de Descartes. O primeiro visa trilhar o caminho da dúvida totalmente ao contrário do que se fazia na época, nas ciências, primeiro sempre se parte das certezas. Descartes caminha seu pensamento pela via inversa, entende a não considerar nenhum conhecimento verdadeiro até que se possa obter absoluta certeza. O segundo se trata de que --- os problemas devem ser divididos em tantas partes fossem possíveis para melhor analisar sistematicamente. O terceiro, como veremos, nada mais é do que depois de ter dividido o problema em partes possíveis, se deve partir as análises dos conhecimentos dos mais simples aos mais complexos de resolver, devido que o filósofo Descartes entende que o conhecimento é evolutivo. Um determinado conhecimento prepara para um outro e dá as bases para o entendimento do mais

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complicado e complexo do que o anterior. Por fim, o quarto e último principio, é preciso fazer revisões gerais para poder ter a absoluta certeza que nada ficou para trás. Verificar se as verdades encontradas pelo método sobrevivem à exposição da dúvida metódica uma a uma rigorosamente.

Depois um breve resumo sobre os acontecimento da época em que Descartes viveu, um pequeno olhar panorâmico sobre o que estava acontecendo naquele período tão rico de descobertas que até tive a ousadia de chamar Big Bang1 (grande explosão) do conhecimento. Entendi expor um pouco do tempo em que Descartes viveu devido que seria muito válido saber um pouco do contexto deste autor tão importante na história da filosofia.

O problema de Descartes, não é somente o problema do conhecimento em sí, mas, como terei o prazer em apresentar, mostrarei que Descartes começa esta conversa toda sobre procurar uma certeza pura, é também devido o ceticismo dos céticos da época. É um problema contra o ateísmo. Descartes quer demonstrar aos céticos que seus ceticismos não são radicais, pois para ele, já que é para duvidar, deve-se duvidar mesmo, se deve, no entanto, levar a dúvida ao mais alto nível e radicalidade. Descartes quer demonstrar para os céticos de como se deve duvidar de verdade. Quer lhes ensinar a duvidar, e quando Descartes lhes ensinarem a duvidar, demonstrará aos céticos que o nível absoluto da duvida, esta mesma dúvida não se sustenta, muito pelo contrário, se chega a uma certeza. Mas não somente duvidar das coisas em particular como fazem os céticos que duvidam de cada enunciado, pois dizia Descartes que, duvidando desta forma, morreriam antes de duvidar de tudo. Deve-se, no entanto, duvidar das bases. Descartes entende o conhecimento como um edifício, e o que se deve fazer é justamente duvidar das bases deste edifício. Quais então são as bases para Descartes? Como será apresentado neste trabalho, as bases são os conhecimentos adquiridos pelo empírico e o intelecto.

Mas duvidar dos conhecimentos que nos chega a partir dos sentidos, isso é muito fácil, pois os sentidos nos enganam muitas vezes, dizia Descartes. Mas

1 O Big Bang é a teoria cosmológica dominante do desenvolvimento inicial do universo (ver também: Big Bang Frio). Os cosmólogos usam o termo "Big Bang" para se referir à ideia de que o universo estava originalmente muito quente e denso em algum tempo finito no passado e, desde então tem se resfriado pela expansão ao estado diluído atual e continua em expansão atualmente. A teoria é sustentada por explicações mais completas e precisas a partir de evidências científicas disponíveis e da observação. De acordo com as melhores medições disponíveis em 2010, as condições iniciais ocorreram por volta de 13,3 a 13,9 bilhões de anos atrás. (Wikipédia.com.br)

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como duvidar do conhecimento matemático que para Descartes é pura intuição racional? Descartes irá por até mesmo este conhecimento a prova pela dúvida sistemática. Observaremos como o filósofo lançará mão de uma hipótese que ele chama de “gênio maligno”.2 E com essa hipótese ---- de que no momento em que estou pensando, ou seja, quando o cogito cogita, e se neste exato momento houver um gênio maligno todo poderoso que sua diversão é me enganar o tempo todo, fazendo com que eu tome o errado como sendo o certo? Quando estou pensando, este gênio maligno age junto com o meu pensamento fazendo com que eu pense coisas erradas e tomo-as como sendo verdades certas. Descartes, com esta criativa hipótese, levou a dúvida também no campo da razão como nunca ninguém tinha feito antes na história.

A primeira certeza de que Descartes chegará, será a da sua própria existência. Pois ele vai entender que quando exerce a dúvida, isto é, quando se pensa, é necessário para que isso ocorra que eu, que penso, esteja existindo, então: penso, logo, existo. Aí está a grande sacada de Descartes. A certeza do cogito vai lhe proporcionar a evidência de Deus, como será exposto no decorrer desse trabalho. Mesmo que exista um tal gênio maligno me enganando o tempo todo em meus pensamentos, é preciso que eu, que penso, esteja igualmente pensando o tempo todo, e para que eu possa pensar, é, obviamente, preciso de igual modo que eu esteja existindo. O enunciado do cogito, ergo, sum é uma intuição. Descartes se entende como sendo uma coisa que pensa. Mesmo que não existisse corpo algum, dirá o filósofo ---, não deixaria de ser o que é. Ai está o que Descarte entende como sendo o sujeito, um ser pensante. Mas como será analisado, Descartes entende ter um corpo também. A separação entre corpo e alma em Descartes é metodológica, não um desprezo do mundo corpóreo. Ele não se entende como um “piloto de um navio”, mas coeso entre corpo e alma.

A evidência de Deus entra nesta descoberta cartesiana quando ele percebe que de forma clara e distinta pode ter uma idéia de Deus em sua razão. Para ele o conhecimento evidente tem que ser claro e distinto ao intelecto. Descartes

2 O gênio maligno foi uma metáfora usada pelo filósofo francês René Descartes para evidenciar que nenhum pensamento por si mesmo traz garantias de corresponder a algo do mundo. Anuncia o gênio maligno como um ente que coloca na cabeça dele, Descartes, pensamentos bastante evidentes, contudo, falsos. O gênio maligno estaria continuamente trabalhando para criar ilusões. Com isso, Descartes mostrou que somos falíveis, e que devemos ter muito cuidado ao examinar nossos próprios pensamentos, buscando a verdade em todos os detalhes, para evitar sermos "enganados" pelo gênio maligno. (Dicionário de Filosofia de Cambridge)

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vai entender que possui de forma clara e distintamente em seu intelecto idéias de infinito e eterno, pois ao se descobrir que é uma coisa que pensa e que duvida, se auto-entendeu que era finito e transitório. Se ele percebeu que era finito e imperfeito, é porque ele possui em seu intelecto idéias inatas de infinito e perfeito, que são atributos que só pode ser dado a um ser maior do que ele, que segundo Descartes, só pode ser Deus.

Quando Descartes percorre este caminho de construir um método adequado para o conhecimento, ele entenderá que precisa de uma moral provisória que lhe garantisse formas de conduta para melhor viver. Vai dizer que quando uma casa está sendo construída, é necessário que encontremos outra casa provisória para ficarmos até a nossa verdadeira casa ficar pronta. Descartes vai desenvolver sua moral em bases iluminadas pelo bom senso. Escolher opiniões de homens de bom senso que não se encontre em tais opiniões nenhum tipo de excesso. Por mais que estas opiniões sobre condutas possam não ser certezas, mas agindo assim, Descartes não se distanciaria muito da verdade moral. Aqui fica evidente que o método de Descartes não alcança o campo do conhecimento das práticas de condutas morais. A moral de Descartes ficou “eternamente provisória”.

Em suma, depois de percorrer todas estas questões cartesiana, veremos que o mundo exterior ficara, pelo menos em certo tempo, ficará descartado pela dúvida metódica, mas que depois será evidenciado e recolocado novamente em seu lugar. Com as idéias inatas de extensão, demonstrarei que Descartes, sim, acredita no mundo externo ao cogito, e que tem um corpo substancialmente ligado com a alma. A res-extensa pode ser evidenciada pela res-cogitans pela extensão encontrada nos corpos. Mesmo que os nossos sentidos não dêem um entendimento ofuscado dos corpos, mesmo assim percebemos neles extensão, profundidade, que são idéias claras e distintas assim como os da matemática. O mundo para Descartes é um mecanicismo. E Deus que não é um enganador, me da à certeza das coisas criadas por ele. Tenho a certeza de Deus, entenderá Descartes, então, isso remete a certeza que tenho das coisas. Deus será uma peça chave para o sistema cartesiano. A partir de Deus, o mundo é recobrado.

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1 DISCURSO DO MÉTODO – PRIMEIRA PARTE

1.1 AS INSATISFAÇÕES DE DESCARTES FRENTE ÀS INCERTEZAS DO SEU TEMPO

Nascido na frança, o grande filósofo considerado o instaurador e pai da modernidade René Descartes (1596 – 1650), foi e é de grande valia e importância até hoje nos meios acadêmicos e em todos os ambientes que o pensamento se faz presente como matéria de estudo. Descartes vai ser sempre lembrado onde houver apreciação e dedicação no emprego da razão e também na busca do entendimento do próprio pensamento como agente regulador e intercessor do sujeito em relação ao mundo, e da atividade do intelecto como protagonista de construções heurísticas e metódicas e de sistemas que regem o nosso mundo (cosmos) e sociedade. Não se pode falar de filosofia ou de sistemas teóricos (epistemologia), sem citar este pensador que buscou e engendrou em seu tempo restaurar os métodos vigentes de como adquirir conhecimento. Métodos estes que, para Descartes, estava falido e pobre de fundamentos, totalmente incapaz de poder realizar a tarefa de construir conhecimento válido e evidente sem deixar sombra de dúvida em sua estrutura. Para o autor, as bases em que os conhecimentos de sua época se assentavam, estavam sobre areia movediça, isto é, bases pouco confiáveis que não davam argumentos suficientemente sólidos para poder construir método adequado para aquisição de conhecimento. Mais tarde, em sua obra intitulada “Discurso do Método”, Descartes discorrerá:

Eu estava num dos mais célebres colégios da Europa, onde pensava que deveriam existir homens sábios, se eles existissem em algum lugar da terra. Mas essa expectativa tornou-se frustrada, alimentei-me das letras desde minha infância, e, devido ao fato de me terem persuadido de que por meio delas podia-se adquirir um conhecimento claro e seguro sobre tudo o que é útil à vida, tinha extremo desejo de aprendê-las. Porem assim que terminei todo esse curso de estudos, ao fim do qual costuma-se ser recebido na fileira dos doutores, mudei inteiramente de opinião. (DESCARTES, 1999, p. 11)

Na citação acima, é evidente a insatisfação de Descartes a respeito do que ele tinha presenciado no mundo acadêmico de seu tempo. Assim como as teorias, ou seja, construções teóricas que eram consideradas fundamentos sólidos

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que Descartes as consideravam inválidas ou inadequadas e vulneráveis à dúvida.

O século em que o filósofo vivia, isto é, o século XVII, passava por grandes transformações científicas frente às derrocadas tradições da época que sustentavam os métodos de conhecimento até então vigentes. A metafísica3 clássica dava todas as bases da ciência até então que predominavam as visões de mundo dos homens daquele tempo. E essa mesma Metafísica aristotélica, é que dominava o pensamento filosófico. A filosofia estava resumida em praticar metafísica (além da física). As instituições, principalmente religiosas, com sua visão de mundo ptolomaica, isto é, alicerçadas nas teorias de Ptolomeu, filósofo pré-socrático, que sustentava que a terra era o centro do universo e a perfeição imóvel do cosmos, e foi com esta teoria de Ptolomeu, que sustentou e sustenta a pseudociência da astrologia até hoje. No tempo de Descartes, ora os pensamentos eram platônicos demais, ora aristotélico categórico, que regiam e influenciavam as concepções de mundo e de sujeito que a sociedade durante dois mil anos de história acreditavam como sendo a única verdade, são influências que ainda prevaleciam para a maioria no século XII, influências essas que, determinavam as concepções que tinham a respeito de sí mesmos e do mundo em que viviam.

Uma gama de descobertas caracterizou o tempo em que Descartes vivera. Muitas descobertas científicas começaram a desafiar as concepções da época que gozavam de autoridade religiosa. “E, enfim, o nosso século parecia-me tão iluminoso e tão fértil em bons espíritos como qualquer um dos anteriores”. (DESCARTES, 1999, p. 38). Temos como exemplos vários autores que se destacaram naquele tempo e se manifestaram com novas descobertas, e que com ousadia e espírito crítico, expuseram suas teorias para o mundo contrapondo o seu tempo. Giordano Bruno, em 1584, propunha a existência de um mundo infinito, e por

3 A metafísica (do grego antigo μετα [metà] = depois de, além de; e Φσσις [physis] = natureza ou física) é uma das disciplinas fundamentais da filosofia. Os sistemas metafísicos, em sua forma clássica, tratam de problemas centrais da filosofia teórica: são tentativas de descrever os fundamentos, as condições, as leis, a estrutura básica, as causas ou princípios primeiros, bem como o sentido e a finalidade da realidade como um todo, isto é, dos seres em geral.Concretamente, isso significa que a metafísica clássica ocupa-se das "questões últimas" da filosofia, tais como: há um sentido último para a existência do mundo? A organização do mundo é necessariamente essa com que deparamos, ou seriam possíveis outros mundos? Existe um Deus? Se existe, como podemos conhecê-lo? Existe algo como um "espírito"? Há uma diferença fundamental entre mente e matéria? Os seres humanos são dotados de almas imortais? São dotados de livre-arbítrio? Tudo está em permanente mudança, ou há coisas e relações que, a despeito de todas as mudanças aparentes, permenecem sempre idênticas? (Dicionário de filosofia de Cambridge)

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outras teorias como esta, foi condenado à fogueira. Este período é denominado na história como Renascença. Período que houve um grande renascimento científico, uma grande explosão da razão sobre o empírico. Este período do século XII vai ser o tempo em que instaurará as bases que sustentarão o século posterior, ou seja, o século XVIII, século este, que é conhecido como período das luzes, Isso porque o sujeito racional, agora deveria tomar o seu lugar de direito sobre o conhecimento. Assumir o seu papel de protagonista em se tratando de como adquirir conhecimento evidente, não era tarefa fácil, mas estava na expectativa da época. Todos naquele momento histórico eram convidados a se tornar autônomos pela razão.

O discurso que pairava naquele contexto, era que: a luz da razão deveria iluminar as obscuridades deixadas pela forma clássica de ciência. Assim como a luz do fogo abre um buraco na escuridão da noite, da mesma forma, a luz da razão deveria rasgar as trevas da mente que, até então, era treinada a assumir teorias de forma ingênua. A luz da razão deveria agora iluminar a escuridão das ciências e poder clarear respostas e consequentemente chegar a conhecimentos mais sólidos onde a dúvida possa ficar do lado de fora.

Descartes entende que a razão é igual para todos. Todo mundo partilha da mesma capacidade racional de poder pensar o próprio pensamento e fazer um juízo sobre dele. Essa capacidade racional ou cogitante, todo homem tem em comum, sem exceção. “[...] o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens [...]” (DESCARTES, 1999, p. 35). Todavia, todos podem utilizar sem restrição a razão em prol do conhecimento. Se existem pensamentos ou teorias diversificadas, diria Descartes, isso acontece porque trilharam caminhos diferentes quando estavam buscando conhecimento. Por isso é que existe teorias diferentes.

[...] assim sendo, de que a diversidades de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que os outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. (DESCARTES, 1999, p. 35).

Antes de adentrar-mos diretamente no caminho em que Descartes naquele tempo propusera trilhar o pensamento dos homens rumo à evidência, e não

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somente aos homens e mulheres do passado, mas, também para nós hoje, vejo que se faz necessário um breve resumo sobre o que estava acontecendo com os pensamentos iluminados de alguns dos expoentes daquela época para podermos entender um pouco sobre os resultados daquela forma moderna de empregar a razão em favor do conhecimento. De como vários espíritos daquele tempo propuseram suas teorias e descobertas que nós as estudamos até hoje; uma história do pensamento do mundo e sobre um mundo de pensamentos da história.

1.2 O RENASCIMENTO E O BIG BANG DO CONHECIMENTO 4

Johann Kepler (1571-1630), em 1605, expõe sua tese que defende o movimento elíptico dos planetas, ou seja, que não o sol gira em torno da terra, mas sim, a terra gira em torno do sol.

Temos também Galileu Galilei (1564-1642); italiano, destacou-se na física e na astronomia. Descobriu o princípio do hisocronismo do pêndulo. Construiu um telescópio que proporcionou ao mundo daquela época uma visão mais apurada dos planetas até então nunca visto antes. As estrelas se tornaram mais próximas ao homem, graças a este telescópio, e por esta inovação criativa, Galileu elabora uma hipótese mais sustentável para explicar o movimento dos astros. Observou as manchas solares e descobriu os satélites de Júpiter. Inventou a balança e o termoscópio (termômetro). Verificou que a Via Láctea é constituída de muitíssimos corpos celestes independentes do sistema solar e descobriu o movimento da Terra. Foi obrigado a abandonar suas idéias, pressionado pela Igreja. Dizia ele que a terra giraria em torno do sol, já defendida por Nicolau Copérnico (1473 – 1543); polonês, que através de cálculos matemáticos, ficou convencido de que a teoria de Aristarco estava correta. Estabeleceu que os planetas giram ao redor do sol: (heliocentrismo); contrapondo a hipótese ptolomaica e dogmática religiosa que afirmava com bases bíblicas que, a terra era o centro do universo e que os astros eram imóveis e perfeitos.

4 As pesquisas e informações científico-historiográficos encontradas neste capítulo foram retiradas da obra: STOTING, Hans Joachim. História Geral da Filosofia. Vozes, São Paulo, 2008.

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Isaac Newton (1642-1727); cientista inglês, mais conhecido como físico e matemático, embora também tenha sido astrônomo, alquimista, filósofo natural e teólogo. Sua obra: “Philosophie Naturalis Principia Mathemática”, esta obra descreve a lei da gravitação universal e as três leis de Newton, que fundamentaram a mecânica clássica.

Apesar de Descartes estar inserido em um tempo que acontece uma explosão - o Big Bang das descobertas científicas -, mesmo assim, ele se vê em um mundo incerto em se tratando de dar bases ou dar fundamentos que pudessem ser garantidos e certos, e que também pudessem objetivar tais ciências mais claramente os conhecimentos e os fundamentos que sustentavam as teorias aos quais deixavam-no decepcionado. É um período em que as descobertas minam por fontes de diversos lugares do mundo, e na França de Descartes, não era e nem foi diferente.

1.3 DA INSATISFAÇÃO NASCE A NECESSIDADE DE UM MÉTODO

Enquanto predominava uma satisfação eufórica entre a maioria dos filósofos e cientistas, quero dizer, um demasiado entusiasmo destes, devido a tantas descobertas que engordavam e alimentavam a sede de conhecimentos de muitos, do contrário, Descartes, não estava assim tão satisfeito, muito pelo contrário, ele se via numa insatisfação em frente ao seu tempo, afirmava que todos os pensamentos ou tentativas de buscar a verdade estavam repletos de falta de fundamentos e de bases firmes. Em todos os conhecimentos, dizia o filósofo e matemático Descartes, encontra-se brecha para a dúvida em todas elas, nada era certo e indubitável, como queria Descartes. E devido a esta realidade percebida por Descartes, ele se vê em uma profunda necessidade de renovar e restabelecer os métodos de conhecimento para poder, aí sim, ter alguma certeza nesta vida. Um método que garantisse e guiasse a razão a desvelar as obscuridades incertas do conhecimento, e poder se dá a conhecer o que ainda não era tido como certeza evidente. A busca da certeza fazia de Descartes um questionador, ele almejava buscar a certeza e a garantia de saber com profundidade e sem sombra de dúvida o que fosse necessário ao homem saber pela razão.

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As ciências precisavam de um alicerce firme e sólido. Os fundamentos das ciências careciam de argumentos indubitáveis. Por meio da dúvida cartesiana, seu objetivo, nada mais era do que reconstruir o que não havia sido construído em bases firmes. O edifício do saber estava desmoronando aos poucos e precisava ser erguido novamente.

Mas não recearei em dizer que julgo ter tido muita felicidade de me haver encontrado, a partir da juventude, em determinados caminhos, que me levaram as considerações e máximas, das quais formei um método pelo qual me parece que eu consiga aumentar de forma gradativa meu conhecimento, e de elevá-lo, pouco a pouco, ao mais alto nível, e que a mediocridade de meu espírito e a breve duração de minha vida lhe permitam alcançar. (DESCARTES, 1999, p. 36)

Em meio a tantas incertezas de sua época e frustrado pelas ditas “certezas” de seu tempo, Descartes busca um ponto de partida que possa orientar o sujeito a um conhecimento que escape de qualquer tipo de dúvida sobre alguma coisa. Foi quando ele se torna o autor de sua mais famosa obra intitulada “Discurso do Método”. Nesta obra o filósofo propôs um método para chegar há um conhecimento de fato; um conhecimento que se possa ter a certeza plena sobre ele.

Até aqui ficou em alto relevo a insatisfação e perplexidade de Descartes a respeito dos métodos e teorias de seu tempo. O filósofo argumenta: “Encontrei-me tão perdido entre tantas dúvidas e erros que me parecia que, ao procurar-me instruir, não havia alcançado outro proveito o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância”. (DESCARTES, 1999, p. 37). Ainda no Discurso do Método mostra-nos que não havia nada ou pensamento algum que os pensadores não haviam já pensado e discutido antes na história da filosofia. “Seria difícil algo tão estranho e incrível que não tenha sido dito por algum filósofo”. (DESCARTES, 1999, p. 40). E Descartes vai ainda mais longe com o seu desconforto a respeito da tradição filosófica criticando a falta de fundamentos de tais teorias e as multiplicidades de brechas para a dúvida que tais teorias filosóficas carregam em seu bojo. Descartes diz no Discurso do Método: “[...] com coisa alguma da qual não se discuta e que não seja duvidosa”. (DESCARTES, 1999, p. 40).

Descartes critica até a linguagem lógica vigente de seu tempo, que por sinal, o filósofo se refere à lógica aristotélica da tradição ocidental. Critica reduzindo-a apenas em um valor didático-pedagógico. O filósofo não quer com isso

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desmerecer totalmente tal forma de raciocínio, mas evidenciar sua incapacidade heurística de conhecimento, ao invés de encontrá-lo, isto é, encontrar conhecimento, acaba caindo no que na verdade já se sabia de antemão.

Não pretendo condenar o modo de filosofar que os outros cogitaram até agora a as maquinas dos silogismos prováveis, adequadíssimos para a polêmica dos escolásticos, já que exercitam e, pelo qual caminho da emulação, estimulam a inteligência das crianças, à qual é muito melhor dar forma com opiniões de tal espécie, embora pareçam incertas. (REALE/ANTISERI, 2007, p. 355).

Com efeito, para Descartes não havia na lógica silogística algo que fundamentasse uma teoria de fato que pudesse ser isento de qualquer tipo de dúvida sobre alguma coisa. O silogismo só servia como exercício mental que acaba chegando ao mesmo lugar de onde partiu.

Trazendo um pouco para o nosso tempo, ou seja, em nossa contemporaneidade século XXI, os avanços tecnológicos foram surgindo dos mais diversos tipos e para as mais diversas funções. Hoje é comum que as famílias tenham em suas casas produtos de alta tecnologia como, por exemplo, o telefone celular e microcomputadores de alto desempenho que permitem a comunicação em tempo real para qualquer lugar do mundo e entre pessoas que estão há milhares de quilômetros longe umas das outras.

No ramo das ciências de modo geral, e a medicina em particular, teve seus avanços que até doenças antes incuráveis, hoje já possuem cura ou pelo menos tratamento, no entanto, o cérebro humano e o raciocínio em geral ainda são uma incógnita. É indiscutível, porém, que este órgão do corpo humano configura-se como o mais completo e perfeito computador de bordo existente na face da terra. Nosso cérebro é capaz de realizar desde tarefas extremamente simples, como piscar os olhos, resolver problemas de extrema complexidade, e como realizar cirurgias de transplante de órgãos. Do pouco que sabemos de nossa atividade cerebral, um fato é que muito do que nosso cérebro é capaz de realizar, só é possível devido ao uso da razão humana.

Como foi dito em outra ocasião, voltando novamente no tempo de Descartes, no século XVII, século onde Descartes está inserido historicamente, na Europa vai se desenvolver uma corrente filosófica que acredita profundamente na capacidade da razão poder, com sua legítima atividade autônoma, sanar os

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problemas da sociedade e chegar as verdades, ou pelo menos chegar a conhecimentos sem precisar recorrer a Metafísica tradicional implantada pelas instituições por dois mil anos. Esta corrente de pensamento, que justifica a razão como sendo a única via válida para percorrer os caminhos do conhecimento, vai receber o nome de Racionalismo. O Racionalismo se baseia no método dedutivo para a compreensão e chegar ao conhecimento. Este método parte de proposições chamadas de: primícias, para poder atingir uma conclusão que seja lógica e universal.

Descartes, influenciado pela sede de seu tempo, sede de colocar o homem como centro de tudo, tempo este que explodia a tomada da razão como centro do saber, deixando o próprio homem centralizado e autônomo na função de desvelar o mundo e encontrar respostas as mais diversas dúvidas sobre o mundo e sobre sí mesmo, Descartes, considerado o pai da filosofia moderna, adota uma dúvida metódica consistindo em por em dúvida todo o que possa ser considerado forma ou conceito de conhecimento de sua época e de épocas passadas. Uma dúvida metódica que não visa apenas duvidar por duvidar, mas sim, empregar a dúvida como forma metódica de não aceitar de imediato o que está exposto como verdade, não reconhecer de forma ingênua o que é tido como certeza, e estabelecer uma crítica extremamente racional visando reconstruir o conhecimento em bases mais sólidas que possam resistir a qualquer bateria de dúvida possível. A dúvida aqui, Descartes entende como fugir da ingenuidade, não aceitar de bate - pronto o que é tido como verdade. A dúvida é uma ferramenta da razão para não cair em enganos. Primeiro se duvida, depois, recorre a baterias de raciocínios, depois se chega a uma conclusão.

Ao darmos uma atenção nos pormenores do desconforto de Descartes frente ao seu tempo, tempo que se caracteriza no advento da era moderna, um desconforto e insatisfação em relação às teorias de seu tempo, logo nosso pensamento remete-nos ao fenômeno muito semelhante ocorrido na história da filosofia com os pré-socráticos, ou filósofos da (physis). Percebemos nestes filósofos clássicos, que viverem entre o século VI aC., na Grécia Antiga propriamente, onde foi o berço do pensamento mais racional, uma mesma insatisfação com a forma com que as explicações eram dadas sobre o mundo (cosmos) também naquele tempo. Por um impulso dado pela insatisfação - e pelo espanto criado quando estes primeiros especuladores racionais tiveram a audácias e

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petulância de olhar novamente para o mundo e descobrir que o mesmo está repleto de leis naturais e de ordens magistrais foram que possibilitou tais pensadores, rever o significado do mundo em que viviam e também refutar formas clássicas de concepções. A dúvida, também pairava sobre as mentes mais especulativas daquele tempo. Cansados das explicações teocêntricas5 sobre o mundo, perceberam que estas mesmas explicações já não serviam para satisfazer as mentes mais apuradas e observadoras. As explicações, diziam os pré-socráticos, não explicavam nada.

Foi aí que inumeráveis formas e teorias novas foram surgindo gradativamente. Novas explicações mais convincentes e naturais desvinculadas dos mitos foram surgindo, e, todavia, teorias mais racionais e alicerçadas no logos (razão), e de igual maneira também começaram a radiar mais luminosidade naquele tempo. É a passagem do mito para o logos. A diferença entre o período clássico e o período moderno?; Ou seja, de Descartes e os pré-socráticos? É somente o tempo histórico em que viveram, mas a insatisfação e a coragem de olhar novamente para as coisas e percorrer novos caminhos e a necessidade de criar novos métodos para chegar a conhecimentos mais certos, é o mesmo. Os tempos são diferentes, o método também, mas a insatisfação é a mesma.

Em sua obra “O Discurso do Método”, Descartes apresenta a importância de estabelecer um método extremamente eficaz para chegar racionalmente a um conhecimento de fato, que seja verdadeiro e absoluto que não possa mais ser objeto de dúvida.

Mas não recearei dizer que julgo ter tido muita felicidade de me haver encontrado, a partir da minha juventude, em determinados caminhos, que me levaram a considerações e máximas, das quais formei um método [...]. (DESCARTES, 1999, p. 36)

É nessa obra, “O Discurso do Método” já na primeira parte, devido que a obra é dividida em seis partes ---, o filósofo tece duras críticas a educação que recebera por considerar que esta mesma educação forneceu a ele apenas suposições e nenhuma certeza. No entanto, devemos considerar que, Descartes não está preocupado em apresentar em sua obra autobiografia os princípios do método

5 Teocentrísmo (do grego θεóς, theos, "Deus"; e κέντρον, kentron, "centro") é a teoria segundo a qual Deus é o centro do universo nada mais é maior que ele tendeu , tudo foi criado por Ele e por Ele dirige tudo. Esse pensamento teria dominado a Idade Média, em que vigorava o feudalismo, sendo depois sucedido pelo pensamento antropocêntrico. Nesse período as pessoas eram voltadas inteiramente para a igreja, sendo proibido o uso da razão pelas mesmas. (Dicionário de filosofia de Cambridge)

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investigativo que todos os pensadores deveriam utilizar, mas sim os princípios metódicos que ele próprio utilizou para atingir e chegar as suas certezas. Ficaria aos critérios de cada pessoa se recorreriam sim ou não a este método, mas Descartes entende que mesmo assim, para poder ser conhecido o método que encontrara, deveria expor ao público. “Portanto meu propósito não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo me esforcei por conduzir a minha”. (DESCARTES, 1999, p. 37).

Descartes afirma que ao invés de ficar procurando inumeráveis regras para chegar ao conhecimento verdadeiro ele deveria apegar-se a quatro princípios que o conduziriam por um caminho que fatalmente ou garantidamente chegaria a um conhecimento seguro e confiável, livre das incertezas. Os quatros princípios cartesiano são:

 Evidência ou Dúvida Sistemática;

 Análise ou Decomposição;

 Composição ou Síntese, e por fim;

 Enumeração ou Verificação.

Esses quatros princípios cartesiano que a razão exerce para chegar a um conhecimento evidente, veremos mais tarde, ao longo deste trabalho, quando trataremos uma a uma de forma breve e objetiva, mostrando como cada princípio está interligado uma a outra formando uma só teia de atividade racional. Uma depende da outra formando um único raciocínio que, segundo Descartes, é puramente racional, sem precisar se servir dos sentidos ou emoções frívolas que só nos enganam o tempo todo obstruindo a razão de chegar a verdades confiáveis.

Descartes era matemático, e a forma puramente abstrata e exata que a matemática possui sempre fez com que o filósofo tivesse certo carinho por saber que tal ciência era verdadeira, ou seja, para ele tais verdades eram livres de dúvidas. Por serem sempre exatas, eram evidências e certezas sempre racionais que satisfaziam a razão, e os espíritos mais investigativos. Mas ainda não tinha visto uma aplicação mais elevada de tal ciência, e que a matemática sempre esteve ligada a conhecimentos das artes mecânicas, por ser um pensamento tão evidênte e tão seguro e sólido, é muito triste e frustrador para Descartes saber que esta forma de

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pensar ainda não tivesse sido usada para outros fins do conhecimento. Vejamos o que o próprio filósofo diz:

Deleitava-me principalmente com as matemáticas, devido a certeza e a evidencia de suas razões; mas ainda não percebia sua verdadeira aplicação, e, julgando que só serviam as artes mecânicas, espantava-me de que, sendo os seus fundamentos tão seguros e sólidos, não se houvesse construído sobre eles nada mais elevado. (DESCARTES, 1999, p. 40).

Agora, Descartes, se coloca como aquele que tem a tarefa ou a missão de fazer tal experiência de colocar na forma de pensar sobre o mundo um pensamento matemático puramente abstrato, onde a razão chegaria por sí mesma e nela mesma a verdade e a evidência.

Descartes empregará um olhar ao mundo com bases em um matematismo. Os raciocínios matemáticos serão empregados no campo das ciências naturais. O filósofo irá propor com o seu método que encontrara colocar a casa em ordem. Mas que casa? A casa do saber. Erguer o edifício do conhecimento começando pelas bases. A firmeza de suas bases devem ser tão firmes quanto às bases da matemática. O saber deve partilhar da mesma evidência lógica e exata.

2 DISCURSO DO MÉTODO – SEGUNDA PARTE

2.1 AS REGRAS DO MÉTODO

Descartes entende o conhecimento como um edifício estrutural que sempre está alicerçado em bases mais consistentes que sustenta tal edifício. É todo um conjunto de teorias e regras que ele as chama de princípios que possuem ligação umas com as outras possibilitando uma visão ou conhecimento mais profundo dos problemas. Mencionando as suas viagens como soldado, em sua obra Discurso do Método, na terceira parte, Descartes faz uma reflexão e comentando sobre a arquitetura que ele presenciou em suas jornadas pelo mundo servindo como soldado. Começa dizendo que os edifícios que são construídos e projetados por um

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só arquiteto são mais belos e perfeitos do que aqueles que são construídos por vários mestres que reutilizam sobras de paredões das construções velhas e antigas. O que Descartes quer dizer com isso? Para o filósofo, deveria existir uma só forma (método) ao qual todos pudessem chegar ao conhecimento, seria um método seguro, assim como ele alegava já ter encontrado. Veja o que ele diz na segunda parte do Discurso do Método:

Uns dos primeiros entre eles foi lembrar-me de considerar que, freqüentemente, não existe tanta perfeição nas obras formadas de várias peças, feita pelas mãos de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou. Deste modo, nota-se que os edifícios projetados e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e mais bem estruturados do que aqueles que muitos quiseram reformar, utilizando de velhas paredes construídas para outras finalidades. (DESCARTES, 1999, p.43).

Se todos seguissem o mesmo caminho, chegariam ao mesmo fim. Descartes entendia que, valia muito mais seguir um pensamento ou raciocínio feito por um homem de bom senso, ou seja, de uma só pessoa moderada que não há excesso em seus raciocínios através da luz natural da razão, do que os amontoados de opiniões e especulações que foram acumulando ao longo da história. Tudo que há na tradição filosófica como sendo considerado conhecimento válido, para Descartes, são apenas especulações, e mais nada. Nada muito sólido e certo. Tudo duvidoso.

Descartes pensa que; todo o depósito de conceitos e teorias depositados nos livros que foram sendo avolumados pouco a pouco ao longo da história, cheios de uma infinidade de opiniões das mais diversas, elaborados por uma gama de mentes diferentes e de pessoas e de lugares e tempos diferentes, não se encontram em tais livros, segundo Descartes, nada que chegue perto da verdade indubitável. Mais vale para o filósofo, ao invés de tudo isso, um simples raciocínio natural da razão realizado por um homem de bom senso pode realizar naturalmente acerca do mundo que lhe é apresentado. Deve ter um caminho metodológico, acredita Descartes, e este caminho, ou melhor, este método, Descartes acreditava ter encontrado.

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Assim pensei que as ciências e os livros, ao menos aquelas cujas razões são apenas prováveis e que não apresentam quaisquer demonstrações, pois foram compostas e avolumadas devagar com opiniões de muitas e diferentes pessoas, não se encontram, de forma alguma, tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios que um homem de bom senso pode fazer naturalmente acerca das coisas que se lhe apresentam. (DESCARTES, 1999, p. 44).

Para o filósofo, o sujeito é dotado de conhecimento inato, isto é cada pessoa tem em sua mente idéias que não foram impressos pelos sentidos. A pessoa já nasce com tais conhecimentos, ou seja, são conhecimentos inatos.

[...] para Descartes, o erro situa-se no conhecimento sensível (isto é, sensação imaginação, memória e linguagem), de maneira que o conhecimento verdadeiro é puramente intelectual, isto é, fundado apenas nas operações de nosso intelecto ou entendimento e tem como ponto de partida ou idéias inatas (existentes em nossa razão) ou observações que foram inteiramente controladas pelo pensamento. (CHAUI, 2009, p. 128)

Descartes levou este entendimento que ele tinha sobre os conhecimentos inatos, a mais alta radicalidade ao ponto de afirmar que: somente o uso deste conhecimento ou idéias, que são naturais a razão, é o suficiente para darmos os primeiros passos ao longo de nossa vida rumo a verdade. Segundo o filósofo, tudo aquilo que herdamos quando crianças pela tradição, ou quando fomos guiados pelos nossos apetites e mestres, fez com que ficássemos ainda mais longe da verdade, pois nossas fontes de conhecimento tinham sua origem nas tradições que eram com muita freqüência contrária umas das outras, e que nos orientavam por diversos caminhos que apenas nos causa confusão e que nunca, tais caminhos, nos levariam a lugar nenhum. Pois o caminho (método) deveria ser apenas um. Melhor seria, segundo Descartes, que desde infância fôssemos ser orientados a nos guiar ou orientar, naturalmente pela luz da razão e guiar-nos somente por ela, teríamos pensamentos mais puros e mais próximos da verdade.

E também pensei que, como todos nós fomos crianças antes de sermos adultos, e como por muito tempo foi necessário sermos governados por nossos apetites e nossos preceptores, que eram com freqüência contrários uns dos outros, e que, nem uns nem outros, nem sempre, talvez nos aconselhassem o melhor, é quase impossível que nossos juízos sejam tão puros ou tão firmes como seriam se pudéssemos utilizar totalmente a nossa razão desde o

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nascimento e se não tivéssemos sido guiados se não por ela. (DESCARTES, 1999, p. 45).

Para Descartes, todo sujeito deve chagar a maturidade intelectual sem as muletas psicológicas ditadas e orientadas pelos sentidos que nos enganam o tempo todo, e também pelas as orientações e “certezas”, que para o filósofo são mais “incertezas”, que nos são dados ao longo da vida desde pequenos. O edifício do conhecimento deveria ser construído somente pela razão. Mas para isso é necessário que as velhas bases que sustentam esses edifícios sejam destruídas; colocadas em dúvida e descartadas, para aí sim, construir em bases puramente racionais, conhecimentos que suportem todo o tipo de exames racionais e que não deixem nenhuma sombra de dúvida.

2.2 OS QUATRO PRINCÍPIOS DO MÉTODO CARTESIANO

Anteriormente foi dito que, Descartes entendia as ciências matemáticas foram às únicas ciências que conseguiram demonstrar uma certeza em suas demonstrações em se tratando de conhecimento indubitável. Durante todo o decorrer da história, os matemáticos conseguiram apresentar algumas evidências e demonstrações mais certas, ao contrário das outras ciências que somente puderam apresentar suposições e incertezas especulativas, deixando sempre espaço aberto para a dúvida. “[...] considerando que, entre todos os que anteriormente procuraram a verdade nas ciências, apenas os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, ou seja, algumas razões certas e evidentes [...]”. (DESCARTES, 1999, p. 50).

Empregar os mesmos fundamentos ou forma de raciocínios matemáticos foi o que inspirou Descartes a colocar no âmbito das outras ciências esta mesma forma de raciocinar que os matemáticos se serviam e apresentavam em suas defesas e conclusões, que como já foi dito, Descartes às consideravam às únicas que se apresentavam fidedignas a nossa razão como sendo certas. “[...] prometia a mim mesmo empregá-lo com a mesma utilidade a respeito das dificuldades das outras ciências como a fizera com as da álgebra.” (DESCARTES, 1999, p. 52). Agora, segundo Descartes, as outras ciências, como as naturais, por

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exemplo, também poderiam ser revistas e repensadas a partir e puramente pela razão, com o mesmo jogo de raciocínios lógicos e leis do intelecto, assim como a razão emprega o exercício da cogitatium na matemática.

Agora veremos como Descartes elabora, a partir das formas de raciocínios que ele alimentou da matemática, os quatros princípios que são as ferramentas que o filósofo acredita poder chegar ao conhecimento certo e seguro. Ferramentas estas que, segundo Descartes, fazem parte da forma ao qual a razão trabalha em sua atividade cogitante para chegar a idéias claras e distintas.

2.3 O PRIMEIRO PRINCÍPIO: UM CETICISMO PROFISSIONAL

O primeiro princípio, o da evidência ou dúvida sistemática - é a própria ação e prática da dúvida metódica. Segundo Descartes, para o início da prática do método por ele elaborado, devemos nos desfazer de tudo que nos foi ou é apresentado como verdade. Não aceitar de imediato e de forma ingênua os discursos e enunciados que nos são dados desde nosso nascimento, ou seja, colocar as tradições de conhecimentos em dúvida e descartá-las para poder recorrer à razão, e somente a razão poderá adquirir conhecimentos indubitáveis. Tudo aquilo que não se apresenta claramente e indubitavelmente em meus juízos deve ser descartados.

O primeiro era de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja; de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. (DESCARTES, 1999, p. 49).

De modo contrário aos outros pensadores que sempre partem suas investigações da certeza, Descartes trilha o caminho inverso, o da dúvida. Este princípio adotado pelo filósofo da razão, em não considerar nenhum conhecimento verdadeiro até que se possa obter absoluta certeza sobre ele, ou em outras palavras, Descartes afirma que em quanto houver qualquer abertura ou resquício de dúvida

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que possa pairar sobre qualquer conhecimento, este, deve ser refutado. Pois tal conhecimento, não se apresenta firme, claro e objetivo ao intelecto (razão).

Descartes passou a vivenciar a dúvida assumindo como falso tudo aquilo que não fosse indubitável assim, tomando a dúvida como um método, e não como uma forma cética assim como os céticos do seu tempo a empregavam em seus ceticismos, ele, Descartes, construiu um método para chegar ao conhecimento que se baseia no rigor matemático e na organização racional; “[...] procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu espírito fosse capaz.” (DESCARTES, 1999, p. 48). O nosso autor, pai da modernidade, assume um ceticismo profissional e leva o ceticismo ao mais alto grau, pois para ele, para exercer a dúvida, ou em outras palavras, para duvidar, é preciso duvidar mesmo, é preciso levar a dúvida a sua mais alta consequência e radicalidade. Ele estendeu a dúvida e o fez exercer com todo o rigor, a chamada dúvida hiperbólica6, ou seja, aquela que engloba tudo de uma só vez, pois ele não precisa duvidar de uma coisa de cada vez, pois para ele, morrer-mos-ia antes de duvidar de tudo. Então, Descartes entedia que era preciso exercer a dúvida nas bases do edifício do conhecimento, deveria ser as bases que sustentam tal edifício a serem demolidas pela dúvida, ou se preferir, por um ceticismo metodológico.

Mas tudo bem. Depois de tudo o que já foi dito, a respeito de Descartes duvidar de tudo, principalmente sobre os conhecimentos que nos são impressos pelos sentidos, podemos levantar uma pergunta: duvidar dos sentidos e afirmar que eles nos enganam, isso é fácil, qualquer cético já fazia no tempo de Descartes. Mas quero ver duvidar dos conhecimentos matemáticos, isto é, aqueles obtidos unicamente por intermédio de conjecturas estruturais da razão. Como Descartes realizou esta dúvida?

Antes de tentar responder esta questão, ficticiamente criada aqui neste trabalho, vamos entender um pouco sobre o que ele firma a respeito dos sentidos e como eles nos podem enganar. Vejamos o que Descartes diz nas “Meditações” 7 sobre os enganos dos sentidos:

6 É dita hiperbólica por ser uma dúvida exagerada, mas filosoficamente construída: sua razão de ser é examinar minuciosamente os conceitos de modo a só admitir por verdadeiro o que realmente é, e declarar duvidoso o que não pode afastar o mínimo de incerteza. (Dicionário de Filosofia de Cambridge).

7 Meditações metafísicas, ou, em outras traduções, Meditações sobre a filosofia primeira, que tem como subtítulo nas quais são demonstradas a existência de Deus e a distinção real entre a mente e o corpo, é o nome da obra de René Descartes escrita e publicada pelo autor pela primeira vez em 1641.

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Até o momento presente, tudo o que considerei mais verdadeiro e certo, aprendi-o dos sentidos ou por intermédios dos sentidos; mas às vezes me dei conta de esses sentidos eram falazes, e a cautela manda jamais confiar totalmente em quem já nos enganou uma vez. (DESCARTES, 1999, p. 250)

Muitas vezes, podemos tomar pelos sentidos, vários enganos, como por exemplo: colocar a mão em um lugar frio e considerá-lo quente, ou talvez, entendermos ter visto uma cor vermelha de longe, e quando nos aproximamos, constatamos que na realidade não era vermelho, mas sim, laranja. Quem pode garantir que o branco que uma determinada pessoa vê é o mesmo branco que as outras pessoas também vêem? Ou ainda, quantas vezes um ar-condicionado está ligado em uma sala onde reside varias pessoas, e ocorre que, uma parcela diz que está muito frio, e outras dizem que está muito calor e pedem para aumentar a temperatura, e etc. São enganos que ocorrem diariamente em todos os lugares com todos os tipos de pessoas em quaisquer lugares do mundo. Enganos que nos vem do mundo empírico.

Agora, vamos considerar que, um curioso e crítico do filósofo da dúvida metódica se aproximasse de Descartes e lhe fizesse outra pergunta: ---- Tudo bem, enquanto a sua resposta - diria o crítico a Descartes -, seus argumentos a respeito que os sentidos nos enganarem o tempo todo e aos exemplos que Descartes utilizara, ficou muito claro e respondido. Más, e o fato de estarmos em um determinado lugar, ou seja, de estar em minha casa, ou na escola, em uma praça, ou em qualquer outro lugar, isso não é evidente ao intelecto? Descartes responderia esta questão levantada pelo crítico com outra pergunta se servindo de uma hipótese criada por ele. Descartes responderia perguntando ao crítico que: ---- quem me garante que eu possa estar realmente em um determinado lugar, como por exemplo, deitado em meu sofá lendo um livro, ou então passeando em algum lugar da cidade? Pois já me ocorreu, continuaria Descartes perguntando ao crítico, muitas vezes eu dormia e sonhava que estava acordado fazendo diversas coisas ou pensava realmente estar com determinadas pessoas, e quando acordei, ví que na verdade era tudo fruto de meu sonho e fiquei confuso quando acordei, já não sabia mais se eu estive mesmo com tais pessoas ou se foi um sonho. Continuaria Descartes: quem

Nesta obra encontra-se o mesmo sistema filosófico cartesiano introduzido no Discurso do Método. (Dicionário de filosofia de Cambridge).

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nos garante que neste exato momento eu realmente estou acordado, pois já tive diversas vezes este mesmo sentimento que estava acordado, mas na realidade era tudo um sonho. Enquanto eu sonhava, considerava tudo como sendo real e tinha a absoluta certeza que estava vivendo o que eu estava sonhando de verdade. Nas “Meditações” Descartes diz:

Contudo, devo aqui ponderar que sou homem, e, conseqüentemente, que tenho o hábito de dormir e de representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos prováveis, que esses dementes despertos. Quantas vezes me aconteceu sonhar, duramente a noite, que me encontrava neste lugar, vestido e próximo do fogo, apesar de me achar totalmente nu em minha cama? (DESCARTES, 1999, p. 251)

Ainda nas Meditações:

[...] recordo-me de haver sido muitas vezes enganado, quando dormia, por ilusões análogas. [...] percebo tão claramente que não existem quaisquer indícios categóricos, nem sinais bastante seguros por meio dos quais se possa fazer uma nítida distinção entre a vigília e o sono, que me sinto completamente assombrado: e meu assombro é tanto que quase me convence de que estou dormindo. (DESCARTES, 1999, p. 251).

Depois de Descartes ter respondido ao crítico sobre às inconstâncias dos sentidos, agora o mesmo crítico, ainda insatisfeito em espetar Descartes com suas duras críticas, poderia cutucar o filósofo dizendo que; - enquanto a minha dúvida, sobre se posso ter sim ou não a certeza de estar acordado, tenho que admitir que você me convenceu -, mas e os conhecimentos mais abstratos, isto é, os conhecimentos da ciência matemática e álgebra, pois duvidar dos sentidos, isso qualquer cético faz, mas duvidar dos conhecimentos matemáticos isso seria possível?

Descartes responderia mais uma vez à pergunta do crítico, porque acreditou Descartes, que com o seu método, conseguiu levar a dúvida a mais alta conseqüência e radicalidade; suas dúvidas não ficou somente no campo dos sentidos, ou seja, do mundo externo (res-extensa), mas todavia, Descartes estendeu sua dúvida também no campo do intelecto, isto é, nas faculdades do intelecto (res- cogitam); ou seja, no campo da ciências matemáticas e geométricas, e não ficou

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reduzido somente nas ciências naturais, como fizera os outros pensadores, é a chamada dúvida hiperbólica.

Para resolver esta questão, de estender a dúvida também no campo da subjetividade, o filósofo lança mão de uma hipótese, a hipótese do “gênio malígno”. Por que parecia que Descartes iria falhar em aplicar a sua dúvida hiperbólica, parecia que Descartes não chegaria com seu ceticismo profissional ao mundo subjetivo do conhecimento. Mas o pensador da modernidade, com toda a sua criatividade, levantou uma hipótese que poderia existir um gênio maligno em meu pensamento, diria Descartes, que a sua principal função é a de me enganar o tempo todo.

É claro que se trata de uma hipótese que Descartes lança para estender a dúvida ao intelecto. Ainda diria o filósofo - e se esse gênio malígno trabalha justamente junto com o meu pensamento, durante a atividade do meu intelecto, e se este gênio malígno me engana o tempo todo fazendo com que eu tome, em meus pensamentos, as coisas erradas como sendo certas?

Presumirei, então, que existe não um verdadeiro Deus, que é a suprema fonte da verdade, mas um certo gênio maligno, não menos astucioso e enganador do que poderoso, que dedicou todo o seu empenho em enganar-me. (DESCARTES, 1999, p. 255)

Ainda nas Meditações:

Contudo, faz muito tempo que converso em meu espírito a opinião de que existe um Deus que tudo pode [...]; Mas quem me poderá garantir que esse Deus não haja feito com que não exista terra alguma, céu algum, corpo extenso algum, figura alguma, grandeza alguma, lugar algum e que, apesar disso, eu possua os sentimentos de todas estas coisas e que tudo isso não me pareça existir de forma distinta daquela que vejo? (DESCARTES, 1999, p. 253).

Vendo por este ângulo, hipotéticamente colocado por Descartes, podemos ser personagens de um sonho, e acordar a qualquer momento. Não temos a garantia de afirmar se estamos dormindo ou se estamos acordados. Esse gênio malígno trabalha para que sejamos enganados o tempo todo em nossa mente. No exato momento em que pensamos este gênio malígno, distorce ao seu bel prazer nossos pensamentos. Sua diversão seria a de me enganar o tempo todo. Mas como

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já foi dito, isso é apenas uma hipótese metodológica que Descartes utilizou para poder estender a dúvida também ao intelecto.

Considero ser de grande valia uma ilustração feita por um pensador contemporâneo chamado: Hillary Putnam (1926), que com sua teoria chamada “cérebro numa cuba” explicou a hipótese de Descartes a respeito de como poderia agir o gênio malígno na mente humana, e também o mito da caverna de Platão. Vejamos então; - imaginemo-nos um cérebro, digo, somente um cérebro dentro de uma cuba boiando em um líquido que o conserva lá dentro. Mas este cérebro, esta ligado por intermédio de um cabo a um computador que se encontra fora da cuba. Imaginemos agora que, o computador, que está ligado com um cabo ao cérebro, envia ao cérebro uma mensagem, do tipo: praia! No mesmo instante, o cérebro que reside dentro da cuba, se vê em uma praia possuindo um corpo extenso, ou seja, com braços, pernas, cabeça, pescoço e todo o resto, tomando uma cervejinha e olhando para o mar e tudo mais.

Todavia, o cérebro não imagina que ele é apenas um cérebro boiando dentro de um líquido conservador, sem corpo e sem nada, muito menos em uma praia. Ele somente recebe informações de um programa decodificado em um computador. Toda sua extensão fora do cérebro, são apenas imagens irreais, não é verdade.

Assim como também acontece no Mito da Caverna de Platão. As pessoas estão dentro de uma caverna, pois elas sempre estiveram lá, acorrentadas e viradas para a parede do fundo da caverna. E atrás deles, tem um fogo de frente com a entrada da caverna. Entre o fogo e a parede do fundo, fica o objeto em sí, verdadeiro como ele é. Mas o fogo somente reflete as sombras deste objeto na parede onde as pessoas estão voltadas e acorrentadas à vida toda. O que as pessoas vêem, não é a realidade em sí, mas somente o irreal, somente às sombras projetadas na parede da caverna pelo fogo atrás do objeto, não o objeto propriamente dito.

O mito da caverna, também ilustra como Platão desconsiderava o mundo sensível em se tratando de construir conhecimento verdadeiro, pois para ele, o mundo real, isto é, a verdade estaria no mundo supra-sensível ou mundo das idéias, mundo este, ao qual, o sensível não faz parte. O que conhecemos realmente, segundo Platão, não é o real, o verdadeiro, isso porque os sentidos nos acorrentam

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e nos impedem de termos conhecimento de fato. Os sentidos nos enganam, tomamos por meio dos sentidos o falso como sendo o verdadeiro.

Eis uma possibilidade de ficção científica discutida pelos filósofos: imagine-se que um ser humano (pode imaginar que é você mesmo) foi sujeito a uma operação por um cientista perverso. O cérebro da pessoa (o seu cérebro) foi removido do corpo e colocado numa cuba de nutrientes que o mantém vivo. Os terminais nervosos foram ligados a um supercomputador científico que faz com que a pessoa de quem é o cérebro tenha a ilusão de que tudo está perfeitamente normal. Parece haver pessoas, objetos, o céu, etc.; mas realmente tudo o que a pessoa, (você) está experienciando é o resultado de impulsos eletrônicos deslocando-se do computador para os terminais nervosos. O computador é tão esperto que se a pessoa tenta levantar a mão, a retroação do computador fará com que ela "veja" e "sinta" a mão sendo levantada. (PUTNAM, 1992, p. 28).

Vejamos que a ideia do cérebro numa cuba de Putnam, ilustra a hipótese do gênio malígno de Descartes que, o engana o tempo todo em seu pensamento colocando idéias falsas, está associado a um computador que envia informações ao cérebro enganando-o toda vez em que ele pensa.

Já no mito da caverna de Platão, o gênio malígno está associado pelo fogo que projeta somente a sombra do objeto verdadeiro na parede da caverna, fazendo com que somente o não real se apresente aos espectadores.

Com esta hipótese, Descartes consegue estender sua dúvida aonde nenhum cético havia feito antes, a dúvida hiperbólica. Descartes ensinou os céticos a duvidarem. Pois para Descartes, os céticos exerciam a dúvida pela metade. Não sabiam duvidar, pois os céticos duvidavam de cada coisa, de cada enunciado em particular, um a um. Para Descartes, esse tipo de dúvida, não leva o ceticismo ao mais alto nível e radicalidade no exercício de duvidar, segundo Descartes, morreríamos antes de conseguir duvidar de tudo. Diria ainda Descartes; - eu sim, levei a dúvida ao mais alto grau e radicalidade, e mostrarei no final, que na verdade, o ceticismo não tem fundamento de existir. Os céticos alegavam-se os mestres da dúvida, mas na realidade, não sabiam duvidar, pois para duvidar, dizia Descartes, era preciso duvidar mesmo.

Com Descartes, a dúvida chegou ao nível mais elevado e radical. Mas a conclusão que Descartes vai ter no término de seus raciocínios, isto é, com o seu método, que tem como um dos princípios a dúvida metódica, Descartes no final, vai encontrar uma certeza, certeza que os céticos acreditam nunca poder chegar. Os

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céticos afirmam não poder alcançar certeza alguma. Mas Descartes vai alcançar este feito contra os céticos, porque a sua dúvida é só provisória, ele quer chegar a uma certeza, sua primeira certeza e evidência, para poder, ai sim, reconstruir o edifício do conhecimento e dar continuidade a outras certezas. Mas trataremos sobre qual seria esta certeza indubitável mais adiante neste trabalho, ainda estamos trabalhando os quatros princípios cartesiano que sustentam o seu método.

2.4 SEGUNDO PRINCÍPIO: DECOMPOSIÇÃO

Depois de trabalharmos acima o primeiro princípio dos quatros que Descartes considera como sendo fundamental para o exercício do conhecimento racional, o princípio da dúvida metódica, que como vimos, é a ponta da lanças que rasga ao meio os conhecimentos dados como sendo considerados “evidentes”; agora, trataremos o segundo princípio, o da análise ou decomposição.

Este princípio, trata-se de dividir em tantas partes cada uma das dificuldades quantas forem possíveis. Pegar um determinado objeto de conhecimento decompondo-o até não poder dividir mais. Decompor o conhecimento em parcelas para poder analisar melhor cada uma em particular e estudá-la minuciosamente. Vejamos o que Descartes mesmo diz no Discurso do Método: “O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las.” (DESCARTES, 1999, p. 49). O que ele quer dizer é exatamente o de poder considerar cada parte das dificuldades que lhe fossem apresentadas, não somente com um olhar superficial sobre os problemas, mas poder esmiuçar em fragmentos cada problema e analisar em particular cada um e poder entender sua totalidade a partir de dentro para fora, e não de fora para dentro, como fazem a ciência convencional.

Para entendermos melhor o que Descartes quer dizer, isto é, o porquê de repartir ou dividir os problemas em tantas partes fossem possíveis; para auxiliar-nos a entender, vamos imaginar que uma determinada pessoa quisesse consertar um televisor que estragou devido a um raio em uma noite de tempestade. Só que têm um probleminha; esta mesma pessoa não sabe consertar televisores e

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não tem dinheiro para pagar um profissional para realizar tal conserto. Então, esta pessoa se vê na necessidade de consertar ela mesma se não quiser ficar sem assistir televisão. Diante deste dilema, este sujeito cogitou consigo mesmo; - como vou consertar este aparelho de TV se não tenho a menor ideia de como consertar tal tipo de aparelho? Pensou sobre isso durante vários minutos até que lhe veio uma luz. Cogitou tal sujeito; - já sei como vou consertar este aparelho de TV! Primeiro vou descobrir como ele funciona, e depois de ter descoberto e entendido o funcionamento do aparelho de TV, somente aí, saberei como devo solucionar o problema. E este mesmo sujeito, também chegou a conclusão que para saber como este aparelho de TV funciona, deveria desmontar todo o aparelho, peça por peça, e estudar pesquisando cada uma para saber sua real funcionalidade no aparelho. Entendeu ele que, se não desmontar tal aparelho, ficaria difícil saber os pormenores de como um televisor funciona. Era preciso entender cada peça, isto é, a serventia de cada componente que compõe um único aparelho e poder detectar o problema; “[...] que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-los.” (DESCARTES, 1999. 49).

Como vimos, de acordo com Descartes, as dificuldades resultantes da exposição de um conhecimento ao princípio da dúvida deveriam ser divididas em tantas partes quantas fossem possíveis para que a partir daí, realizando uma análise sistemática de cada uma delas, seria possível resolvê-las da melhor maneira possível. Como diz o esquartejador, vamos por partes!

2.5 TERCEIRO PRINCÍPIO: COMPOSIÇÃO OU SÍNTESE

Este terceiro princípio, vem dar continuidade aos demais, é o de conduzir as partes decompostas do problema e colocá-las em uma ordem lógica evidenciada pelos pensamentos partindo dos objetos mais simples aos mais complexos, permitindo o sujeito do conhecimento evoluir degrau por degrau em seu empreendimento até atingir os mais compostos e complexos.

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O terceiro, o de conduzir por ordem os meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos e presumindo até mesmo uma ordem os que não se precedem naturalmente uns aos outros. (DESCARTES, 1999, p. 49 – 50).

Retomando o exemplo dado acima, o exemplo do sujeito e da TV, vamos entender o que Descartes quer nos dizer com tal decomposição. Depois de o sujeito ter desmontado o aparelho de televisão a fim de poder estudar minuciosamente cada parte para melhor compreender, agora para justamente pesquisar uma a uma das peças, ele entende que para engendrar tal tarefa, precisaria estabelecer racionalmente pela lógica uma ordem entre as peças e começar o processo de conhecimento pelas peças mais fáceis de conhecer e paulatinamente ir às mais difíceis de compreender. Um exemplo disso seria que: - é muito mais fácil alguém entender a serventia do parafuso de um aparelho de televisão do que a função de um tubo de imagem. É muito mais simples entender por raciocínios lógicos que o conhecimento sobre o parafuso é menos complexo do que um tubo de imagem. O nosso intelecto logo vê que o tubo de imagem precisa de um tempo maior para compreendê-lo, sua função e seu funcionamento exigem uma complexidade e empenho maior do sujeito. Já o parafuso, logo se apresenta ao intelecto como sendo um objeto simples de compreensão. Há uma lógica natural que explícita esta ordem ao intelecto do pensante. É evidente.

Descartes também entende que seu método é evolutivo em se tratando de compreender, ou seja, este processo leva o sujeito pouco a pouco a níveis mais elevados de conhecimento, isto é, os objetos mais fáceis de compreender, dão suporte para o pensamento evoluir e compreender os mais complexos. No caso do sujeito da TV; os estudos e as pesquisas feitas nas peças mais simples no intuito de entendê-las darão bases ao sujeito crescer seus conhecimentos e adquirir conteúdo e raciocínios mais apurados para poder compreender os mais complexos das peças.

Mas e aquelas peças que não se encontra lógica natural nenhuma? Como ordená-las? Então, o sujeito deve colocá-las em uma ordem fictícia da melhor maneira possível e revê-las da melhor forma.

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Quando essa ordem não existe, é preciso supô-la como a hipótese mais conveniente para interpretar e expressar a realidade efetiva. Se a evidência é necessária para ter a intuição, o processo do simples ao complexo é necessário para o ato dedutivo. (REALE, 2007, p. 361).

Segundo Descartes, o terceiro princípio, seria organizar suas reflexões sobre o objeto da análise, partindo dos conhecimentos mais fáceis e simples de compreensão, para os de mais dificuldades e complexidade do entendimento. Evidentemente, segundo o autor, restariam algumas informações que não se encaixariam em uma seqüência lógica e natural, neste caso, deve-se estabelecer uma ordem fictícia para estas informações até que se possa retomá-las posteriormente de maneira mais segura.

2.6 QUARTO PRINCÍPIO: ENUMERAÇÃO OU VERIFICAÇÃO

Com este último princípio, o da verificação, o filósofo entende que: aos conhecimentos adquiridos pelo intelecto neste processo, deve também ser exposto a dúvida. Agora, para que os conhecimentos possam ser considerados certos e evidentes ou indubitáveis, é necessário que se faça uma revisão nos por menores de cada parte de forma rigorosa e evidenciando ou verificando se não há nenhum resquício de dúvida, para aí sim, ser considerado uma certeza. Deve -se ter o maior cuidado para não deixar nada sem revisão. Não se deve omitir nada. “E o último, o de efetuar em toda a parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir.” (DESCARTES, 1999, p. 50). A enumeração vai verificar se foi feita uma análise rigorosamente completa, e a revisão, serve para observar se a síntese foi realizada corretamente.

Enquadrando o exemplo do sujeito da TV a este último princípio, podemos expôr o seguinte: Depois de ter relacionado pela lógica uma ordem entre as peças para poder compreendê-las melhor, e depois de ter adquirido os conhecimentos que precisava agora o sujeito se vê na necessidade de fazer uma revisão em tudo para ver se afinal de contas não ficou nada para trás. De repente, pode acontecer que alguma peça ficou sem ser pesquisada e analisada adequadamente pelo sujeito. Tem que avaliar tudo revisando o que ainda possa ter

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ficado sem entendimento adequado e necessário. Pois o sujeito da TV sabe se não entender bem como funciona um aparelho de televisão, não poderá concertá-lo.

Por fim, para impedir qualquer tipo de precipitação, que é a mãe de todos os erros, é preciso verificar cada uma das passagens. [...] Portanto, enumeração e revisão: a primeira verifica se a analise é completa; a segunda verifica se a síntese é correta (REALE, 2007, p. 361).

Acredita Descartes, que um conhecimento verdadeiro só pode ser reconhecido como tal, se sobreviver a exposição ao método da dúvida, para tanto, de acordo com Descartes, é preciso fazer enumerações e revisões tão precisas e rigorosas das conclusões a que se chegou, de modo que não reste a menor dúvida sobre a análise de cada uma das partes do conhecimento estudado, tendo-se assim a absoluta certeza de não ter omitido nada. Para o filósofo, chegar-se-ia assim a um conhecimento que seria claro e indubitável, pois não confundir-se-ia com nenhum outro tipo de conhecimento, sendo portanto seguro e verdadeiro, além disso descobrir-se-ia assim a subjetividade, em outras palavras, ficaria evidente que o conhecimento do mundo depende diretamente do sujeito que conhece.

Como podemos observar nesses quatros princípios que Descartes considerou ser essenciais para adquirir conhecimento evidente, entende-se que, esses mesmos princípios são, segundo o autor, as leis da racionalidade aos quais o intelecto, em sua atividade cogitante, trabalha sobre o objeto a ser entendido ou conhecido. Em outras palavras, Descartes descobriu quais eram as conjecturas do raciocínio que proporcionava os conhecimentos matemáticos, que para ele, eram evidentes. Agora, as coisas poderiam ser conhecidas e pensadas com as mesmas formas lógicas e simples como os geômetras costumavam utilizar para explicar suas certezas e evidências. As ciências naturais estavam prestes a serem observadas única e exclusivamente pelo método da razão autônoma sem o método empírico.

Essas longas séries de razões, todas simples e fáceis, que os geômetras costumam utilizar para chegar às suas mais difíceis demonstrações, tinham-me dado a oportunidade de imaginar que todas as coisas com a possibilidade de serem conhecidas pelos homens seguem umas às outras do mesmo modo [...]; considerando que, dentre todos que anteriormente procuraram a verdade nas ciências, apenas os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, ou seja, algumas razões certas e evidentes, não duvidei e modo algum que não fosse pelas mesmas que eles analisaram [...]. (DESCARTES, 1999, p. 50)

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Com este método, calcado nos quatros princípios racionais, não haveria verdade que não fosse revelada ao intelecto. Verdades certas e evidentes ao espírito mais critico. “[...] mesmo assim, sem restringi-las de modo algum a tais suportes, a fim de poder aplicá-las tão melhor, em seguida, a todos os outros objetos a que conviessem”. (DESCARTES, 1999, p. 51).

Não poderia conhecimento algum ficar sobre o véu da dúvida após ter passado pela peneira da razão autônoma que o sujeito realizasse sobre qualquer problema. Os quatro princípios são as bases metódicas que sustentam o núcleo do método que Descartes acreditava ter encontrado para unificar o conhecimento.

Com estes princípios Descartes tinha a certeza de estar usando, contudo a sua razão e pondo-a totalmente em cogitação ao objeto, isto é, usando da razão em sua totalidade e somente ela sem precisar recorrer aos meios dos sentidos enganadores.

Fonte: http://atoouefeito.blogspot.com/2007/10/capitao-piratao-tiras-filosoficas.html

Para Descartes, concebemos os corpos pela faculdade de entender em nós existente e não pela imaginação nem pelos sentidos. Não temos conhecimentos das coisas do mundo e de nós mesmos, pelo fato de vê-las ou tocá-las, mas, todavia, porque às concebemos e às conhecemos pelo pensamento.

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3 DISCURSO DO MÉTODO – TERCEIRA PARTE

3.1 A MORAL PROVISÓRIA

Agora, trabalharemos a questão da moral em Descartes e como ele propôs identificar uma boa ação ou conduta que respeite o bom senso dentro das vivências e exigências do dia - a - dia. Descartes classificou três ou quatro máximas que devemos seguir para melhor conduzir nossa razão a escolher a melhor opção das opiniões dentro de diversas e variadas atitudes e costumes éticos que se encontram em diversas culturas. “[...] concebi para mim mesmo uma moral provisória, que consistia apenas em três ou quatros máximas que eu quero vos anunciar”. (DESCARTES, 1999, p. 53).

Descartes entendia que, enquanto o edifício do conhecimento estava sendo construído, ou em outras palavras, durante o empreendimento em que ele propôs a sí mesmo de construir um método seguro e certo para adquirir conhecimento evidente, entendeu que durante este processo, deveria ser guiado -digo no campo das condutas sociais (ética) -, uma moral provisória que pudesse lhe garantir um melhor conviver e um melhor agir com os demais onde ele se encontrasse. Logo no início da terceira parte do livro Discurso do Método, referindo-se a uma moral provisória, o autor até se serve de uma linguagem figurativa utilizando de arquetipos de construções civis comparando a construção de uma moradia (casa). Enquanto estamos construindo ou reformando nossa casa - diz Descartes no Discurso do método -, durante todo o período de construção, devemos provisoriamente nos acomodar confortavelmente em outra moradia enquanto os construtores trabalham nela. A moradia que Descartes se refere, é justamente a moral, ou seja, as ações práticas que se deve seguir para melhor se relacionar e poder viver bem com os demais. É provisória porque Descartes pretende também chegar a um conhecimento evidente também no campo da prática, mas como veremos, a moral provisória de Descartes, na verdade, vai se constituir definitiva. Isso ocorre porque o filósofo teve que reconhecer uma insuficiência em seu Método, insuficiência essa que aparecerá quando ele for aplicá-la no campo da prática. O

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método encontrado por Descartes não é capaz de evidenciar no campo da moral um conhecimento evidente assim como se mostrará em outras áreas.

Afinal, como não é suficiente, antes de dar início à construção da casa onde residimos, demoli-la ou munirmos de materiais e contratar arquitetos, ou habilitar-nos na arquitetura, nem, alem disso, termos efetuado com esmero o seu projeto, é preciso também havermos providenciado outra onde possamos nos acomodar confortavelmente ao longo do tempo em que nela se trabalha. (DESCARTES, 1999, p. 53)

Ao se juntar às tropas de Mauricio de Nassau (1604-1679), apenas pelo desejo de Descartes de descobrir o mundo afora, e se vendo dentro de uma relatividade de costumes e culturas, ele supôs que a moral deveria ser apenas “provisória”, ou seja, que cada cultura em particular não necessariamente atenda a uma categoria universal de conduta, mas sim a de seu devido contexto e possibilidades. Mas, no entanto, com isso não devemos desconsiderar sobre o que se pode conhecer de forma universal a todos os homens, pois a razão é de igual forma distribuída a todos, isso sim é universal. É que no campo da moral, fazer valer esta exigência da razão de só admitir conhecimento universal e necessário, se torna dificultoso, pois o Método é falho para realizar esse empreendimento.

[...] conduzindo-me em tudo o mais, de acordo com as opiniões mais moderadas e as mais distantes do excesso, que fossem comumente aceitas pelos mais sensatos daqueles com os quais teria de conviver. [...] afigurava-se-me que o mais útil seria orientar-me por aqueles entre os quais teria de viver [...]. (DESCATRES, 1999, p. 53-54).

A primeira máxima que Descartes enuncia, propusera que primeiramente é necessário apegar-se aos costumes e leis de cada país em que eu me encontrasse sempre visando às opiniões e costumes dos mais sensatos, ou seja, elaboradas por homens de bom senso, e sempre se desvalendo das nossas próprias opiniões, devido que, para Descartes, também elas deveriam ser submetidas a análise e fugir dos enunciados que pudessem ser evidenciados qualquer tipo de exagero ou excesso moralista. Pois para o filósofo, todo tipo de exagero é ruim. Tomar uma ou duas taças de vinho faz bem, mas, não poderíamos dizer o mesmo se tomássemos um garrafão inteiro. Portanto, toda prática e costume que fosse considerado moral na sociedade onde ele se encontrava, não poderia ter exagero

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em seu enunciado ou propósito. Em cada lugar em que Descartes residia enquanto estava em suas expedições com as tropas de Nassau, entendeu ele que deveria tomar para sí como boa conduta as opiniões que, a prudência com o recurso da probabilidade, pudesse escolher como melhor viver e conviver e ter uma vida que visasse à felicidade de todos. Deveria escolher prudentemente dentre diversas opiniões, às mais moderadas, por considerá-las as mais cômodas de se praticar, isso devido que, ele, às entendia por serem as melhores por não conter exagero e imprudência, e estas por conduzir-nos da melhor maneira possível no caminho do verdadeiro, devido que, se acontecesse dele falhar em sua missão de reconstruir o conhecimento, não desviaria tanto do caminho verdadeiro ao qual ele deveria, ao contrário, ter trilhado.

E entre varias opiniões igualmente aceitas, escolhia somente as moderadas: tanto porque são sempre as mais cômodas para a prática, e provavelmente as melhores, já que todo o excesso costuma ser mau, como também para me desviar menos do verdadeiro caminho, caso eu falha-se, do que, havendo escolhido um dos extremos, fosse o outro aquele que eu deveria ter seguido. (DESCARTES, 1999, p. 54).

Ora, como poderia isto ser possível se o próprio Descartes combatia o relativismo? Por que ele fala de escolher dentre diversas opiniões a que fosse mais prudente e moderada de onde estivesse? Isso se faz pelo fato que sua procura “universal” estava na questão do conhecimento, das ciências, e não se alguém que é polígamo em alguma parte do oriente se faz menos “humano” do que um ocidental monogâmico. Mesmo porque políticas e sociedade estão fora do escopo epistemológico cartesiano. No campo do conhecimento, Descartes, procurava o universal e necessário assim como o conhecimento evidente e indubitável. Mas no campo da moral, é o suficiente a probabilidade com a ajuda do bom senso como método para realizar tal escolha. Em se tratando de escolher quais opiniões de um determinado país se deve acatar, deve ser sempre considerada a real necessidade do contexto para a melhor tranquilidade dos sujeitos, pois para Descartes, sem a qual, é impossível a busca da verdade. Se deve observar as exigências do cotidiano para melhor escolher quais práticas e costumes seguir.

É preciso levar em conta o campo cognitivo em que essa moral foi estabelecida, e a verossimilhança e a utilidade. Esse campo está totalmente excluído

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do terreno da ciência, mas é o único recurso disponível a razão num momento em que não há evidência. Ater-se às leis e aos costumes de seu país não significa afirmar a inverdade dos alheios, mas apenas constatar a utilidade de um comportamento aprovado por seus concidadãos.

A segunda máxima que Descartes propusera, se trata da constância que o sujeito deve empreender no caminho da busca do conhecimento do melhor agir. Ser decidido na procedência e na prática do reconhecer a melhor opção dentre tantas e de não ser menos firme nas opiniões que nos são apresentadas como as mais seguras. Diz Descartes que, assim como aqueles viajantes que se vê de repente perdidos em uma floresta, entende que o melhor a se fazer é andar o máximo possível constantemente em linha reta, sem por qualquer motivo se desviar de um lado para o outro e nem ficar dando voltas no mesmo lugar e muito menos ficar estacionado no mesmo lugar, pois, agindo de maneira inconstante, tais viajantes nunca chagariam pelo menos em um lugar que não fosse o mesmo em que se viam perdidos. Mas se andarem sempre em linha o mais reto possível de forma rigorosa, se não chegarem ao lugar em que desejavam, ao menos chegariam a algum lugar onde com certeza seria melhor do que ficar perdido no meio da floresta isolado.

Descartes está falando do seu método para melhor encontrar uma moral a seguir. Se não conseguíssemos encontrar a verdadeira moral evidente ou universal e necessária, ao menos encontrar-mos-ia uma que fosse menos longe da verdade. Seria pelo menos opiniões plasmadas pelo bom senso longe de exageros e calcada na sensatez.

Minha segunda máxima consistia em ser o mais firme e decidido possível em minhas ações, e em não seguir menos constantemente do que se fossem muitos seguras as opiniões mais duvidosas, sempre que eu me tivesse decidido a tanto. Imitava nisso a os viajantes que, estando perdidos numa floresta, não devem ficar dando voltas, ora para um lado, ora para outro, menos ainda permanecer num local, mas caminhar sempre o mais reto possível para um mesmo lado, e não mudá-lo por quaisquer motivo [...]; pois, por este método, se não vão exatamente aonde desejam, ao menos chagarão a algum lugar onde provavelmente estarão melhor do que no meio de uma floresta. (DESCARTES, 1999, p. 55).

Fica evidente que, o filósofo preza a necessidade de uma constância no caminho da reflexão ao qual visa escolher a melhor opinião entre tantas opiniões

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que se encontra em tantos e diferentes povos. ”[...] talvez existam, entre os persas e chineses, homens tão sensatos como entre nós [...]”. (DESCARTES; 1999, p. 54). Descartes observou nos lugares em que ele conhecera pelas suas expedições, que se viu em uma gama de homens ou povos tão inteligentes como ele somente tinha visto até então em seu país de origem. Assim como Descartes, tais homens de outros lugares do mundo possuíam conhecimentos vastos em diversas áreas e eram muito inteligentes, mas, porém, Descartes observou que tais lugares, tinham costumes diferentes aos dele.

Ora, diria o filósofo: como pode pessoas de tanta capacidade aquisitiva em conhecimentos e tão inteligentes como eu, possuírem costumes diferentes das que eu pratico e as considero certas? Quem está certo? Eu, ou eles? Pois partilhamos de tão agrado inteligência, mas não de costumes? “devia tomar nota mais daquilo que praticavam do que daquilo que faziam” (DESCARTES; 1999. p. 54). Entendia Descartes que o melhor a se fazer é justamente se adaptar com as melhores dentre os costumes e opiniões deles fugindo do excesso, e para que isso ocorra da melhor maneira possível, dever-se aí ser o mais constante e firme no empreendimento de verificar e analisar a melhor forma de escolher dentre tantas opiniões a mais sensata e moderada. O recomendável seria escolher os mais sensatos dos homens e observar mais as suas ações, isto é, as suas práticas, do que as coisas que pronunciam. As atitudes do que as falácias.

A terceira máxima diz respeito a uma necessidade de reformulação do sujeito, isto é, um refinamento da razão através do processo de habituar-se às regras da clareza e da distinção. Um cultivo da razão em prol das inconstâncias de mim mesmo, pois para Descartes, é preciso vencer a sí mesmo, isto é, dos nossos próprios desejos. Segundo ele, nada está em nosso alcance, exceto a nossa capacidade de pensar. “[...] nada existe que esteja completamente em nosso poder, salvo os nossos pensamentos [...].” (DESCARTES; 1999, p. 55).

A inspiração estóica desta máxima é reconhecida pelo próprio Descartes. Todavia, o fato é que a percepção de uma ordem causal determinando a exterioridade não intervém aqui para impor-nos, como nos estóicos, o reconhecimento do que não está em nosso poder e a necessidade de conformarmo-nos a esta ordem, e sim, para regular nossos desejos de modo que a imprevisibilidade da fortuna não produza nosso contínuo descontentamento. Não se trata de submeter-se à fortuna, mas de compreender o que se supera, o que de

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melhor nós podemos entender como impossível. A vontade não deseja senão o possível, portanto a terceira máxima tira do campo do desejo o que supera nossa capacidade no momento.

O pensamento se refina ao longo do seu exercício de desconsiderar os meus vícios que nos entorpecem e nos impedem de utilizar corretamente a razão. “Minha terceira máxima era a de procurar sempre antes vencer a mim próprio do que o destino, e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo [...].” (DESCARTES; 1999, p. 55). Descartes quer nos orientar para a necessidade de um cultivo da razão pela nossa existência e com isso crescermos cada vez mais em nossos conhecimentos, e contudo, de buscar a verdade. “[...] utilizar toda a minha existência em cultivar a minha razão, e progredir o máximo que pudesse no conhecimento da verdade, de acordo com o método que determinara.” (DESCARTES; 1999, p. 57).

A quarta máxima está em realizar uma revisão dos diversos e diferentes costumes ocupacionais que os povos praticam no dia-a-dia. E procurar identificar qual era as melhores e rigorosamente e analisá-las com a força de meus juízos, fazendo com que pudéssemos gradativamente aumentar os nossos conhecimentos.

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4 DISCURSO DO MÉTODO – QUARTA PARTE

4.1 DO COGITO, À EVIDÊNCIA8

Tudo o que já foi dito até aqui, foi apenas uma parte do caminho ao qual, Descartes trilhou para encontrar uma certeza que seja verdadeira, evidente e que se conforme ao espírito satisfatoriamente. Vimos que o filósofo começou seu método colocando em cheque, tudo aquilo que ele tinha aprendido em sua vida desde infância como “certo”. Praticou uma dúvida metódica ou um ceticismo profissional e desconsiderou todos os conhecimentos que pudessem demonstrar ao menos um resquício de dúvida.

A quarta parte da obra de René Descartes do “Discurso do Método”, é conhecida pela constatação cartesiana referente à sua primeira certeza encontrada e que depois se tornaria um ponto arquimediano ao qual o autor discorreria para desvelar tantos outros conhecimentos, servindo-se de constantes formas de raciocínios lógicos, chagaria, por fim, em outras certezas evidentes assim como a certeza do próprio cogito. O cogito era o ponto de partida que Descartes precisava encontrar para poder iniciar a construção do conhecimento evidente. Com a sua primeira certeza, ou seja, a certeza do cogito, ergo, sum, o filósofo acredita que tendo encontrado a primeira evidência consequentemente encontraria outras da mesma forma.

Colocou o campo dos sentidos como sendo enganadores e, portanto, deveriam ser desconsiderados todos os conhecimentos adquiridos empiricamente. “Ao considerar que os nossos sentidos às vezes nos enganam, quis

8 A frase é uma conclusão do filósofo e matemático francês Descartes alcançada após duvidar da sua própria existência, mas comprovada ao ver que pode pensar e, desta forma, conquanto sujeito, ou seja, conquanto ser pensante, existe indubitavelmente. Descartes pretendia fundamentar o conhecimento humano em bases sólidas e seguras (em comparação com as fundamentações do conhecimento medievais). Para tanto, questionou e colocou em dúvida todo o conhecimento aceito como correto e verdadeiro (utilizando-se assim do ceticismo como método, sem, no entanto, assumir uma posição cética). Ao pôr em dúvida todo o conhecimento que, então, julgava ter, concluiu que apenas poderia ter certeza que duvidava. Se duvidava, necessariamente então também pensava, e se pensava necessariamente existia (sinteticamente: se duvido, penso; se penso, logo existo). Por meio de um complexo raciocínio baseado em premissas e conclusões logicamente necessárias, Descartes então concluiu que podia ter certeza de que existia porque pensava. (Dicionário de filosofia de Cambridge)

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presumir que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar [...].” (DESCARTES; 1999,p. 61)

Para entendermos como Descartes chegou à evidência que ele desejara tanto, temos que voltar um pouco no que se refere a prática da dúvida metódica. Isso se deve, porque foi justamente realizando a atividade racional de duvidar de tudo que existe até então como sendo proclamadas “certezas”, é que Descartes evidenciou o que ele constataria como sendo a certeza mais evidente que cético nenhum poderia derrubar. A certeza de que eu existo, porque penso. Mas em outra obra de Descartes intitulada “Meditações”, o autor chega a esta verdade do cogito exatamente quando Descartes lança mão da hipótese do “gênio malígno”, que segundo o autor, é no exato momento em que ele pensava é, que este hipotético gênio malígno, atuava fazendo com que ele pensasse o errado como sendo o certo. Mas para que ele possa ser enganado por este gênio malígno, ele precisa estar pensando, e para que ele possa estar pensando, evidentemente ele precisa estar existindo. Mesmo que ele pense coisas erradas, uma coisa é fato, ele não poderia deixar de pensar.

Veremos então, em primeiro lugar, como Descartes chegou ao cogito como sendo a evidência necessária que ele procurava na filosofia para ser o ponto de partida do conhecimento indubitável. Veremos este feito na quarta parte do “Discurso do Método”; e só aí que demonstraremos como Descartes chega a mesma certeza na obra “Meditações”.

4.2 COGITO, ERGO, SUM; E O SUJEITO (RES-COGITANS)

No ano de 1998, uma canção do grupo musical Cidade Negra, que tem como titulo: “Pensamento”, fez muito sucesso devido a irreverência da banda, que apresentava ao público um tom forte na batida do som reggae, e até se tornou tema de novela neste mesmo ano. A música pensamento, como o próprio nome já diz, tem o pensamento, ou como preferir, a atitude cogitante, como tema central em sua mensagem permeada em acordes afro-descendente. Ao refletirmos sobre o que possa ser esta atitude intelectual que todo o sujeito racional possui que é a de pensar, logo constataremos a certeza de que ninguém no mundo pode deixar de

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pensar, pois se isso ocorresse, este mesmo sujeito deixaria de existir, devido que, quem pensa, não pode deixar de existir, e quem existe, não pode deixar de pensar nem por um instante. Esta reflexão foi feita pelo próprio Descartes nas “Meditações”. “Eu sou, eu existo; isso é uma intuição; mas por quanto tempo? Durante todo tempo em que eu penso; pois talvez poderia acontecer que, se eu parasse de pensar, ao mesmo tempo pararia de ser ou de existir.” (DESCARTES; 1999, p. 261). O pensamento nos leva a lugares onde o corpo não pode ir. Um exemplo disso, poderíamos relembrar nossas aventuras imaginárias de quando éramos crianças, sempre imaginávamos através do pensamento estar voando entre as estrelas no espaço sideral dentro de uma nave espacial imaginária viajando a velocidade da luz e conhecendo todos os planetas do sistema solar sem sair do nosso quarto, ou então, desbravando os mares em nosso barco a vela em cima de uma árvore no quintal. Sabemos que, ainda hoje, realizar este feito, mesmo contendo toda a tecnologia disponível, com os seus mais modernos avanços, ainda é impossível proporcionar esta oportunidade. Ainda está muito longe do homem (cientistas) poder construir uma nave que possa ter todo este recurso. Com a minha capacidade de cogitação, posso ir e voltar em qualquer lugar em uma fração de segundo. Posso estar no Japão e no Brasil em um piscar de olhos.

Entendo ser este o momento oportuno para observar-mos um trecho da música “Pensamento” que mencionei logo acima, e analisarmos a letra da música paralelamente com o pensamento proposto por Descartes e poder observar como a canção Pensamento do grupo musical Cidade Negra, ilustra muito bem o que significa para Descartes este cogito (pensamento) e como ele age e define o sujeito transformando-o e sendo transformado em um processo de evolução do conhecimento que nunca para de crescer.

“Você precisa saber o que se passa aqui dentro;

Eu vou falar pra você.

Você vai entender a força do pensamento;

Pra nunca mais esquecer.

Pensamento é um momento que nos leva emoção;

Pensamento positivo que faz bem ao coração;O mal não! O mal não!

Sempre que para você chegar terá que atravessar;

A fronteira do pensar; A fronteira do pensar.

E o pensamento é o fundamento;

Eu ganho o mundo sem sair do lugar...”

(Música: Pensamento Cidade Negra)

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Poderíamos perguntar: O que se passa aqui dentro? O que se passa aqui dentro de nós? Responderia Descartes - que a nossa essência maior é a de poder pensar, e diria nas “Meditações” que somos uma coisa que pensa. “Mas o que eu sou? Uma coisa que pensa, oras! O que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente.” (DESCARTES; 1999, p. 262).

Em outra parte da música, verificamos um enunciado bem típico ao de Descartes, na parte em que se canta: “o pensamento é o fundamento.” Foi justamente um fundamento que Descartes precisava para estabelecer as novas bases do edifício do conhecimento. Com a evidência do cogito, o filósofo encontrou o seu ponto de partida (fundamento) que também seria o ponto de chegada, isto é, a razão.

[...] eu penso, logo, existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulos algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava. (DESCARTES; 1999, p. 62).

Assim como Arquimedes, dizia que para mover o globo terrestre de seu lugar, precisaria apenas de um ponto chave fixo de apoio que o possibilitasse para tal tarefa; para Descartes, o fundamento para um conhecimento seguro também precisaria de um ponto fixo fundamental. Arquimedes falava de física, já Descartes, falava de intuição, e identificou-o como sendo o cogito.

“O pensamento é um momento”, diz a letra da música. Mas que momento? O dá própria atividade do pensar, responderia Descartes. Acredita Descartes que, ao ser-mos uma coisa que pensa, não precisamos estar em lugar algum, e nem dependemos muito menos de qualquer coisa de origem material, inclusive, poderíamos até nos imaginarmos sem o nosso corpo, e mesmo assim não deixaríamos de ser o que somos de fato. Mesmo se fossemos desprovidos de corpo material, não deixaríamos de ser. Somos um momento do pensamento que pensa, e quando pensa, identifica pela intuição a sua existência. Isso ocorre porque o pensamento é um momento e, é o que se passa aqui dentro, e o que se passa dentro de nós é o cogito. Somos o cogito que cogita.

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[...] compreendi, então, que eu era uma substância cuja a natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. De maneira que se eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, é completamente distinta do corpo e, mesmo que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é.” (DESCARTES; 1999, p. 62)

“O pensamento é um momento que nos leva a emoção, pensamento positivo que faz bem ao coração.” O pensamento nos faz pensar o que realmente somos, e é a ferramenta que possibilita a certeza de que eu existo. Faz bem ao coração de todo o homem se alto descobrir o que se é de fato. Descartes queria uma primeira verdade, desejava muito isso em seu coração, com a evidência do cogito, que chegara através do pensamento, seu coração foi acalmado. Fez bem ao seu coração encontrar o que ele tanto almejava. Existo porque penso o próprio pensamento. A emoção está ligada ao pensamento, é ele que me apresenta a emoção. Faz com que atravessemos a “fronteira do pensar”, pensar o que ainda não foi pensado outrora. Pensar a novidade. Descartes pensou que poderia não existir corpo algum, mas mesmo assim não deixaria de ser. Depois de descartar o mundo externo com o método da dúvida, reencontrou-o pela sua extensão. A fronteira do pensar faz ir à extensão dos corpos e reconhecer o mundo fora do cogito. O corpo até não poderia fazer dele alguém, mas, sim, o eu penso podia e como viremos, em Descartes, pode. Mesmo se não existissem os céus e a terra, e que tudo fosse fruto da imaginação, precisaria do pensamento para imaginar, e me obrigo a ultrapassar a fronteira do pensar, e ao imaginar tudo isso, eu me pego pensando, e se penso, logo, existo.

“O mau não, o mau não” O gênio malígno serviu de um recurso para Descartes levar a dúvida metódica também no campo da racionalidade. Agora, as verdades da matemática também podem ser colocadas em dúvida. O mau não, nem ele, o hipotético gênio malígno, poderá enganar Descartes se ele não estiver pensando. O pensamento é fundamental para o gênio do mau enganar a razão. Para pensar, Descartes entendeu que era necessário estar existindo.

Mas eu me convenci de que nada existia no mundo, que não havia céu algum, terra alguma, espíritos alguns, nem corpos alguns; logo, não me convenci também de que eu não existia? Com certeza, não; sem dúvida eu existia, se é que me convenci ou só pensei alguma coisa.” (DESCARTES; 1999, p. 258)

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É muito comum ouvir pessoas em suas conversas servir-se deste termo “cogito” se referindo como sendo o ato de pensar. Cogito, etimologicamente vem do latim, que significa: pensar. Não é difícil encontrar alguém que diga; ---- eu estou cogitando algo para fazer! Isso é muito comum, pois pensar é exatamente cogitar. Mas este (logo), é apenas retórica, pois o que Descartes quer dizer com a preposição penso, logo, existo, é uma intuição, (penso, existo). Quando Descartes menciona a preposição: “penso, logo, existo”, que em latim se escreve: “cogito, ergo, sum”, ele quer dizer que o próprio ato de pensar, lhe dá a certeza que ele está existindo, pois, constatou o filósofo que, é impossível pensar sem estar existindo, o próprio enunciado da proposição: penso, logo, existo, é a garantia e a certeza evidente de ele está vivo e pensando (cogitando).

Nos encontramos então diante de uma verdade sem precisar de nenhuma mediação dos sentidos ou do mundo externo. O “eu,” é transparente para sí mesmo, o próprio ato do pensamento se revela a sí próprio escapando de qualquer tipo de dúvida. Descartes entendia que a clareza e a evidência seria a regra geral para um conhecimento certo e seguro, pois o ato intuitivo de reconhecimento do cogito pelo mesmo cogito se mostra a razão de forma clára e evidente. O penso, logo, existo, mesmo sendo apresentado a nós como um enunciado silogístico comum, não é um raciocínio, mas pura intuição. “Não se trata de abreviação de argumentação como a seguinte: “tudo o que pensa existe; eu penso, logo, existo.” Trata-se simplesmente de ato intuitivo graças ao qual percebo a minha existência enquanto ela é pensante.” (REALE; 2007, p. 365).

“Eu ganho o mundo sem sair do lugar.” Ganho o mundo pelo pensamento que me é metafísico. O mundo em que posso fazer uso de meus raciocínios e me debruçar sobre ele. A heurística da razão exercita suas conjecturas através do pensamento, e este, percebe a sí mesmo, e eu me reconheço por meio dele.

Para Descartes, a verdade do cogito, o: penso, logo, existo é uma intuição imediata. Ele mesmo explica que não há uma conclusão sobre sua existência a partir do pensamento, como uma inferência de um silogismo, mas é algo que vê por uma simples inspeção do espírito. Interpretando o cogito, afirma que o existir não é uma decorrência do pensar, ao contrário, o eu penso é uma prova de que eu existo.

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O ego do cogito recebe em Descartes o status de substância e independe da matéria e do próprio corpo para existir: “compreendi que eu era uma substância de que toda a essência ou natureza não é senão pensar, e que para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material” (DESCARTES; 1999, p. 62). Surge então o homem como res-cogitans (coisa pensante). Como nos diz Paul Ricoeur, com Descartes “o homem se torna o primeiro e real subjectum, o primeiro e real fundamento”. (Ricoeur; 1998, p. 224). A nova concepção de sujeito que desponta no horizonte filosófico passa a ser sinônimo de subjetividade. Nessa etapa do pensamento cartesiano, não há ainda a certeza da existência do mundo, entendido como a realidade material, nem da existência do próprio corpo. Não temos ainda o homem encarnado, concreto, mas o homem identificado com seu pensamento. O sujeito cartesiano primeiro é o eu do penso, o homem apenas como espírito, enquanto substância pensante. Geralmente, o sujeito cartesiano é apresentado como o eu do penso, do cogito. Entretanto, a visão dualista de Descartes e todo o percurso ao longo de seu caminho meditativo apontam para novos desdobramentos de sua concepção do homem e conseqüentemente do sujeito.

Descartes entende a alma e o corpo de forma distinta uma da outra, isso fica evidente quando ele menciona que são duas substâncias distintas. Tais fundamentos cartesiano garante a certeza da imortalidade da alma; e do outro a certeza do mundo externo. Mas isso implica a uma grande dúvida e nos remete a uma pergunta; Como Descartes explica a ação recíproca entre o corpo e a alma? Gilberto de Mello Kujawskei explica que, dois fatores explicam esta questão; a primeira delas seria “as sensações que são impostas do mundo exterior à alma; e o segundo seria a natureza confusa e não inteligível destas mesmas sensações, e que tais sensações não se explica nem pela alma, nem muito menos pelo corpo, pois são substâncias inteligíveis em sí mesmas.” (KUJAWSKI; 1969, p. 134).

O próprio Descartes na sexta “Meditações” salienta a respeito da estreiteza entre corpo e alma em sua análise do sujeito, vejamos;

A natureza me ensina, também por intermédio desses sentimentos de dor, fome, sede etc.; que apenas estou alojado em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas que, além disso, estou a ele vinculado muito estritamente e de tal maneira confundido e misturado que formo com ele um único todo. (DESCARTES; 1999, p. 323)

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Para Kujawski, não há dúvidas. Existe uma união que Descartes admite entre corpo e alma, uma união substancial.

Sentimento e imaginação constituem “pensamentos confusos”. A confusão esta em perceber a dor do ferimento, ou a sensação de fome, afetos da alma, em nosso corpo; como em perceber o frio na pedra, o sabor no vinho, a cor nos corpos, etc. Esta confusão, própria do conhecimento sensível é a prova irrecusável da intima e substancial relação entre corpo e alma, bem como - o que é incompreensível -, de sua inter-relação. (KUJAWSKI; 1969, p. 135).

Ficou evidente para nós que Descartes não despreza o corpo como muitos atestam. O filósofo entendia esta separação como um elemento do seu método para melhor compreendê-lo. Ele poderia imaginar sem o seu corpo, e mesmo assim seria uma coisa que pensa, mas não admitia que fosse só isto, de que o corpo não existe e não há relação alguma como a alma ou cogito. Ficou muito claro neste trecho da sexta Meditações que Descartes reconhecia uma relação “estreita e misturada” entre corpo e alma, e que formavam, tal substancias, um “único todo”. (p. 323).

Dois motivos suficientemente fortes poderiam ser postos para afastar qualquer possibilidade de ser considerada uma subjetividade corporal no pensamento cartesiano. O primeiro é que embora alma e corpo sejam por ele concebidos como substâncias distintas, unem-se para constituir o composto humano, em que a alma não apenas se comporta como forma do corpo, mas é também o princípio determinante da unidade e identidade numérica desse composto. Acrescente-se ainda que o eu do cogito ou da coisa pensante passa a reinar como sujeito por excelência, não a polissemia do sujeito cartesiano dependendo de qualquer coisa material, isto é, como pura racionalidade, sujeito único, conhecedor de sí mesmo. É isto que faz com que Descartes seja visto como aquele que veio modernizar e revolucionar a concepção de sujeito, remetendo-a ao termo subjetividade, entendida como consciência de sí.

O outro motivo é que o corpo do homem, apesar de ter sido elevado por Descartes à categoria de substância distinta da alma, é uma máquina semelhante à do corpo animal. O que se poderá esperar de um mecanismo quanto ao desempenho do papel de sujeito, na acepção moderna da palavra? Pelo fato de

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conter em sí a individualidade, o corpo humano, em Descartes, separa-se verdadeiramente dos organismos animais.

4.3 A EVIDÊNCIA DE DEUS E A METAFÍSICA CARTESIANA

Descartes tem a necessidade de estabelecer uma metafísica que possa dar bases à nova ciência. É uma segunda exigência do filósofo; encontrar uma metafísica universal ao conhecimento. Mas que tipo de conhecimento? O conhecimento físico. O conhecimento do mundo para melhor compreendê-lo e ordená-lo e para melhor agir em prol de nós mesmos. O mundo que está fora do cogito, do eu penso que não precisa necessariamente do sensível, mas que este possa encontrá-lo novamente depois de ter eliminado com o método da dúvida metódica. Os conhecimentos dados pela intuição, que segundo Descartes estão carregados de sentidos errôneos dados pela tradição, e que devido a isso foi preciso purificá-los com a dúvida, agora, se faz necessário reencontrá-los e poder-nos lograr da certeza deles também.

É claro que esta segunda exigência também não escapa do que Descartes endênte como deve ser considerado um conhecimento evidente, ou seja, necessita de uma certeza científica indubitável. A certeza do cogito acarreta a outras certezas que devem possuir o mesmo agrado às da proposição --- penso, logo, existo, isto é, ser evidente por sí mesmo, portanto, deve apresentar ser a razão como certeza plena. Alexandre Koyré (1892 – 1964) descreve em sua obra: “Considerações sobre Descartes” como deveria ser esta nova metafísica: “[...] precisa de uma física, um conhecimento do mundo para poder agir e conduzir-se na vida, para dar ao homem o poder de ordenar e determinar, livremente a sua existência [...] ( KOYRÉ; 1992, p. 54).

Descartes considera que a ciência precisa ter uma metafísica, isso se constitui numa necessidade urgente, entende o filósofo. A ciência, no entanto, diz o filósofo, deve-se em primeiro lugar se orientar por ela. No tempo de Descartes, a ciência fazia totalmente ao contrário, a metafísica era o último estágio do conhecimento. Em Descartes, a ciência inicia-se pelas razões e não pela matéria

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como a ciência vigente. Como vimos anteriormente, para conhecer o objeto, deve-se primeiro partir do simples ao complexo.

Vai das idéias à coisas e não das coisas às idéias; vai do simples ao complexo; avança, ao concretizar-se, da unidade dos princípios para a multiplicidades das diversificações; caminha da teoria para a aplicação, da metafísica para a física, da física para a técnica, para a medicina, para a moral. (KOYRÉ; 1992, p. 55)

Dentro da primeira Meditação de Descartes, surge o problema da chamada dúvida hiperbólica9. É importante, como já foi mencionado em capítulos anteriores, devemos perceber que o problema da dúvida nasce a partir de uma finalidade: o estabelecimento de uma base metodológica confiável (indubitável) para uma nova ciência. A dúvida, em suma, é um meio para se chegar para um fim, ou seja, uma finalidade. Descartes argumenta acerca da possibilidade de suspender todo o seu edifício construído através dos sentidos.

Ora, em virtude do privilégio das idéias claras que Descartes exclui do mundo real, do mundo tal como ele existe em si mesmo, independentemente de nós e da nossa razão, qualquer qualidade sensível [...] Descartes ensina-nos que, para bem conhecer o real, o real físico tal como se encontra em si mesmo, tal qual se encontra fora de nós, precisamos antes de tudo de recusar qualquer contribuição e qualquer informação que nos venham, ou nos pareçam vir, de fora, ou seja, qualquer contribuição e qualquer informação que nos venham da percepção sensível que só nos poderiam induzir a erro [...] (KOYRÉ; 1992, p. 56)

Deus, diante do pensamento de Descartes, num primeiro momento, nasce da exploração dos limites impostos por sua generalizada dúvida, com a característica de enganador.

9 A dúvida hiperbólica é um conceito derivado do pensamento de René Descartes, a respeito do contínuo inquirir acerca da veracidade das coisas que nos são apresentadas como verdadeiras. Também chamada de dúvida sistemática, é o resultado imediato do primeiro princípio exposto pelo pensador no seu Discurso sobre o método (1637). É dita hiperbólica por ser uma dúvida exagerada, mas filosoficamente construída: sua razão de ser é examinar minuciosamente os conceitos de modo a só admitir por verdadeiro o que realmente é, e declarar duvidoso o que não pode afastar o mínimo de incerteza. (Wikipédia.com.br)

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Contudo, faz muito tempo que conservo em meu espírito a opinião de que existe um Deus que tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Mas quem me poderá garantir que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir da maneira diferente daquela que eu vejo? E, mesmo como julgo que algumas vezes os outros se enganam até nas coisas que eles acreditam saber com maior certeza, pode ocorrer que Deus tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enumero os lados de um quadrado, ou em julgo alguma coisa ainda mais fácil, se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso. Mas pode ser que Deus não tenha querido que seja decepcionado desta maneira, pois ele é considerado soberanamente bom. (DESCARTES; 1999, p. 253)

É importante ressaltar que com o argumento do cogito, a partir das regras do método, Descartes lança mão de uma primeira certeza fundamental, que o conduz à consciência de sí mesmo como ser pensante. O movimento do conhecimento não se realiza a partir do externo, mas a partir do sujeito como coisa que pensa. Em nossa compreensão, Descartes já tem por consciente a estratégia que o levará a discutir, na Terceira Meditação, a existência de Deus. Quanto mais a dúvida for vivida radicalmente, mais certezas que forem surgindo, em seguida, se apresentarão como inabaláveis.

Presumirei, então, que existe não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos astucioso e enganador do que poderoso, que dedicou todo o seu empenho em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que eles se servem para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essa. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio não está em meu poder ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está em meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá impor-me algo. (DESCARTES; 1999, p. 255).

Giovanni Reale admite que Descartes estava diante de questões que exigiam maior fundamentação da atividade cognoscitiva do homem. Como ser pensante, o eu revela-se como lugar de multiplicidade de idéias. A grande aporia

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encontrada por Descartes, neste momento, reside no fato de ter colocado todo o edifício do saber na esfera da consciência e por isso encontra certa dificuldade em explicar o caráter objetivo das faculdades cognoscitivas. Diante de muitas idéias, no campo da consciência, Descartes se depara com a idéia inata de Deus. Agora, afirma Reale, que Descartes teve de tratar o problema da existência de Deus não mais a partir do mundo externo, mas a partir de sua própria consciência.

Descartes, a partir da Terceira Meditação, se engendra numa cadeia de pensamentos que visa à abolição da dúvida. Ele considerara, por exemplo, a incoerência de uma suspeita da existência ou não de um Deus; todavia, a evidência dessa suspeita deve incorrer, diante da possibilidade da existência de um, na prova de sua existência.

A ideia inata de Deus em Descartes começa a se manifestar como elemento norteador da ação cognoscitiva do pensar objetivo humano. Ainda no campo de nossa compreensão acerca do legado cartesiano, o fato do conhecimento passar para as esferas cognoscitivas do homem não apresenta total ressonância no projeto do pensador francês. Descartes concluiu que a realidade objetiva de algumas de suas idéias se mantém fora dele, pois para ele mesmo não há possibilidade do reconhecimento, da clareza e da distinção com as quais elas se apresentam, nem tampouco de ser-lhe a causa. Na impossibilidade de se auto-atribuir à causa dos efeitos de tais idéias, Descartes concebe a existência de Deus. Aqui, notadamente, Descartes aboliu o grande Deus enganador para colocar em cena o Deus que garante a cognoscitibilidade do ser pensante.

Então, resta apenas a idéia de Deus, na qual é preciso considerar se há algo que não possa ter provindo de mim mesmo? Pelo nome de Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas. Ora, essas vantagens são tão grandes e tão eminentes que, quando mais atentamente as considero, menos me persuado de que essa idéia possa tirar sua origem de mim tão-somente. E, por conseguinte, é preciso necessariamente concluir, de tudo o que foi dito antes, que Deus existe; pois, ainda que a idéia da substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma substância, eu não teria, todavia, a idéia de uma substância infinita, eu que sou um ser finito, se ela não tivesse sido colocada em mim por alguma substância que fosse verdadeiramente infinita. (DESCARTES; 1999, p. 281).

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A prova da existência de Deus gera, diante das conclusões de Descartes, uma afirmação: quem nega o Deus como criador considerar-se-á um auto-produto. Isso, portanto, não garantiria ao ser pensante a possibilidade de exercício de sua ação cognoscitiva. Reale conclui que sob as forças protetoras de Deus, as faculdades cognoscitivas não podem nos enganar, já que, neste caso, o próprio Deus, que é o seu criador, seria responsável por tal engano. E Deus, sendo sumamente perfeito, não é mentiroso. Desse modo, aquele Deus, em cujo nome se tentava bloquear a expansão do novo pensamento científico, aparece aqui como aquele que, garantindo a capacidade cognoscitiva de nossas faculdades, estimula tal empreendimento. Assim, afirma Reale, que a dúvida é derrotada e o critério da evidência é justificado conclusivamente. “O Deus criador impede que se considere que a criatura seja portadora dissolutório dentro de si ou que suas faculdades, estimula tal empresa.” (REALE; 2007, p. 272-373). Além do poder cognoscitivo das faculdades, Deus garante também todas aquelas verdades, claras e distintas, que o homem estiver em condições de alcançar.

A prova ontológica de Descartes surgirá na Quinta Meditação. O argumento para a tal prova fundamentou-se nas verdades matemáticas. A existência, afirma Reale, é parte integrante da essência. Dessa forma, não é possível ter a idéia de Deus sem admitir sua existência. A lógica utilizada por Descartes, conforme já foi dito, pertence à ordem das certezas matemáticas (mais particularmente a geometria) e tal constatação surge na Quinta Meditação.

E o que, julgo mais importante é que encontro em mim uma infinidade de idéias de certas coisas que não podem ser consideradas um puro nada, embora talvez elas não tenham existência fora de meu pensamento, e que não são fingidas por mim, conquanto esteja em minha liberdade pensá-las; mas elas possuem suas naturezas verdadeiras e imutáveis. Como por exemplo, quando imagino um triângulo ainda que não haja talvez em nenhum lugar do mundo, fora do meu pensamento, uma tal figura, e que nunca tenha havido alguma, não deixa entretanto, de haver uma certa natureza ou forma, ou essência determinada, dessa figura, a qual é imutável e eterna, que não inventei absolutamente e que não depende, de maneira alguma, de meu espírito; como parece, pelo fato de que se pode demonstrar diversas propriedades desse triângulo, a saber, que os três ângulos são iguais a dois retos, que o maior ângulo é oposto ao maior lado e outras semelhanças, as quais agora, quer queira, quer não, reconheço mui claramente e mui evidente estarem nele, ainda que não tenha antes pensado nisto de maneira alguma, quando imaginei pela primeira vez um triângulo; e, portanto, não se

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pode dizer que eu as tenha fingido e inventado. (DESCARTES; 1999, p. 304).

Portanto, a certeza da existência de Deus está regulamentada pela ordenação das verdades matemáticas. A prova ontológica ocorre de fato na Quinta Meditação, onde Descartes admitiu encontrar em seu pensamento uma idéia de um ser soberanamente perfeito. Isto fez com que o pensador francês admitisse que a existência de Deus possuía a mesma natureza das figuras e números que estão demonstrados na matemática (geometria).

[...] a existência de Deus deve apresentar-se em meu espírito ao menos como tão certa quanto considerei até agora todas as verdades das matemáticas, que se referem apenas aos números e às figuras. [...] persuado-me facilmente de que a existência pode ser separada da essência de Deus e de que, assim, é possível conceber Deus não existindo atualmente. Mas, não obstante, quando penso nisso com maior atenção, verifico claramente que a existência não pode ser separada da essência de um Deus, tanto quanto da essência de um triângulo retilíneo não pode ser separada da grandeza de seus três ângulos iguais a dois retos ou, da idéia de uma montanha sem vale. (DESCARTES; 1999, p. 306).

A preocupação de Descartes, na Meditação Sexta, está concentrada, em grande parte, na prova da existência das coisas materiais. A ordem das certezas já fora construída com a provada existência de Deus, todavia falta-lhe a apresentação de um argumento que venha fazer a manutenção da ordem das coisas; ou seja, algo precisa garantir a existência das coisas materiais. “Agora, falta-me apenas analisar se existem coisas materiais: e certamente, ao menos, já sei que as pode haver, na medida em que são consideradas como objeto das demonstrações da geometria, visto que desta maneira, eu as concebo mui clara e distintamente” (DESCARTES; 1999, p. 313).

O Deus de Descartes reaparece como elemento fundamental e mantenedor das coisas que ele pode conceber de forma clara e distinta, pois é dele a natureza da faculdade que possibilita a cognoscitibilidade e não do próprio ser pensante. Descartes usou o recurso da imaginação e dele retornou à questão das coisas que ele poderia considerar como verdadeiras a partir do plano dos sentidos.

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Descartes precisa agora dar conta da aparente ordenação que há na natureza, posto que o movimento que o seu pensamento realiza se desloca do ser pensante para o plano exterior. Talvez daí surja a justificativa de ter de retornar ao que inicialmente desprezou: a realidade que se configura nas esferas sensoriais.

Em princípio, lembrarei quais são coisas que até aqui considerarei como verdadeiras, tendo-as recebido por intermédio dos sentidos, e sobre que fundamentos estava apoiada minha crença. E, depois, examinei as razões que me obrigaram em seguida a colocá-las em dúvida. (DESCARTES; 1999, p. 316).

A ordem da certeza das coisas se apresenta como a garantia da existência das coisas corpóreas. Portanto, se fosse possível provar a existências das coisas materiais – que são em quase sua totalidade mantida na esfera dos sentidos – Descartes realizaria a construção completa do seu edifício do saber. O pensador francês problematizou a faculdade dos sentidos e questionou o que deles pode ser desprezado a partir da prova da dúvida.

Contudo, mais tarde, muitas experiências anularam, paulatinamente, todo o crédito que eu dera aos sentidos. Pois observei muitas vezes que torres, que de longe se me afiguravam redondas, de perto pareciam-me quadradas, e que colossos, erigidos sobre os mais altos cimos dessas torres, pareciam-me pequenas estátuas quando as olhava de baixo; e assim, em uma infinidade de outras ocasiões, achei erros nos juízos fundados nos sentidos exteriores, mas mesmo nos interiores: pois haverá coisa mais íntima ou mais interior do que a dor? E, no entanto, aprendi outrora de algumas pessoas que tinham os braços e as pernas cortados, que lhes parecia ainda, algumas vezes, sentir dores nas partes que lhes haviam sido amputadas; isto me dava motivo de pensar que eu não podia também estar seguro de ter dolorido algum de meus membros, embora sentisse dores nele. [...] E a essas razões de dúvida acrescentei ainda, pouco depois, duas outras bastante gerais. A primeira é que jamais acreditei sentir algo, estando acordado, que não pudesse, também, algumas vezes, acreditar sentir, ao estar dormindo; e como não creio que as coisas que me parece que sinto ao dormir procedem de quaisquer objetos existentes, não via por que devia ter antes essa crença no tocante àquelas que me parece que sinto ao estar acordado. E a segunda é que, não conhecendo ainda ou, antes, fingindo não conhecer o autor de meu ser, nada via que pudesse impedir que eu tivesse sido feito da tal maneira pela natureza que me enganasse mesmo nas coisas que me pareciam ser mais verdadeiras. (DESCARTES; 1999, p. 318-319).

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A existência das coisas materiais também se apresenta como subsidiária da verdade divina. Descartes inicia seus argumentos na Meditação Sexta, onde afirma mais uma vez que é uma coisa pensante e que estando seu corpo estreitamente ligado à idéia clara e distinta do eu (alma), esta pode ser ou existir sem ele.

[...] Alem disso, encontra-se em mim certa faculdade passiva de sentir, ou seja, de receber e conseber as idéias das coisas sensíveis, isto é, de receber e conhecer as idéias das coisas sensíveis; mas ela seria inútil, e dela não me poderia servir absolutamente, se não houvesse em mim, ou em outrem, uma faculdade ativa, capaz de formar e produzir idéias. Mas, essa faculdade ativa não pode existir em mim enquanto sou apenas uma coisa que pensa, visto que ela não pressupõe meu pensamento, e, também, que essas idéia me são apresentadas amiúde sem que eu em nada contribua para tanto [...] (DESCARTES; 1999, p. 321).

E ainda:

Mas não sendo Deus de forma alguma embusteiro, é evidente que ele não me envia essas idéias imediatamente por si mesmo, nem por meio de alguma criatura, na qual a realidade das idéias não esteja contida formalmente, mas apenas eminentemente. Porque não havendo me fornecido alguma para conhecer que isto seja assim, mas ao contrário, uma fortíssima inclinação para crer que elas me são envidas pelas coisas corporais ou em parte destas, não vejo como se poderia desculpá-lo de embuste se, com efeito, essas idéias partissem de outras causas que não coisas corpóreas, ou fossem, por elas produzidas. E, portanto, é preciso confessar que há coisas corpóreas que existem. (DESCARTES; 1999, p. 322).

O nosso filósofo da modernidade percebeu que na preposição: penso, logo existo, ou seja, ao descobrir pela intuição do próprio intelecto que é pura subjetividade pensante, também percebeu que era imperfeito e finito. Isso se dá devido a necessidade de duvidar das coisas, tenho dificuldades para entender o que é realmente certo e evidente. O real e o evidente escapam com frequência dos meus raciocínios. Entende Descartes que está sempre duvidando, ou tem que estar sempre utilizando o recurso da dúvida, por não ter sempre a certeza ao seu favor. Ao encontrar a sua primeira certeza, Descartes observou que duvida e que nega as coisas ditas como “verdadeiras”, sendo uma coisa que pensa e duvida, o filósofo considerou-se um ser imperfeito e finito. Ele percebeu que, mesmo tendo a certeza da sua existência, ficaram devidamente as suas limitações frente ao conhecimento.

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Podemos ver isso quando falava-mos a respeito da moral provisória, devido que, as certezas do cogito, isto é, os meios aos quais Descartes chegou a esta evidência de sua existência como sendo coisa que pensa, livre de qualquer tipo de dúvida, falo do método cartesiano propriamente dito, não garantia a Descartes os mesmos raciocínios no campo das condutas, foi devido a isso que a moral cartesiana é embasada no uso do bom senso ao escolher as melhores opiniões sobre qual seria a melhor conduta a acatar.

Portanto penso e sou. Mas que sou eu? Justamente um ser que pensa, e que duvida, e que nega. Isso basta a Descartes. Porque um ser que pensa e que duvida é um ser imperfeito e finito. E, além disso, é um ser que o sabe, que se sabe imperfeito e finito. (KOYRÉ; 1992, p. 60)

Devido a esta constatação de Descartes sobre sua finitude e imperfeição, foi que o mesmo chegou a conclusão de que possuía uma ideia em sí mesmo de perfeição e infinitude. Pois, entendia Descartes; como posso ter um conhecimento sobre perfeição se sou um ser imperfeito? Ou; como posso ter uma ideia a respeito de infinito se não sou infinito em meu ser? Descartes percebia que poderia ter ideias de ser maiores do que ele. É, aí que, Descartes endente onde Deus manifesta sua existência, pois o finito e transitório, não pode conceber o infinito e eterno sem que aja um ser infinito e eterno e perfeito, isto é, um Deus, que me dê tal privilégio de conceber tal realidade. “Ora, como poderia ele sabê-lo, ou seja, perceber - e claramente - a sua própria finitude essencial e a sua imperfeição, se não tivesse, em si mesmo, uma idéia de alguma coisa infinita e perfeita, ou seja, como poderia ele compreender-se a si próprio sem ter ao mesmo tempo uma idéia de Deus?” (KOYRÉ; 1992, p. 60).

Descartes inverte a forma pela qual entende a escolástica10 tradicional, esta, parte do reconhecimento das realidades finitas existentes para chegar a uma realidade infinita, ou seja, o finito nos leva ao entendimento do infinito. Mas pela lógica cartesiana, isso se faz de modo totalmente ao contrário; é pela concepção de infinito que posso me reconhecer ser finito. Pois, do menor, não poder

10 A Escolástica (ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. Esta linha vai do começo do século IX até ao fim do século XVI, ou seja, até ao fim da Idade Média. Dicionário de filosofia de Cambridge).

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advir algo maior do que ele. Possuo, segundo Descartes, uma ideia inata de infinito, perfeito, onisciente e eterno, e esta ideia de “metafísicas inatas do intelecto”, me dá a oportunidade de reconhecer o que é finito, imperfeito, não-onisciência e transitório.

Com efeito, a lógica cartesiana ensina-nos que a idéia positiva e primeira, a idéia que o espírito concebe a si mesmo, não é, como o julga o vulgo - e a escolástica - a idéia do finito mas, muito pelo contrario, a de infinito. Não é negando a limitação de não-finitude. É, pelo contrário, ao trazer um limite, logo uma negação, à idéia de infinitude que o espírito chega à concepção do finito. (KOYRÉ; 1992, p. 60)

Tendo a consciência de ser um ser que pensa, isso implica na noção e ideia de Deus. “O eu penso, implica; penso Deus.” (KOYRÉ; 1992, p. 61). O filósofo entende que com esta primeira evidência do cogito, podemos ter uma ideia de Deus tão clara e distintamente assim como ele evidenciava como sendo uma coisa que pensa. “Tenho dele, portanto uma ideia.” (p. 61) E esta ideia se encontra na esfera das ideias inatas cartesianas. Uma ideia simples e muito clara assim como o seu entendimento como ser pensante; “o ser que tem uma idéia de Deus.” (p. 62). As nossas idéias de perfeição, infinito, são tão magnificentes que não podem de forma alguma vir do finito e imperfeito que somos. São ideias superiores a nós, diz Descartes. Não podem vir de nós, tais idéias, devido a nossa fragilidade, finitude e imperfeição. Não pode vir do finito, de nenhum ser finito como somos. Só pode vir de Deus, este Ser perfeito e infinito. “Eis, portanto, uma segunda certeza, uma segunda idéia clara que é posta fora de dúvida, cujo o objeto, sem qualquer duvida é real. Deus existe, porque eu existo, eu que tenho uma idéia de Deus”. (KOYRÉ, 1992, p. 62).

Da mesma forma que podemos ter a certeza de nossa existência, assim como foi comprovada com a evidência do cogito, e que Descartes considera tais evidências fora de qualquer refutação e dúvida, a evidencia que Deus existe, participa da evidencia do nosso ser que concebe. O “eu penso”, tem uma ideia de Deus. O “eu penso”, é evidente e está fora de qualquer dúvida. Então a existência de Deus também.

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4.4 A EXISTÊNCIA DO MUNDO EXTERIOR (RES-EXTENSA)

Agora sabendo que é de Deus que provem tais idéias, e que Deus é um ser perfeito e por isso não poderia nos enganar nunca, então podemos acreditar firmemente que as nossas idéias inatas são claras e simples, ou seja, são verdadeiras. Isso garante os fundamentos de nossos juízos sobre as existências objetivas permitindo passar da idéia ao objeto. Para Descartes, as nossas idéias que são claras e simples é que nos revelam o real como ele é de fato que foram criadas pelo próprio Deus.

Na obra cartesiana do Discurso do Método, não encontramos uma evidência explícita sobre o mundo exterior. Mas com um olhar mais apurado podemos deduzi-la em um trecho já citado neste trabalho acadêmico, e também em outras obras, como a Meditações, que igualmente já foi utilizada em outras ocasiões, como vimos agora pouco, quando tratamos a respeito de como Descartes chegou naquilo em que ele acreditava ser uma evidência de Deus. Vamos recordar um trecho da quinta parte do Discurso quando Descartes chegou à evidência do cogito, aí sim poderemos comentar de onde poderemos deduzir tal menção à respeito do mundo exterior de que falávamos:

Mais tarde, ao analisar com atenção o que eu era, e vendo que podia presumir que não possuía corpo algum que não havia mundo algum [...]; compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas em pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. (DESCARTES, 1999, p. 62)

Pelo que já podemos constatar neste trecho, é que eu, coisa que pensa, sou uma substância independente e distinta do corpo; “que eu era uma substância”, ou seja, separada e independente do mundo exterior. Gilberto de Mello Kujawski comenta que exatamente este trecho é um primeiro vestígio da prova de que descartes acredita no mundo exterior mesmo fazendo esta distinção tão radical entre substancia pensante (res-cogitans) e substância extensa (res extensa); “Este é o inicio da prova requerida para a existência dos corpos. Resta demonstrar que a alma, ou substância pensante, não só é inteiramente distinta, como é realmente distinta do corpo, ou substância extensa.” (KUJAWSKI; 1969, p. 132)

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A continuação desta evidência sobre um possível mundo exterior acreditado por Descartes, encontramos na sexta Meditações, quando o filósofo salienta que tudo o que ele pode conceber de forma clara e distinta e separado de outras coisas, ou seja, aquilo que ele podia observar fora do cogito, poderia ser criado por Deus; “Tudo o que eu concebo clara e distintamente como separado das outras coisas, pode ser produzido separadamente por Deus, que nunca me engana.” (KUJAWSKI; 1969, p. 132).

Então podemos constatar que, Descartes entende que sendo uma substância pensante e reconhecendo ser assim, e não tendo dependência nenhuma do corpo, também não percebe as coisas corporais como sendo parte ou dentro de sua essência, elas são substâncias separadas. Isso significa que, os corpos não existem no seu pensamento, mas, todavia, fora dele. Segundo Kujawski, com esta afirmação de Descartes a ciência da natureza cartesiana esta justificada; “Basta admitir a existência de Deus, o qual não me engana, para se ter como certo que a substância pensante e a substância extensa, objetos de idéias claras e distintas, foram produzidos separadamente por Deus.” (KUJAWSKI; 1969, p. 132-133).

O que podemos considerar até aqui? Isto é, até o momento presente do que foi argumentado a respeito do mundo exterior cartesiano? Bem, podemos concluir uma coisa; as nossas idéias sobre as coisas ou realidades materiais, só podem ter origem metafisicamente no Criador, ou seja, Deus mesmo, e que tais idéias são inatas dadas por Deus, mas que são manifestadas devido nosso contanto com o mundo empírico. Porque todas as idéias necessitam de uma causa. Quando temos contato com o mundo externo, logo nossa razão intui idéias claras e distintas como sendo extensão das coisas, mesmo tais idéias sendo ofuscadas e obscuras, percebo mesmo assim nelas idéias de profundidade e extensão que são evidentes ao intelecto assim como as verdades matemáticas, e por serem idéias inatas dadas por Deus que não me engana, tenho a certeza de sua existência substancial fora do sujeito pensante (cogito).

É a extensão que evidência a existência das coisas e objetiva elas. “As idéias claras e distintas dão-nos a conhecer que os corpos se constituem de extensão, figura e movimento; excluem-se as qualidades secundárias como a cor, o som, o cheiro, o gosto, o calor e o frio, objetos de percepções obscuras e confusas.” (KUJAWSKI; 1969, p. 133). Com esta forma de metafísica cartesiana, sempre requer

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o concurso das chamadas idéias claras e distintas, que possa garantir a criação de forma separadamente a substância pensante e da substância extensa.

Vimos que depois de Descartes eliminar pela dúvida metódica o mundo externo, o mesmo recoloca o mundo exterior em seu devido lugar, pelo menos do jeito que Descartes acreditava que fosse. O que garante o suporte das idéias claras e distintas evidenciada no externo do cogito, é a evidência de Deus que às criou, e sendo perfeito e não embusteiro, não pode me enganar, pois as idéias foram dadas por Ele em meu cogito de forma inata. Na obscuridade e confusa percepção empírica, posso intuir extensão nelas que me são claras e distintas, assim como o cogito e Deus e as verdades matemáticas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O químico sueco Berzelius andou por Paris e ficou sabendo que no túmulo de Descartes não havia nenhum crânio. Isso o impressionou. Quando de volta para a Suécia, vagueando pelas ruas de Estolcomo, foi avisado de um leilão em que uma das peças era o crânio de Descartes. Berzelius foi ter com o comprador e conseguiu o crânio. Entregou-o ao governo francês. Foi assim que o crânio de Descartes chegou à sua terra natal. Isso foi em 1821. Descartes faleceu em 1650, na Suécia. Quase dois séculos de separação entre “corpo” e “cabeça”. Eles foram unidos, depois disso?

Quando os ossos de Descartes foram transferidos da Suécia para a França, houve a separação. Para comodidade da viagem, de modo a sobrar espaço, colocaram a cabeça em uma caixa e esqueleto na urna, e um capitão resolveu ficar com o crânio. Roubo – é claro. Mas bem intencionado, disse o homem. Era para preservar o crânio! Hoje este crânio contém o nome dos seus vários proprietários, e outras inscrições esquisitas. Está no Museu do Homem, em Paris. Fica lá, ao lado do crânio marcado como “Cro-magnon, idade 100 mil anos”. Nunca mais conseguiu voltar para junto do resto do esqueleto.

Caso possamos – de modo grosseiro – dizer que o crânio abriga o cérebro e este é o “lugar” da mente, então eis aí a separação mente-corpo de Descartes. A única plausível. Pois, ao contrário do que os estudantes (e até professores) de Ciências Cognitivas imaginam, Descartes não “separou corpo e mente”. Aliás, é horrível escutar esse enunciado. É coisa de quem ouviu o galo cantar, mas não sabe onde.

Nas Meditações, Descartes deixou claro que o homem “não é um piloto em seu navio”, não é uma mente comandando um barco, mas um todo coeso. A consideração que Descartes fez, apontando para uma dupla substância, a res- cogitans e a res- extensa, era puramente metodológica. O mental não ocuparia espaço e o não mental ocuparia espaço, e isso deveria implicar em alguma coisa a mais, pensou ele. Eis aí o “dualismo cartesiano” – não mais que isso. De modo algum Descartes quis dizer que poderíamos entender o homem por meio de uma separação entre “corpo” e “mente”. Poderíamos fazer pesquisas metafísicas com tal dualismo, mas não pesquisas filosóficas e antropológicas a respeito do homem.

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O projeto de Descartes, ao menos no campo filosófico em sentido estrito, isto é, metafísico, não era o de “entender o homem”. No campo metafísico seu projeto era o de mostrar a inconsistências de posições relativistas e, enfim, céticas – um projeto tradicional em filosofia. Um projeto herdeiro daquele que o próprio Platão se fez porta voz, depois de Parmênides e Heráclito: o de encontrar e bloquear os mecanismos pelos quais nós nos enganamos e tomamos o falso pelo verdadeiro. Como bloquear isso? Conseguindo uma primeira verdade indubitável. Como vimos bastaria uma, as outras poderiam ser tiradas por dedução, por silogismos corretos. Isso deveria, talvez, lhe dar um critério, um modo de saber quando se estaria diante de um enunciado ou pensamento verdadeiro, isto é, certo. E, para tal, ele começou pelo mesmo ponto de Platão: na discussão com a conversa do cético. E o que dizia o cético?

O que diz um cético profissional? O cético não duvida da verdade. Ele duvida do conhecimento. Ele nos fustiga dizendo que o conhecimento não é possível. Conhecimento, lá em Platão, é “crença verdadeira justificada”. E assim também no tempo de Descartes e, de certo modo, ainda hoje utilizamos (em parte) tal definição. O cético não vai dizer que a verdade não existe, pois isso tornaria essa sua frase uma auto-refutação. Ele diz que não conseguimos lhe dar uma boa justificação do que afirmamos ser verdadeiro e, então, o conhecimento é que é o ponto sobre o qual recai a dúvida.

Sendo assim, para escapar do cético, o filósofo deve mostrar que “crença verdadeira bem justificada” é possível, insistindo, então, que a justificação é algo realizável ou alcançável. Descartes entendia, portanto, que precisava apenas de uma única e primeira verdade, e essa verdade deveria ser irrefutável, isto é, não haveria qualquer justificação contra ela melhor do que a que estivesse a seu favor. Ela viria com suas justificações e traria a “clareza e distinção”. Tais justificações deveriam se tornar, elas próprias, o critério de verdade – a régua infalível pela qual poderíamos dizer que sabemos algo. Uma régua que não precisaria, ela mesma, de outra régua para avaliá-la – pois é esse o problema que aparece quando queremos critérios.

Caso Descartes fosse um antigo, ele procuraria esse critério em qualquer outro lugar, menos no âmbito do “eu”. Mas, sendo moderno, tendo passado por uma educação em que o “eu” foi construído e aperfeiçoado, tendo

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experimentado anos de cultura que trouxeram a alma como uma noção muito mais complexa do que era para os antigos, foi natural para Descartes jogar suas fichas no que veio a ser conhecido como sujeito.

Seu raciocínio começa pela aceitação da dúvida. O cético quer duvidar, não é? Pois então, que duvide, mas ele tem de duvidar com método. Descartes se põe na condição de cético e passa a mostrar como é que se duvida metodicamente. Não há como duvidar de tudo, pois isso seria um projeto infinito, então, devo duvidar de algo que, caso minha dúvida se mostre eficaz, todo o resto entrará automaticamente em dúvida, até mesmo as crenças e enunciados que desconheço. Descartes resolveu investigar, então, não o conhecimento, mas as faculdades que deveriam ter propiciado a ele ter em sua posse o que até então chamava de conhecimento. Colocou em dúvida, dessa maneira, as faculdades pelas quais o conhecimento é gerado: os sentidos, a imaginação e o intelecto.

Nas Meditações Descartes afirma que tudo que tem ou passou pelos sentidos ou lhe é inato. Então, duvidar de tudo que tem e tudo que um homem pode ter é duvidar dos sentidos e da razão (a imaginação estaria subordinada aos sentidos). O que veio pelos sentidos, teria sua primeira morada no exterior à sua alma. O que não veio pelos sentidos e, no entanto, está em sua alma, teria vindo junto com ele ao mundo – seria um conjunto de crenças inatas. As primeiras serviriam para as ciências empíricas, como a física, as segundas construiriam as ciências puramente intelectuais, como a matemática ou geometria. Sua idéia básica e, então, a de colocar tudo em dúvida – o que vem dos sentidos e o que já está, de modo inato, no intelecto. Como fazer isso?

Com os sentidos Descartes vê que a atuação é fácil. Os sentidos parecem já o ter enganado ao menos uma vez. Então, dali para diante, nada de confiar nos sentidos. Eles estariam na berlinda. Todavia, como colocar as crenças matemáticas e geométricas na berlinda? Como dizer que não confiamos que dois e dois são quatro ou que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus? Impossível. Isso é certo e indubitável, estando nós aqui acordados ou dormindo, estando nós aqui na Terra ou não. Dessa forma, para colocar verdades do tipo da matemática em dúvida, haveria de encontrar outra estratégia.

Descartes elaborou a estratégia da hipótese do “gênio maligno”. Haveria um gênio instalado em seu pensar, em sua cogitatio, de modo a fazer com que ele se enganasse todas as vezes que ele viesse a pensar, mesmo que

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pensasse coisas logicamente corretas. Ao assumir tal hipótese, Descartes consegue ampliar sua dúvida de modo irrestrito. Ela é uma dúvida hiperbólica nesse sentido: ocupa todo o espaço. Nada há que não esteja, agora, em dúvida. Mas, ao mesmo tempo em que ele imagina essa forma de duvidar de modo hiperbólico, surge a ele a primeira verdade: para ser enganado o gênio precisa acessá-lo o tempo todo, e isso só pode ser feito se ele, Descartes (ou o eu de qualquer um que se submeter a tal exercício), estiver pensando – cogitando. Eis aí que ele tem sua primeira verdade; e também o critério de verdade, que é a certeza produzida no Cogito: por mais errado que esteja eu pensando, devido à atuação do gênio, se estou errando, estou pensando. Pararei de errar se parar de pensar. Mas enquanto penso e me engano, estou pensando. Sendo assim, eis a certeza subjetiva: “penso, sou”.

Que ninguém se engane, aqui, como o “sou”. Descartes não está dizendo é alguma coisa – ainda não está. Ele diz que é “uma coisa pensante” depois. Mas não precisa ir mais além para ter um enunciado certo e indubitável. E se quiserem entender melhor, podem ler o “penso, sou” como “penso, existo”. Isso não é a conclusão de um silogismo. É uma evidência, uma intuição intelectual. Mas, às vezes, a literatura o mostra na forma de conclusão: “penso, logo existo”.

Que ninguém diga (não em um primeiro momento) que para pensar é preciso existir. Pois isso não vale. Descartes começa as Meditações duvidando de tudo, dos sentidos e, depois, do intelecto. Portanto, ele não está certo de nada, nem mesmo, é claro, de sua existência.

O que é importante entender é que essa certeza (como toda certeza, pois o verbo certeza implica já remete para o sujeito) é subjetiva. E subjetiva, aqui, não quer dizer mais “só de um homem – Descartes”. Subjetiva, aqui, quer dizer: todo homem que quiser fazer esse exercício, ou melhor, todo ser dotado de razão que quiser meditar, irá chegar à mesma conclusão que ele chegou – como diz Descartes. Portanto, ele já está tomando a subjetividade como uma instância universal, e a certeza do cogito, que é seu critério de verdade agora, é o critério universal de verdade. “Penso, sou” é uma verdade todas as vezes que a enuncio, diz Descartes. Sim, correto. E eis que Descartes consegue mostrar algo que é uma crença verdadeira justificada corretamente: é impossível dar uma justificativa que derrube a justificativa arrumada por ele. Sua certeza é indubitável. E qualquer um de nós pode chegar à mesma evidência, à mesma intuição intelectual.

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Assim, o projeto cartesiano é no âmbito da verdade. Mas, a partir dele, e incentivado por ele, as pesquisas filosóficas não serão somente sobre a verdade, mas também sobre o “eu”. A certeza é alguma coisa do âmbito subjetivo. E o trabalho dos filósofos será o de mostrar que o “eu” que apresentam é universal e, ao mesmo tempo, não uma figura estranha aos homens. Os filósofos passam a disputar para mostrar que cada um pode montar uma subjetividade mais abstrata, mais universal e, ao mesmo tempo, menos falha, menos não humana. O projeto moderno acaba, então, de certo modo, até desconsiderando a questão do conhecimento e da verdade, e volta-se para uma epistemologia mais articulada à psicologia ou a uma metafísica do eu. Crescem os estudos sobre os modelos de sujeito. A filosofia passa a ser uma fábrica de sujeitos. Todas as vezes que um filósofo critica o outro, em geral o faz apontando as falhas do sujeito montado pelo outro, e então, é fato, deve mostrar como é que é o seu modelo de sujeito – melhor, mais bem acabado.

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SILVA, Mariluze Ferreira de Andrade e. Razão e a Emoção. Ed. Art Graf, São Paulo, 2004

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RENÉ DESCARTES

Cogito Ergo Sum

Penso, Logo, Existo

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